Ícone do site Tribuna de Minas

‘Só podia ser mulher!’ Sim, só podia, pois é preciso ser forte para enfrentar o preconceito

motoristas capa
PUBLICIDADE

Rosália, Cida, Jordana e Anália: as mulheres que sentam no banco da frente dos ônibus da Ansal (Fotos: Leonardo Costa)

“Não basta ser uma boa motorista, é preciso ser perfeita para provar que somos capazes.” A fala é de Anália Maria de Medeiros Badaró, 48 anos, há nove motorista de ônibus da Ansal. Casada com um caminhoneiro e mãe de dois filhos, ela garante que mais difícil do que o trânsito em horário de rush é enfrentar o preconceito. “Ainda existe uma certa resistência por parte de algumas pessoas. Temos sempre que ouvir um ‘só podia ser mulher’, mesmo quando a culpa não é nossa. Mas não me importo. Se você trabalha adequadamente, do jeito certo, as pessoas passam a te observar melhor e a te respeitar. E não é difícil conquistar a admiração, pois nós, mulheres, somos mais cuidadosas no volante, temos mais atenção. Logo, quem observa verá que somos perfeitas”, diz Anália, sob risos das companheiras de volante Jordana, Rosália e Cida.

PUBLICIDADE
“Não basta ser uma boa motorista, é preciso ser perfeita para provar que somos capazes”, diz Anália Maria de Medeiros Badaró

As quatro fazem parte do quadro de cinco motoristas da Ansal, empresa que, segundo elas, incentiva e valoriza as mulheres que demonstram interesse em ser motorista. “Ao contrário do preconceito muitas vezes enfrentado nas ruas, na Ansal essas mulheres encontram acolhimento e respeito”, garante o gerente de Tráfego da empresa, Alexandro Torres Duarte. “A mulher, pela sua natureza, tem um cuidado maior na maneira de conduzir um veículo. E a Ansal valoriza muito isso. São profissionais muito competentes, e a empresa se orgulha de abrir este espaço”, diz Alexandro, informando o caminho seguido por todos os funcionários que querem conduzir um ônibus da empresa. “Todos começam como cobrador, passam para manobrista dentro da garagem, para pegar uma habilidade maior, e, depois, após os treinamentos, se tornan motoristas. Há pouco tempo, duas cobradoras foram promovidas para a manobra, sendo que, há um mês, uma delas se tornou motorista. Valorizamos muito a capacidade das mulheres. Temos hoje 113 cobradoras e acreditamos que esse potencial só tende a crescer”, diz Alexandro.

PUBLICIDADE

Colega como referência

“Eu amo minha profissão, tenho orgulho do que eu faço”, garante Maria Aparecida Laurito, 53 anos

Anália Badaró, que conduz passageiros dos bairros Santa Efigênia e Previdenciários, foi a inspiração para que Maria Aparecida Laurito, 53 anos, deixasse a profissão de técnica em enfermagem para se tornar motorista de ônibus. “Achei bonito ela no volante dirigindo e falei: ‘Eu ainda vou ser motorista de ônibus.'” Há quatro anos, Cida conduz o ônibus da linha 117/Avenida Rio Branco.

“É um orgulho para mim ser motorista. É tudo o que eu queria e procuro dar o melhor de mim”, diz emocionada a mulher, mãe de dois filhos, que, mesmo tendo que ouvir comentários preconceituosos, jamais pensou em desistir da carreira que escolheu. “Já teve gente que chegou na porta do ônibus e disse: ‘É mulher que está dirigindo? Ah, não vou, lugar de mulher é atrás do fogão.” Com a certeza de que o lugar da mulher é onde ela quiser estar, Cida seguiu em frente, procurando prestar atenção em outros comentários. “Há pessoas que ficam surpresas e nos dão os parabéns. Dizem: ‘Que bom que você está neste volante.’ Isso é maravilhoso! Eu amo minha profissão, tenho orgulho do que eu faço. Saio de casa todos os dias para trabalhar com prazer, feliz! E a empresa nos apoia, nos valoriza, sabe da nossa capacidade.”

PUBLICIDADE

Olha, é uma menina!

“Meu banco é meu trono e, para ocupar esse trono aqui, eu tenho que ser perfeita”, declara Rosália Aparecida de Assis, 43 anos

Divorciada, Rosália Aparecida de Assis, 43 anos, sempre precisou trabalhar muito para criar os três filhos. Já foi balconista, cuidadora de idosos, doméstica, faxineira, até chegar a cobradora. Na Ansal, garante, foi acolhida de uma maneira especial e incentivada a tentar uma vaga como motorista. “Os colegas pegavam carona no meu carro e elogiavam minha postura ao volante. Diziam que eu deveria me tornar profissional. Acreditei no que eles disseram e quando vi já tinha trocado a letra (categoria) da minha carteira (de habilitação). Fui para o treinamento e, há três anos, me tornei motorista profissional”, conta Rosália, que garante gostar de trabalhar no trânsito. “Pensa numa coisa que te faz feliz. Sou eu no volante. Às vezes paro no ponto, vem um idoso e diz: ‘Olha, é uma menina!’ Dou aquele sorriso e fico toda feliz. Recomendo subir e descer devagar, peço para tomar cuidado, e eles ficam encantados. É gratificante saber que eu faço algo importante.”

Segura de sua habilidade, ela garante que mantém a tranquilidade mesmo quando é desafiada por quem considera que dirigir ônibus não é função de mulher. “Certa vez, no Bairro Previdenciários, em um dia de muita chuva, uma passageira me perguntou como eu faria para subir o morro, pois era perigoso. Eu perguntei a ela: ‘Se fosse um barbudo que estivesse aqui, você também teria medo?’. Ela respondeu: ‘Aí seria diferente, homem já está acostumado.’ Eu respondi: ‘Olha, meu bem, meu banco é meu trono e, para ocupar esse trono aqui, eu tenho que ser perfeita, eu diria que até mais que qualquer barbudo’. Não me abalo com preconceito, confio na minha capacidade.”

PUBLICIDADE

Da boleia para o ônibus

“Ninguém sabe o que eu passei para estar hoje dirigindo esse ônibus. Esse prazer ninguém me tira”, afirma Jordana Cardoso Cunha, 37 anos

Ainda criança, Jordana Cardoso Cunha perdeu a mãe e passou parte da infância na boleia do pai caminhoneiro. “Ele viajava muito, e eu sempre o acompanhava. Ali passei a gostar de direção.” Há oito anos ela decidiu deixar sua cidade natal, Moema, no Centro-Oeste de Minas, para tentar uma vaga como motorista em Juiz de Fora, para o orgulho do pai. Acostumado a uma região plana, ele ficou assustado quando, ao viajar no ônibus conduzido pela filha, conheceu a topografia da cidade. “Na hora, ele me disse: ‘Não acredito que você sobe esses morros’, conta Jordana, que hoje, aos 37 anos, tem certeza de que escolheu a profissão certa.

“Dizer que é fácil não é. O trânsito, muitas vezes, te impede de cumprir o horário determinado, e os passageiros não entendem isso, acham que a culpa é da gente. Já ouvi de uma senhora que eu não deveria estar ali, que eu tinha era que estar fazendo comida para o meu marido, passando roupa. Mas nada disso me faz desistir, só penso em uma coisa: ‘Ninguém sabe o que eu passei para estar hoje dirigindo esse ônibus. Esse prazer ninguém me tira.”

Sair da versão mobile