Se você fosse um alto executivo da japonesa NGK, tradicionalíssima fábrica de velas para motores, maior do mundo, que decisão tomaria diante de uma verdadeira encruzilhada: mais dia, menos dia, os motores a combustão estarão condenados e sua gigantesca empresa não terá mais para quem fornecer seu principal produto. Aliás, os elétricos vão decretar a morte de dezenas de componentes além de velas: válvulas, pistões, anéis, bielas, virabrequins, bombas e dezenas de outros. O motor elétrico tem apenas três peças móveis: o eixo acoplado a um rotor e dois rolamentos. Pior (para os fabricantes, melhor para você) ainda: como seu torque é constante, a caixa de marchas também já era…
Fornecedores de outros componentes ainda podem dormir em paz, pois o carro elétrico não vai dispensar vidros, rodas, suspensão, freio, direção, iluminação, air bags…
Esta grande virada do setor automobilístico vai demorar, mas seu crescimento será acelerado: a venda de híbridos e elétricos, que não chega a 2% do total de vendas atualmente, representará 25% de participação do mercado global até 2030, segundo especialistas.
E como a NGK pretende se safar desta morte decretada? Diante da certeza de que o automóvel do futuro será elétrico, os engenheiros da marca japonesa estão desenvolvendo uma bateria que não usa os íons de lítio dos atuais veículos que rodam eletricamente. Aliás, a mesma adotada em celulares, tablets e outros aparelhos eletrônicos.
Chamadas baterias de estado sólido, a NGK se associou à Toyota para pesquisar eletrólitos baseados em sulfetos, que possuem condutividade superior aos íons de lítio mas que podem liberar, expostos à umidade, os tóxicos sulfetos de hidrogênio. Outra possibilidade é uma tecnologia baseada em óxidos e cerâmica estável a temperaturas extremas. Dispensável lembrar que a NGK domina como ninguém a tecnologia da cerâmica, pois é o principal composto das velas de ignição.
Seja qual for a tecnologia aplicada às baterias do futuro, elas são pesadas e exigem que os automóveis sejam cada vez mais leves. Aí está a outra grande virada do setor: no peso dos veículos. Tanto as chapas da carroceria como a sua estrutura deverão ser repensadas para reduzir substancialmente o peso e permitir que os automóveis tenham razoável autonomia sem exigir uma grande quantidade de baterias. Aliás, quanto mais leve, mais eficiente um automóvel: reduz consumo, ganha desempenho e tem freios e suspensão mais eficientes.
O aço do automóvel foi reduzido nos últimos anos, substituído por materiais mais leves e de resistência igual ou superior: alumínio, plástico e fibra de carbono. As próprias siderúrgicas trataram de se garantir, desenvolvendo aços especiais de menor espessura, mais leves e competindo em peso com o alumínio.
É por isso que outro grande setor da indústria se vê igualmente na encruzilhada com a virada para o carro elétrico: o siderúrgico. Kosei Shindo, presidente da Nippon Steel (maior japonesa produtora de aço e sócia da Usiminas), comentou recentemente que se os automóveis com motor a combustão exigem redução do peso, os elétricos vão duplicar ou triplicar esta exigência. E, no seu caso, a sinuca de bico é decidir se continua somente investindo no aço ou se deveria também se associar a empresas que fornecem materiais que competem com seu produto.
Além das aflições deste poderosos executivos que, se não tomarem hoje a decisão correta, poderão ver ruir suas companhias a médio prazo, o automóvel do futuro vai balançar dezenas de outras empresas do setor. Pois, além da propulsão elétrica, é óbvio que não demora a chegar o veículo autônomo. E aí: restaurante vai continuar oferecendo serviço de valet? Estacionamento? Família vai precisar de três ou quatro carros na garagem? Empresas de transporte terão motoristas para caminhões e ônibus? Esquinas deverão contar com sinais de trânsito? Carro deverá ser protegido por companhia seguradora?