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O avô, a avó, o neto: de moto até o Fim do Mundo

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Lisya, Ivan e Breno nas motocas que encararam 16 mil quilômetros de chão (Foto: Fernando Priamo)
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O sonho de muitos jovens em época de férias de verão é a praia. A Região dos Lagos. O Nordeste. Miami. O de Breno Procopio era o “Fim do Mundo”. Ele tinha ali pelos seus 14 anos quando ouviu uma promessa do avô, Ivan: tão logo tirasse sua carteira de motociclista, eles fariam juntos, na companhia da vovó Lisya, uma viagem até Ushuaia, a última cidade da América, margeando o continente antártico. Assim que completou 18 anos, já tarimbado de rodar em magrelas dentro da propriedade rural da família, Breno conquistou sua habilitação. No dia 13 de novembro do ano passado, partiu com o avô, de 67, e a avó, de 66, a bordo de duas motocicletas para uma viagem de 40 dias e 16.000km, ida e volta até a Terra do Fogo, na Argentina. Breno completou 19 anos na estrada. Chegaram de volta a Juiz de Fora no dia 23 de dezembro, trazendo dentro de si presentes que jamais esquecerão.

Breno sempre ouviu as histórias dos avós, suas aventuras sobre duas rodas por todo o mundo. De Juiz de Fora ao Alaska, no extremo Norte da América, em 1994, uma viagem só de ida de 26.500km e 85 dias. “Foi a bordo de uma BMW Paris-Dakar 1.000cc”, lembra Ivan. Um tour de 65 dias e 23.500km pela Europa em 1998. Os 17.000km até Machu Pichu, no Peru, em 1990. A rota do Nordeste, de Juiz de Fora a Belém e retornando pelo litoral. “Ali eu descobri que calor não combina com moto”, brinca Lisya Schuery Procopio, com o ar jovial de quem muito o vento soprou as faces. Tudo documentado em mapas pendurados na sala de casa. Há exatos 30 anos, Lisya e Ivan Procopio, na companhia de mais dois casais, haviam conhecido Ushuaia. E voltaram agora com o neto para fazer praticamente o mesmo roteiro, mudando apenas um trecho no Chile, descendo a Carretera Austral. “O planeta cresceu cem vezes nesse período de 30 anos”, observa Ivan. “Bariloche era uma vila. Agora é um mundo.”

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“De moto sentimos o frio, o calor, o perfume de cada lugar. E descobrimos que a máquina mais perfeita que existe é o corpo humano”

Lysia Schuery Procopio

Foi um ano de preparação até a partida em novembro último. Comprar roupas apropriadas, preparar as motocicletas, uma BMW GS 1200 para Ivan e Lisya, e uma BMW GS 650 para Breno. Pouquíssima bagagem e muita disposição para apreciar as paisagens que mudam enquanto o mundo vai chegando ao seu final. De percalços dignos de nota, apenas um: um tombo de Ivan. O GPS mandou o trio por um atalho repleto de barro, chuva e frio. “Estava a 20km/h, não sofri nenhuma lesão. Esta é uma das regras para diminuir os riscos na viagem: vá devagar para chegar depressa. Nem nos melhores trechos jamais passamos de 110km/h.” Para a família Procopio, o grande prazer está em “andar de moto, comer bem e ver a natureza”. É para isso que viajam. Para comungar com a natureza. “De moto sentimos o frio, o calor, o perfume de cada lugar. E descobrimos que a máquina mais perfeita que existe é o corpo humano”, filosofa Lisya.

Evolução das máquinas

“Há 30 anos a placa era outra. A gente continua firme, mas a placa não aguentou”, disse Ivan à reportagem (Foto: arquivo pessoal)

Quando viajaram há 30 anos, Lisya e Ivan não viram tantos motociclistas quanto agora. “Tudo evoluiu demais. Usávamos seis, sete roupas para aguentar o frio, agora precisamos de apenas duas. As motos também, muito mais confortáveis e confiáveis. E muito mais gente viajando”, observa a avó, que também pilota, mas não nessa viagem. “Essas aí são muito altas para mim”, admite. Os mapas e bússolas foram substituídos por aplicativos de celular. E as motocicletas, por máquinas bem mais preparadas. Em 1988, o trio de casais viajou em duas Honda XL 350 e uma Honda CBX 750. “A CBX deu um probleminha no filtro de ar que tivemos de trocar, e as XL foram e voltaram batendo motor. Mas foram e voltaram”, sublinha um triunfante Ivan, olhos brilhantes e sorriso permanente ao relatar suas aventuras. As BMW usadas nesta última expedição, a GS 1200 ano 2014, e a GS 650 ano 2011, foram e voltaram sem um problema sequer.

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Embora o planejamento tenha sido traçado ao longo de um ano com muito cuidado, boa parte do passeio foi feito de forma intuitiva também. O local de cada parada era decidido na noite anterior. Podiam andar 200km em um dia, podiam andar 400km no outro. Hospedavam-se em hotéis, apart hotéis e “cabanas” típicas do Sul do continente, no Chile e na Argentina, sempre dando preferência às menores cidades. “Nas cidades pequenas as pessoas conversam”, diz Ivan, que cumpria sempre o mesmo ritual: deixava a mulher e o neto em um local tranquilo e partia para uma volta pelo lugar escolhidos, para decidir onde se hospedar e onde comer. “Qualquer um pode fazer uma viagem longa, de CG ou de Honda Biz, só é preciso se preparar bem”, aconselha o veterano motociclista.

Atração brasileira

Por onde passavam, Lisya, Ivan e Breno eram atração. “A pessoa que tinha idade mais próxima da minha que cruzamos na estrada tinha 64 anos”, lembra Ivan. “E olha que tinha muita gente viajando!” Os companheiros de estrada, segundo eles, ficavam impressionados de vê-los viajando com o neto. “Vinham conversar conosco, pediam para tirar foto”, conta Lisya. “Um grupo de chineses, que é um povo que tem muito respeito pelos mais velhos, ficou maravilhado com o que fizemos. E foi maravilhoso mesmo. Aproveitamos muito o Breno ao longo desses 40 dias. Acho que ele amadureceu bastante. E acho que a experiência do Ivan ajudou muito nisso.” Ajudou, Breno? “Eu era muito ansioso. Nessa viagem eu aprendi que tudo uma hora vai se resolver. Não importa o problema que seja, uma hora se resolve.” E o avô, o que trouxe de volta da expedição? “Mais amizade. Mais amor.”

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Com a queda de uma barreira na Ruta 7, os Procopio e outros 40 motociclistas atravessaram de balsa de Puerto Montt a Caleta Gonzalo

1.100.000 km

Amor. Há 50 anos, 44 deles casados, Lisya e Ivan compartilham amor um pelo outro e pelas motocicletas. Um amor que vem de berço. “Meu avô, Joaquim Cardoso, corria de moto. Meu pai andava de lambreta”, diz Ivan, mostrando a Walba 1948 conservadíssima entre as outras relíquias de duas rodas da família. “Meu pai viajava muito de motocicleta com a minha mãe e, depois que ele faleceu, deixando-a viúva aos 36 anos, ela passou a viajar com a gente. Foi até Quito, no Equador, comigo na expedição ao Alaska, e de lá retornou para casa. Hoje ela tem 87 anos e ainda passeia na minha garupa.” Ivan tem 90% dos manuais das motocas que já possuiu guardados, relatando a quilometragem que andou em cada uma delas. Ele projeta que tenha rodado 1 milhão e 100 mil quilômetros sobre duas rodas até hoje. Mas já perdeu amigos e parentes em acidentes, e não se ilude com a sorte que tem tido. “Não aconselho ninguém a ter moto. Perigoso demais.”

Joaquim Cardoso (3º da esq para dir), avô de Ivan Procopio, já corria de moto na década de 1920 (Fotorreprodução: Fernando Priamo)

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