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‘Nós por nós’: conheça as histórias do Bairro Igrejinha

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Um dos pontos mais altos do bairro é a igreja e é por causa dela que o lugar se chama Igrejinha, pois servia de referência para quem passava pela região (Foto: Leonardo Costa)
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Bifurcações de caminhos. Entre o aqui e o ali. Descer um pouco para adentrar. “Eu amo Igrejinha”, um letreiro diz, bem na entrada. As paredes, cheias de grafite, dão boas-vindas. A ponte dá a passagem. Uma estação sem uso, em uma arquitetura tão própria, destoante do redor. Mais caminhos. Três meninos com violões nas costas tocam a campainha da Escola Municipal Padre Wilson. Sem olhar para trás, sem dúvida, vão direto a uma sala. Despem os violões. Tocam, em seguida, sob os cuidados do músico Guto Cimino, “Stairway to heaven”, do Led Zeppelin. Muitos violões e um só teclado. Talvez aquelas crianças de várias idades não tenham noção disto: elas estão entoando que um novo dia nascerá para aqueles que não desistirem. Mas, no fundo, sabem bem que, por ser quem são, sonhar alto é o mínimo. Eles sabem. E contam.

Fazem uma pausa nos ensaios para a apresentação de Dia das Mães na escola. Eles dão uma amostra dos ensaios que acontecem no contraturno das aulas, na parte da tarde. Todos eles, ali, saem de suas casas rumo a esse lugar, a escola, que, ali, é mais que um centro educacional. “Aqui é um lugar de acolhimento”, afirma Neiva Síria, diretora da Padre Wilson. A pergunta é simples e pretensiosa. Questiono: “Qual seu sonho?” Em ordem, eles falam: “O meu sonho é me tornar um artista profissional”; “Meu sonho é ser artista e jogador de futebol”; “Musicista e pediatra”, “Meu sonho é estudar no Conservatório de Música”. Mas e se precisar sair de Igrejinha, fariam isso? “Eu não quero sair de Igrejinha porque é meu lar”, Ana Lia responde.

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Crianças de Igrejinha contam com os projetos sociais do bairro para encontrar diversão (Foto: Leonardo Costa)

O agora de Igrejinha, Zona Norte de Juiz de Fora, é pensar no futuro. O esforço é planejar uma nova construção de comunidade. São os quase seis mil moradores que ficam encarregados de, eles mesmos, cuidarem desse espaço. Desde a escola à manutenção da memória, dos projetos e dos ambientes: “É nós por nós”, os entrevistados todos confirmam – o morador mais antigo, Dirceu Luciano da Silva, o presidente da Associação de Moradores, Luís Carlos Nascimento, conhecido como Cachoeira, e a diretora da escola que, apesar de não morar lá, tem contato com a comunidade pelos quase 700 estudantes. Duas principais empresas se localizam ao redor do território de Igrejinha e contribuem, também, com os projetos sociais, principalmente.

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Um dos pontos mais altos do lugar é a igreja. É ela que, inclusive, dá nome ao lugar. “O bairro cresceu e recebeu o nome de Igrejinha por causa dessa igreja que já existia aqui. O pessoal que ia para Lima Duarte ou Bom Jardim e passava por esse caminho dava essa informação: ‘Passa a igrejinha e vai sentido a Bom Jardim ou Lima Duarte'”, conta Cachoeira. Sobre sua construção, Dirceu conta uma lenda que ouviu e que se manteve: “Quem doou esse terreno para a construção da igreja foi Cleir Reis Duque (uma rua no bairro, inclusive, recebe esse nome. Grande parte exibe o nome Duque). Tinha uma placa aí contando essa história”, diz, apontando para a igreja. “Dizem que essa capela foi feita porque tinha muito fantasma, para o povo começar a rezar. Aparecia fantasma aí, porque não tinha caixão para enterrar. Enterrava com colcha e jogava nesse barranco aí (o ao redor da igreja). Aquela capela mortuária era o lugar onde a gente fazia festa, assava o leitão, em junho”, continua.

Senhor Dirceu foi um dos operadores de máquina responsável por abrir o asfalto, que, hoje, é a BR-267, e a história de sua vida se mistura com a do bairro (Foto: Leonardo Costa)

‘Eu ajudei a construir essa estrada’

A partir dessa igreja, então, as casas foram sendo construídas. “Moravam aqui umas cinco ou seis família. Tinha uma venda também. Como o terreno ao redor da igreja pertencia à igreja, um padre começou a distribuir terras para as pessoas irem morando. O bairro foi crescendo na medida em que o padre distribuía os terrenos”, conta Cachoeira. “Foi falado na época que era para construir não muito alto (no terreno ao redor na igreja), para não tampar a igreja, para a frente dela aparecer até lá no asfalto, como era antes”, rebate Dirceu. Ele, então, mostra que isso não aconteceu: as casas, cada vez maiores, quase tampam a fachada lá no asfalto, mas um pedaço ainda se vê.

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Dirceu afirma ser um pouco mineiro e um pouco carioca. “Nasci em Penido, morei em Vassouras, vim para Juiz de Fora. Eu vim para Igrejinha em 1968. Serviço de roça eu fazia tudo.” Quando chegou a Igrejinha, a estrada que liga Lima Duarte a Juiz de Fora, a agora BR-267, ainda não existia. Dirceu foi um dos operadores de máquina responsável por abrir o asfalto que, hoje, possibilita que os carros passem direto, sem desviar no bairro. Anos depois, ele se tornou o primeiro funcionário da Companhia Paraibuna de Metais (hoje, Votorantim). Lá, ele ficou 23 anos, até quando se aposentou. “Eu ajudei a construir essa estrada”, rememora, entendendo ser parte disso.

O morador ainda fez parte do conselho administrativo da igreja e, por dois anos, foi presidente da Associação de Moradores. Em sua gestão, ele conta que o asfalto foi colocado dentro do bairro. “Foi uma luta danada representar o bairro”, afirma. “Arrumei trabalho aqui, fiquei, fiz família. Minha esposa morreu aqui, de Covid-19, há dois anos. Estou aqui até hoje e até quando Deus quiser.”

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Cachoeira viveu sua infância brincando na rua, sem medo algum, talvez, apenas um: “Eles falavam que tinham um um homem sem cabeça que corria à noite”, recorda-se (Foto: Leonardo Costa)

“Quem viveu, viveu”

Cachoeira recebe esse nome por ter nascido em Cachoeira que, na época, era uma roça, com poucas famílias. Andando, o lugar fica a uns 20 minutos de distância de Igrejinha. A avó de Cachoeira foi morar em Igrejinha para trabalhar. Quando chegou a época de estudar, ele decidiu morar com sua avó. “Aqui sempre teve colégio. Quem morava em Cachoeira, não tinha luz, então como é que vinha sem luz? Igrejinha era como se fosse o centro. Lá, tinham seis famílias, que não tinham colégio, nem posto de saúde, nem luz, então a gente tinha que vir pra cá para estudar e adquirir mais informações.”

Era só para estudar, mas ele decidiu ficar. “Quando eu cheguei, ainda não tinha essa quantidade de moradores, que foi crescendo. Eu estudei aqui no colégio e fui conhecendo as pessoas. Criei um projeto de esporte aqui e acabei me tornando liderança na comunidade”, revela. Sua infância foi de brincadeira na rua, sem medo algum. Talvez, apenas um: “Eles falavam que tinham um homem de capa preta, um homem sem cabeça que corria à noite. Era uma maneira de os pais colocarem os filhos dentro de casa, porque a gente brincava na rua à noite. A gente via que escurecia, passava de 20h, e já ficava com medo dessa lenda”, ri.

Saudade mesmo tem é dos anos 1980. “Quem viveu essa época, viveu muito bem. Cada morador fazia uns bailes em sua casa. Tirava os sofás das salas, tinham aqueles aparelhos antigos de disco de vinil. Nossa infância foi divertida.” Hoje, ele conta que as possibilidades de diversão para as crianças são, realmente, a escola e o curumim, além dos projetos derivados desses espaços. “A comunidade vive muito de projeto social”, reitera. Outra diversão é o Torneio Leiteiro, que leva atrações culturais para o bairro ao mesmo tempo que recorda o tempo em que Igrejinha era um dos maiores produtores de leite. As oportunidades são poucas, de diversão ou trabalho mesmo. Mas o desejo de sair, pelo menos para eles, é quase nulo. O pertencimento fala mais alto. “Eu continuo apegado a essas memórias (da infância). Tudo o que aconteceu na minha vida de bom eu consegui aqui.”

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Foi o pai de um aluno o responsável por religar a energia da quadra da escola após um rombo dos fios. Foi através de um bazar que um parquinho foi construído na mesma escola. Um pai de aluno também quer fazer as reformas da estação porque deseja que suas filhas aproveitem esse espaço. É, outra vez, o “nós por nós”, o maior senso de comunidade. Alguns passos para o futuro são principais: limpar o rio que corre por Igrejinha para acabar com as enchentes, melhorar as condições da escola, colorir ainda mais o bairro, revitalizar a estação. Sobre esse última, Dirceu concorda, faz um pedido à Cachoeira: “A estação não pode ficar desleixada não. É bom para os idosos dançarem no dia de domingo e não entrevarem as pernas”.

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