Lucro X vida: há realmente uma escolha?

Por Estefânia Rossignoli

Há dois meses, quando ainda começávamos a enfrentar uma realidade desconhecida e assustadora, usei deste espaço para refletir sobre a postura das empresas frente à pandemia e questionei se o empresariado estava alcançando e/ou vislumbrando sua função social. Lembro-me de ter defendido a ideia de que caso as empresas não atentassem para seu papel diante da triste realidade, que o poder público fizesse as devidas intervenções.

Infelizmente, tudo que se viu de lá para cá, foi uma postura abjeta dos grandes empresários do país e não posso me furtar a continuar a reflexão da minha última coluna.

Todos os alunos que já passaram pelas minhas aulas de Direito Empresarial sabem que o lucro faz parte da definição da atividade empresária, simplesmente pelo fato de estarmos inseridos em um sistema econômico capitalista. Não se mantém uma empresa funcionando sem o lucro e é com ele que se gera emprego, renda, tributos, circulação de riquezas e etc. Porém, qual o limite para a busca da lucratividade?

Tão logo os Estados e Municípios começaram a decretar o fechamento das atividades empresárias, como medida de distanciamento social e contenção do vírus, estamos vendo figuras ligadas ao grande empresariado dando demonstrações que para eles esse limite não existe. Foram diversas declarações minimizando o fato de que pessoas iriam morrer com o vírus e nada havia o que ser feito. Declarações dizendo que somente pessoas com alguma vulnerabilidade de saúde e idosos teriam maior chance de óbito. Tudo isso para defenderem a ideia de que as medidas de quarentena referentes ao fechamento de atividades de indústria e comércio estavam equivocadas.

Mas o pior ainda estava por vir. Esses mesmos empresários começaram a promover demissões em massa, alegando que não poderiam suportar os custos de ter seus negócios sem funcionamento e continuar tendo despesas. Vejam, não estou aqui a defender que as empresas suportem todos os ônus da pandemia e fiquem tendo prejuízos até irem à falência, é claro que isto é inviável. Meu questionamento é que as grandes empresas nem sequer aguardaram o desenrolar da crise e suas consequências. Não aguardaram para saber se haveria medidas governamentais de auxílio às empresas. Simplesmente optaram por preservar seus lucros, pouco se importando com a vida de seus funcionários e da população de uma forma geral.

Importante ressaltar que também não estou me referindo às pequenas e médias empresas que, com o fechamento das atividades, não possuem reservas para se manterem e realmente precisaram reduzir as despesas.

É inegável que as empresas precisam urgente de auxílio e alguns poucos já vieram, como a possibilidade da suspensão dos contratos de trabalho dos funcionários e a recomendação nº 63/2020 do CNJ que orienta os juízes a ter bastante cautela na concessão de liminares que se baseiam em dívidas das empresas, como por exemplo, no despejo por falta de pagamento. Será preciso rever muitas obrigações empresariais e tal fato pode acontecer com base na Teoria da Imprevisão, hoje positivada no art. 317 do Código Civil. O que, na minha visão, não se pode admitir é colocar o lucro acima da vida. Fazê-lo é a demonstração de que a humanidade precisa rever seus conceitos. Espero que aproveitemos tudo que nos tem ocorrido e façamos tal reflexão.

Estefânia Rossignoli

Estefânia Rossignoli

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