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Morando em uma Kombi, família parte em jornada sem data para voltar

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Elis, Valmiro, Érika (com Princesa) e Mallu (com Mimika) na “varanda” da NaMorada (Fotos: Leonardo Costa)
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Há menos de um mês, nessa mesma Tribuna de Minas, contamos a história do casal Guassalin Nagem e Vera Silveira, que tem rodado por aí em um enorme motorhome, curtindo a aposentadoria, a vida na estrada e a estrada da vida. Ao conhecer um relato desses, muita gente fica bem a fim de cair no trecho também. Mas aí vem aquele pensamento racional: “pô, tenho que juntar uma grana alta pra montar um motorhome”, “ah, quando aposentar eu vejo isso”… mas se a vontade de conhecer o mundo for grande mesmo, não é isso que vai impedir o transeunte leitor de queimar chão por esse mundão velho sem porteira. É o que tem feito o casal Érika Prado e Valmiro Nunes, com as filhas Mallu, de 9 anos, e Elis, de 6, e as gatas Princesa e Mimika, a bordo de uma poderosa Volkswagen Kombi ano 1999, carinhosamente batizada de NaMorada.

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O nome faz sentido: desde que se conheceram em Campinas (SP), Érika e Valmiro tratam-se por “namorada” e “namorado”. Há cerca de dois anos, Érika, turismóloga de formação, veio com a ideia de fazer o que chama de “turismo de valor”, uma vertente do “slow travel” (algo como “viagem sem pressa”), no qual a ideia é tirar o máximo de vivência e experiência de cada local visitado. Em Juiz de Fora eles chegaram no último dia 7, vindos de Santos Dumont. Ficaram hospedados em residências de recém-conhecidos, depois no estacionamento da Cervejaria Golem, e agora seguem a viagem rumo a Petrópolis. Se não forem a Ibitipoca antes. A expedição já dura sete meses, e a ideia é que a primeira etapa dure dois anos e meio. “Essa é a parte Brasil 360 graus. Depois, seguiremos para o Sul do continente, subiremos até a América do Norte e, de lá, para a Europa”, adianta Érika, sem estipular prazos. “Falamos em dois anos e meio nessa parte nacional, mas pode ser que isso mude. São sete meses e ainda não saímos do Sudeste!”

Pais dormem na barraca em cima da Kombi, crianças dormem no interior do carro

O que Érika e Valmiro defendem é um modo de vida simples e em movimento. Para manterem-se financeiramente, ela oferece cursos on-line de marketing digital, e ele, de assistência técnica de áudio profissional. Também fazem palestras e conferências nas cidades por onde passam. Além disso, contam também com um crowdfunding para ajudar a bancar a viagem dentro da plataforma Apoia-se. Ambos tinham empresas físicas e, desde 2008, foram migrando para a internet, o que lhes confere mobilidade. Para levar as crianças, o casal optou por serem eles mesmos professores, lançando mão de técnicas de homeschooling, o ensino domiciliar. No caso deles, motorhomeschooling? Érika corrige: “chamamos de world schooling”, porque as crianças não aprendem “em casa”, mas “no mundo”. E eles não estão sós nessa: a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned) estima que há cerca de 5 mil famílias adeptas da prática no Brasil hoje.

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Uma ‘kasa klássica’

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Chuveiro quente acoplado na traseira pode ser coberto por uma cortina

Quando decidiram fazer essa longa jornada, convictos de viver com o mínimo necessário, a primeira coisa foi procurar um veículo que aguentasse o tranco. E a parceira escolhida foi uma Kombi 1999, com motor 1.600 refrigerado a ar. A danada estava com quase 100 mil quilômetros rodados, mas Valmiro garante que não fez alteração alguma de ordem mecânica. “Só dou um conselho: todo mundo tem que ter uma Kombi um dia”, empolga-se. Ele mesmo nunca havia dirigido uma, e tampouco entende de mecânica. “Estou aprendendo na estrada, quando ocorre algum problema.” Até agora, apenas duas panes em sete meses de viagem, rapidamente consertadas. A perua é um veículo que incorpora o espírito que Érika e Valmiro querem transmitir. “É simples, simpática e abre portas”, afirma a turismóloga.

Estepe saiu da traseira e veio para a frente da NaMorada

Se não teve que fazer alterações mecânicas, de resto tudo foi transformado, com o trabalho da família inteira e a ajuda de um marceneiro. O banco inteiriço da frente foi trocado por dois assentos de Ômega, de forma a abrir espaço no meio para “acessar” mais facilmente as meninas na traseira da Kombi, e também para ganhar conforto e ergonomia. O banco de trás foi retirado para dar lugar a uma rock and roll bed, espécie de sofá-cama onde Mallu e Elis dormem. Há espaço para pia, filtro, fogão – que pode ser removido para cozinhar ao ar livre -, baú de roupas de Érika e Valmiro, com espelho, guarda-roupas das meninas, banheiro químico, gavetas para talheres, produtos de higiene pessoal, pratos, cumbuquinhas e canecas, biblioteca, além de compartimentos para guardar roupa de cama, panelas, temperos… E ainda assim, obedecendo aos parâmetros de segurança do Detran. Quando a polícia ou os bombeiros param, é para tirar foto com a família viajante.

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Mimika, muito gata

‘O duplex mais barato do Brasil’

Vista de fora, a Kombi não é nada discreta. Amarela, com o pneu colocado na frente – para ganhar espaço na traseira, onde fica o chuveiro elétrico que oferece água quente em qualquer parada – e um grande porta-treco em cima, a NaMorada desperta atenção. “As pessoas buzinam, eu penso que fiz algo de errado, e aí elas gritam ‘nós seguimos vocês no YouTube‘”, diverte-se Valmiro. Foi feito um tratamento termoacústico para tornar o interior da NaMorada mais confortável. Acima do habitáculo do motorista, no teto, vai um painel solar com células fotovoltaicas que geram energia para a “kasa” da família. Abaixo, dois reservatórios de água de 44 litros cada, com uma bomba que alimenta o sistema hidráulico. E em cima de tudo, uma barraca de 1,50×2,20m, que transformam a NaMorada no “duplex mais barato do Brasil”, nas palavras de Érika. O casal dorme em cima da Kombi, e as crianças (e as gatas), no interior do veículo. Um toldo colocado na lateral da perua faz qualquer terreno virar varanda.

Em sua jornada sem data para acabar, Érika, Valmiro, Mallu, Elis, Princesa e Mimika têm contado com o espírito de cooperação de muitas pessoas, gente que compartilha suas casas ou seus quintais. Gente que dá uma força quando a junta homocinética da Kombi vai para as cucuias. Gente que não julga. Enquanto conversávamos, um casal que os hospedou em Juiz de Fora por cinco dias veio se despedir. A senhora, às lágrimas, demorou-se em um longo abraço em Érika. Cinco dias de convivência e parecia amiga de longa data. Ela também pretende sair pelo mundo um dia. “Mas de moto”, adverte o companheiro de futura aventura. A família da Kombi, pelo que consta, não está apenas vivendo seu sonho, mas também inspirando outros.

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