Ela é considerada oficialmente “patrimônio natural”. Faz parte da memória gustativa até de quem não é nascido na cidade e, ao lado da produção de móveis, que deu origem ao maior polo moveleiro de Minas Gerais e segundo maior do país, com geração de 13 mil postos de trabalho, a manga forma a dupla com a qual Ubá sente orgulho em ser identificada. A esses dois símbolos municipais estão se juntando outros de novas atividades econômicas, a partir da diversificação do setor produtivo que coloca a cidade em condição de vantagem competitiva na comparação com outras de mesmo porte.
Na indústria, o destaque vai para o segmento de confecção, e, na prestação de serviço, Ubá tem motivos para comemorar o fato de se transformar em uma verdadeira importadora de alunos, realidade improvável em 2010 quando o Censo do IBGE apontava o baixo nível educacional no município. Os números dessa importação, inclusive, tendem a aumentar substancialmente nos próximos anos,com o credenciamento, há cerca de um mês, da Faculdade Governador Ozanam Coelho (Fagoc), pelo Ministério da Educação, como centro universitário, o que garante mais autonomia na oferta de serviços. A iniciativa do MEC deu origem à Unifagoc (Centro Universitário Governador Ozanam Coelho).
Formado em economia em Belo Horizonte, onde morou por 16 anos, o consultor financeiro Rodrigo Mazzei decidiu voltar para a terra natal, justamente em função da dinâmica econômica que tem caracterizado o desenvolvimento de Ubá, sobretudo na última década. Estudioso em aglomerações produtivas, ele observa que a espontaneidade empreendedora, que caracterizou a formação do polo moveleiro e que se verifica hoje nos novos segmentos, geralmente nasce da necessidade, seja de formação de mão de obra, seja na geração de emprego e renda.
“A Unifagoc é exemplo do empreendedorismo de uma família que está colocando Ubá em outro patamar na educação.O município está importando alunos e tem se desenvolvido demais a partir da universidade, até mesmo geograficamente, com a criação de uma avenida de serviços no seu entorno. É como se a cidade ganhasse um segundo centro comercial”, explica o economista.
Boa parte dos estudantes de fora que fixaram residência no município são atraídos pelos cursos na área da saúde, a partir da criação da Faculdade de Medicina (Famed), da Unifagoc, que forma sua primeira turma em junho de 2020. Praticamente 90% dos futuros médicos vieram de diferentes municípios brasileiros.Porém, o empreendimento de R$ 12 milhões só foi possível graças à sensibilidade de um grupo de empreendedores locais, formado por médicos e empresários da construção civil, além do investimento próprio da universidade.
“São pessoas entusiasmadas e preocupadas em produzir algo relevante para a cidade”, explica o coordenador administrativo da Famed, Ricardo Furtado de Carvalho. No segundo semestre, os cerca de 360 alunos do curso de medicina, assim como os de enfermagem, odontologia, educação física e psicologia (que forma sua primeira turma) terão à disposição um dos mais modernos e bem equipados centros de simulação realística do país.
“O Real Lab terá equipamentos de ponta que também poderão ser usados para treinamento dos servidores públicos, funcionários de hospitais, tanto privados quanto filantrópicos. A ideia é agregar mais conhecimento à cadeia produtiva de Ubá”, acrescenta um dos mantenedores da Unifagoc, Leonardo Couto.
“Construímos um centro com quase 900 metros quadrados que simula a realidade de um hospital, com cinco salas cirúrgicas e consultórios, onde a rotina da prática clínica é experimentada por meio de metodologias ativas, com0 realização de parto, atendimento ao paciente e inúmeras situações cirúrgicas. É um investimento muito alto, com grande tecnologia embarcada”, observa o mantenedor da instituição que possui parceria com os hospitais São Vicente e Santa Isabel, para o aprendizado dos alunos, assim como com as prefeituras de Ubá e Visconde do Rio Branco.
Cidade ganhará “Galpão da Economia Criativa” e “Mango Valley”
Sintonizada com os novos tempos, a Prefeitura de Ubá acaba de lançar edital de seleção para Incubadora de Empresas e Escritório Compartilhado – Galpão da Economia Criativa. Com apoio do Sebrae, da Associação Juventude pela Vida, e do Fundo Global de Inovação da União Europeia, serão selecionados 15 projetos, mediante apresentação de planos de negócios de pessoas físicas ou jurídicas da cidade. “O espaço terá diversas atividades e projetos ligados ao conceito de base tecnológica, capital humano, soluções criativas para problemas da cidade e do mundo. É algo inédito em Ubá, e temos uma grande responsabilidade, mas principalmente, temos muito orgulho disso”, afirmou o vice-prefeito, secretário de Cultura e de Governo, Vinícius Samôr de Lacerda.
E a inovação alcança também a iniciativa privada. Em setembro, durante a Semana Acadêmica, a Unifagoc lançará o edital que marca oficialmente o início das atividades da “Mango Valley”, uma aceleradora de projetos voltados para a inovação, que tem como objetivo incentivar o empreendedorismo de alunos e ex-alunos da universidade. De acordo com Leonardo Couto, um dos mantenedores da instituição, as propostas aprovadas terão todo o suporte de estrutura, administrativo e contábil, para que possam se desenvolver como negócio.
“A gente acredita que é o empreendedorismo que pode salvar o país. Inicialmente, não vamos focar em qualquer atividade produtiva específica. Vamos dar oportunidade para as pessoas se inscreverem livremente, até para que a gente possa sentir a demanda. A única premissa é a participação de alunos e egressos da Unifagoc no projeto. Estamos ansiosos para ver a reação do mercado à nossa iniciativa. A intenção, inclusive, é que a aceleradora dê espaço, no futuro, a uma incubadora de projetos de inovação”, conta Leonardo, entusiasmado.
De modo mais amplo, o “Mango Valley” integra estratégia da universidade em preparar os alunos com metodologia ativas que oferecem mais espaço para a experimentação. “Temos chamado este processo de InovaFagoc, com discussões sistemáticas em salas de aula de cases reais, a exemplo do que os futuros profissionais irão se deparar no dia a dia, seja na própria empresa, seja em uma clínica, em um escritório ou em uma escola. Com ferramentas pedagógicas mais práticas, queremos fomentar o empreendedorismo em nossos alunos”, completa o mantenedor.
Polo moveleiro enfrenta desafios, mas mantém otimismo
Principal responsável pela expansão econômica de Ubá, o polo moveleiro, que congrega outros nove municípios do entorno, enfrenta desafios não apenas com a recente desaceleração da economia brasileira, mas também com a falta de investimentos governamentais nas estradas de acesso e na implantação de um parque industrial. Como a cidade se desenvolveu a partir das fábricas, boa parte delas ocupa hoje áreas com grande concentração residencial, o que gera constante conflito para a mobilidade urbana. Ainda assim, empreendedores, como Ismael Reis, da Móveis Sier segue confiante na expectativa que o próprio desenvolvimento leve à tomada de decisão cada vez mais assertiva por parte do poder público.
“Desde 2008 estamos fazendo um trabalho voltado para o mercado externo. Com o câmbio favorável e com a qualidade dos investimentos realizados, inclusive em tecnologia, temos exportado muito para os Estados Unidos, parapaíses do Mercosul, além de Panamá, México, Peru e Equador”, observa o empreendedor.
“Estamos desenvolvendo também um projeto paralelo voltado para o mercado interno, com abertura de lojas que nos colocam em contato direto com o consumidor final. Já estamos com nove unidades em cidades, como Juiz de Fora, Vitória, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Em breve, vamos abrir em Volta Redonda”, conta Ismael, à frente da fábrica que emprega 700 trabalhadores diretamente. Outros 150 postos de trabalho são gerados por quatro empresas prestadoras de serviço.
O crescimento da indústria do mobiliário consolida Ubá como polo microrregional que atrai moradores de outras cidades, em um raio de até 70 Km, a partir da centralização na prestação de serviços de saúde, educação, hotelaria e de restaurantes, e da diversificação do comércio. No entanto, as dificuldades de acesso nas estradas que ligam o município a Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Juiz de Fora, e ainda ao aeroporto em Goianá estão inibindo o desenvolvimento, na avaliação do economista Rodrigo Mazzei.
“A nossa própria feira de móveis já esvaziou, perdeu rendimento, pelas dificuldades para se chegar a Ubá. As pessoas estão preferindo as feiras regionais realizadas em grandes centros que têm estrutura, para que cheguem e saiam de avião até no mesmo dia, com agilidade e comodidade. A estrada para Juiz de Fora tem o mesmo traçado de 60 anos. Para BH, é o mesmo de 50 anos”, pondera o economista. Além do acesso externo, o trânsito na cidade também está bastante complexo com carretas circulando em ruas projetadas na década de 1910. “Os acidentes estão cada vez mais frequentes, gerando um grande prejuízo social, além do aumento nos custos de produção.”
A expectativa dos empreendedores de Ubá é que a retomada da economia propicie novos investimentos governamentais em obras de infraestrutura, sem as quais o desenvolvimento integral fica bastante comprometido.