O que tem de comum em um acidente de trânsito na rodovia Imigrantes (SP), onde um Mercedes que disputava um “racha” com um Camaro bateu num EcoSport, e outro na Praia de Copacabana (RJ), onde um HB20 avançou no calçadão? Apenas o infortúnio de que ambos mataram e feriram crianças e adultos?
Não. Além das trágicas consequências, os três motoristas envolvidos tiveram suas carteiras de habilitação cassadas: desde 2016 os do Mercedes e EcoSport; e o do HB20 desde 2014.
No EcoSport estavam dois casais e quatro crianças. As duas mães faleceram no acidente e os outros seis se feriram gravemente. Motorista e dois passageiros do Mercedes destruído que, segundo testemunhas, estava a cerca de 200 km/h, escaparam ilesos. O HB20 matou um bebê de oito meses e feriu 16 pessoas.
O acidente na estrada paulista levanta várias questões. A começar pelo EcoSport com oito pessoas, apesar de sua capacidade para apenas cinco. Além disso, as crianças deveriam estar em cadeirinhas, mas estavam no colo das mães. Que, pelas evidências, não tinham os cintos afivelados.
O motorista do EcoSport pode não ter provocado o acidente, mas cometeu várias infrações: dirigia sem habilitação, levava mais passageiros que o permitido, não acomodou as crianças em cadeirinhas e nem exigiu que os ocupantes do banco traseiro afivelassem os cintos.
Outra observação: apesar da força do impacto, que destruiu os dois carros, dá para perceber a diferença estrutural e de proteção aos ocupantes entre eles, pois motorista e passageiros do Mercedes saíram ilesos. Não há dúvidas de que automóveis mais caros e sofisticados oferecem um nível maior de proteção, mas já existem diversos compactos nacionais com boa resposta quando submetidos aos testes de impacto.
Apesar de todas estas evidências, o brasileiro continua a não dar a menor pelota para os quesitos de segurança dos automóveis. Dentro do “raciocínio” de que “acidente só acontece com os outros”, parece ser irrelevante para quem compra um carro, como o modelo se comportou durante os crash tests (danos aos ocupantes em simulação de acidentes). Ao contrário, dois compactos que tomaram bomba nas simulações de impactos laterais (Chevrolet Onix e Ford Ka) tiveram suas vendas aumentadas nas semanas seguintes à divulgação dos resultados. Dá para acreditar?
Passageiros de ônibus também não se preocupam em afivelar os cintos, e centenas de mortes desnecessárias já foram registradas em virtude desse desleixo com a própria vida. Em um desses acidentes, há pouco mais de um ano, na estrada Mogi-Bertioga, um ônibus saiu do asfalto e capotou, provocando a morte de 18 universitários. Um dos sobreviventes da tragédia contou que só afivelou o cinto ao perceber que o motorista estava com dificuldade de controlar o veículo em curvas antes do local da tragédia. Aliás, nos ônibus, mesmo quem se lembra do cinto, costuma ter dificuldade em se proteger pois, quando existe, costuma estar emperrado ou imundo.
Quem conhece cidades nordestinas distantes das capitais já se deparou com um típico serviço de transporte urbano da região: picapes com bancos de madeira mal e toscamente adaptados na caçamba para transportar passageiros. Apesar de rigorosamente ilegais, aprovadas pelas prefeituras!
O que têm de comum a maioria dos acidentes de trânsito no Brasil?
O completo descaso não somente das autoridades, mas também dos motoristas pela segurança veicular. Não adianta cassar a habilitação nem exigir cintos e outros equipamentos de segurança se a polícia não estiver nas ruas e estradas para fiscalizar os veículos. Não adianta o rigor da lei se o motorista não recebe, desde criança, educação para que se comporte com um mínimo de civilidade. Não adianta estabelecer regras e padrões de segurança enquanto se eleger políticos que conquistam votos às custas de pares de sapatos ou pratos de comida.