As discussões sobre Inteligência Artificial (IA) ainda são recentes e permeadas por muitas dúvidas. “As IAs vão acabar com nossos empregos?”, “Quais são as normas que regem o uso dessa nova tecnologia?” Essas preocupações refletem a necessidade de uma reflexão sobre o impacto da IA em diversas esferas da sociedade.
O professor e pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), especialista na área, Wagner Arbex, explica que, atualmente, o que chamamos de IA se refere a sites e aplicativos que utilizam “chatbots”. Esses “bots” funcionam como robôs de conversa, continuando diálogos a partir do ponto em que o usuário os deixou. Embora a interação possa parecer natural, essa impressão é resultado de um design bem elaborado que cria a ilusão de que estamos conversando com um humano, um fenômeno denominado “Intimidade Artificial”.
Entretanto, é importante esclarecer que as IAs não possuem conhecimento prévio. Elas respondem com base em um processo de “treinamento” que envolve uma vasta base de dados, coletada a partir das interações humanas com diversos recursos computacionais. Quando um usuário faz uma pergunta, o algoritmo da IA busca a resposta mais comum e relevante, com base no que foi “aprendido” durante esse treinamento.
Adoção do recurso traz desafios intrínsecos
O especialista destaca que as IAs oferecem uma série de benefícios significativos, como o aumento da eficiência e a automação de tarefas repetitivas, além da otimização de processos e análise de dados. “Esses efeitos são particularmente visíveis na agricultura e na indústria de manufatura, setores fortes no Brasil, mas também se estendem a diversas outras áreas, abrindo novas oportunidades para o crescimento econômico”. No entanto, a adoção dessas tecnologias não está isenta de desafios.
Um dos principais problemas associados ao uso da IA é a privacidade, uma vez que os dados dos usuários são frequentemente coletados e analisados, levantando preocupações sérias sobre a segurança da informação. Além disso, a transformação do mercado de trabalho é inevitável, com a necessidade de adaptação dos profissionais às novas tecnologias. “Embora as funções em si não desapareçam, o perfil dos trabalhadores precisa evoluir, criando uma divisão entre aqueles que dominam as ferramentas de IA e os que não têm acesso a esse conhecimento. Isso pode exacerbar desigualdades culturais e educacionais, destacando a urgência de uma regulamentação eficaz”, aponta o professor.
Considerando um cenário em que a inovação traz à tona dilemas éticos, surge a questão de como garantir um uso justo, responsável e seguro das tecnologias. “Em vez de desacreditar as IAs, é fundamental buscar um ambiente que assegure os direitos e a dignidade da sociedade. Existe a necessidade de criação de diretrizes que protejam tanto os indivíduos quanto a coletividade no contexto da crescente presença da IA em nossas vidas”, finaliza o tópico.
Tecnologia, trabalho e direitos autorais exigem reflexão crítica
Wagner debate também o impacto específico da IA no mercado de trabalho. “Por um lado, ela pode “salvar” trabalhadores de atividades nocivas e perigosas, mas, por outro, há o temor de que essas tecnologias resultem em um desemprego em massa”. Segundo o especialista, a realidade é mais complexa: uma substituição em massa não é esperada, mas os trabalhadores precisam estar cientes de que o ambiente de trabalho está mudando com a introdução das novas tecnologias. Isso exige uma adaptação e capacitação, especialmente em setores mais vulneráveis, que realizam tarefas operacionais repetitivas e mecanizadas.
Além disso, a questão dos direitos autorais se torna ainda mais complexa à medida que a IA avança. Por exemplo, se um músico cria uma trilha sonora utilizando IA, a propriedade da música gera confusões sobre se ela pertence ao artista ou à empresa que desenvolveu a tecnologia. Atualmente, as leis de direitos autorais no Brasil e em muitos lugares do mundo ainda se concentram em criações humanas, não contemplando adequadamente as produções geradas por IA. Contudo, as discussões sobre responsabilização em relação a essas criações estão progredindo, apontando para a necessidade de uma regulamentação que aborda as nuances desse novo cenário.
IA como ferramenta social
Thiago Britto, fotógrafo há 17 anos e pesquisador de IA, encontrou uma nova forma de expressão ao integrar a tecnologia ao seu trabalho artístico. Há quase dois anos, ele teve seu primeiro contato com ferramentas que geram imagens a partir de descrições. O que começou como uma simples curiosidade logo se transformou em pesquisa, permitindo que ele ressignifique a presença das máquinas no universo da fotografia.
Em entrevista à Tribuna, o artista compartilha que as possibilidades oferecidas pela IA têm sido fundamentais em dois aspectos do seu processo criativo. Primeiro, ele destaca a importância da escrita e da descrição precisa de suas ideias. Para alcançar resultados satisfatórios com a tecnologia, é essencial comunicar de forma clara como imagina suas produções. “Eu não tinha o hábito de colocar em palavras meu processo criativo, mas com uma máquina com essa potência de criar imagens, eu comecei com esse exercício”, explica.
Em segundo lugar, Thiago destaca que a IA desempenha um papel social na preservação da memória coletiva. Ele observa que, desde pequenos, no Brasil, somos ensinados a história sob a perspectiva dos colonizadores, enquanto as vozes dos povos originários e dos africanos trazidos ao território são raramente ouvidas. Através de estudos e das descrições que são oferecidas às IAs, Thiago trabalha com a possibilidade de reimaginar esses cenários e, em conjunto com a fotografia, trazer à luz representações que nunca foram apresentadas nos livros de história. Isso é especialmente significativo nas salas de aula, por exemplo, onde crianças negras terão a chance de enxergar suas histórias sob uma nova ótica, utilizando a IA como uma ferramenta para construir memória.
O fotógrafo também ressalta que, embora reconheça os riscos relacionados aos dados recolhidos pelas IAs e a falta de regulamentação, vê muitas vantagens na ferramenta para diversos campos de trabalho. Nas artes, a IA pode traçar um caminho entre o imaginário e a obra final, oferecendo referências que permitem ao artista experimentar antes de executar seu trabalho. “Posso estar errado, mas não imagino as inteligências dominando o mundo como nos filmes de Hollywood. Acredito que elas irão transformar a dinâmica do trabalho. Por isso, é essencial usar as IAs de maneira ética e entender seus propósitos”, afirma.
Por fim, Thiago reflete que a IA não alterou sua perspectiva sobre criatividade e autoria, ele a vê como um recurso que ajuda a desenvolver o que já existe em nossa mente. “Assim como uma câmera imita o movimento de abrir e fechar dos olhos, a IA captura e reflete nossas ideias e imaginações”, finaliza.
*Estagiária sob a supervisão da editora Júlia Pessôa