Todo segundo sábado do mês, cerca de 25 pessoas, entre 8 e 80 anos, saem cedo de suas casas com mudas, roupas velhas e vontade de fazer a diferença. Durante cerca de seis horas, se reúnem e se dedicam a plantar árvores na Reserva Santuário da Associação dos Amigos (Aban). O projeto voluntariado ambiental nasceu em 2023 com a missão de preservar a Mata Atlântica e promover uma relação mais sustentável entre o ser humano e a natureza. Com 95 hectares, a reserva ambiental fica localizada no município de Chácara, a cerca de 28 quilômetros de Juiz de Fora, e hoje conta com 70% da área total preservada, muito por conta do trabalho desses indivíduos, interessados em preservar o bioma da região. O objetivo do grupo de voluntários é que esse número aumente para 90% e o local se torne um espaço de recepção de animais silvestres resgatados na região. Até o momento, já foram mais de cinco mil árvores plantadas – mas a previsão é cultivar 500 mil mudas com o objetivo de ampliar esses efeitos para muito além do território da reserva.
No início de dezembro, a equipe da Tribuna visitou a reserva e acompanhou um dia da rotina dos voluntários, enquanto a área onde se encontra uma das nascentes do Santuário era reflorestada. O fundador da Aban, Renato Lopes, guiou essa visita e nos mostrou trilhas do território, enquanto falava sobre o potencial do projeto, que teve início há quatro anos. Desde 2001, a Aban realiza em Juiz de Fora trabalhos de cuidados com animais e eventos de adoção de pets, além de ações de reciclagem e outras atividades voltadas para o meio urbano. Mas a vontade de Renato e sua equipe era fazer mais pelo meio ambiente.
Por muitos anos, ele trabalhou na proteção de povos indígenas, percorrendo nove países do bioma amazônico e desenvolvendo mapeamento das vulnerabilidades enfrentadas por esses grupos na intenção de orientar projetos de proteção. “Essa experiência com a Amazônia mexeu muito comigo. Aquilo que eu pensava que era proteção ambiental era uma pequena parte com pouco impacto. Foi aí que eu comecei a perceber que eu poderia e deveria ter uma postura mais ousada.” Foi assim que Renato decidiu reflorestar essa área em Chácara e a tornar um abrigo de espécies nativas e raras, como palmito-juçara e samambaia-açu. Ao conhecer a nutricionista Clorisana Abreu, ela propôs que o grupo “Trilheiros do amor” se juntasse a esse objetivo, para colaborar com as plantações, um trabalho que ela já realizava anteriormente em outros lugares da Zona da Mata – e que uniu o propósito dos dois.
Eles também realizam trabalhos em parceria com o Sicoob e o Colégio Cave, e fazem na área compensação de carbono dessas empresas, com valor que ajuda na manutenção da reserva.
Plantação de árvores e espiritualidade
Atualmente, a Reserva Santuário oferece duas atividades gratuitas e abertas ao público: o voluntariado ambiental no segundo sábado do mês, com atividades de reflorestamento, e a experiência de ecoteologia no quarto domingo do mês, com atividades de espiritualidade na natureza, como banho de floresta e meditação. Em todo caso, os responsáveis reservam momentos para essa espiritualidade, que são guiados por Renato, no que ele chama de ecologia com filosofia franciscana. Todas as trilhas, por exemplo, são guiadas por frases como “Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo”, de Laudato Si, e mesmo o voluntariado conta com um espaço para promover essa espiritualidade antes das atividades começarem. No entanto, todos eles destacam que são ações de conexão que respeitam todas as religiões, e que há credos diferentes entre os membros. As pessoas interessadas em participar podem entrar em contato diretamente com eles, através das redes sociais e site.
Para todos os públicos
Durante a rotina desses sábados, Clorisana orienta quais plantas devem ser plantadas e em quais locais, de acordo com as necessidades de nativas, frutíferas e ornamentais. Desde que chegou, já foram mais de mil mudas plantadas no projeto, parte replicada pelos membros do grupo, algumas compradas na feira e outras são pegas no IEF. “A gente faz o monitoramento, cataloga tudo e promovemos outras atividades. Hoje, por exemplo, eu fico por conta de ir pra cozinha e fazer o almoço pra todo mundo”, explica. A fazenda é vegetariana, e todas as refeições são servidas seguindo esse estilo de vida. “Não faz sentido querer reflorestar e, ao mesmo tempo, matar os bichos”, diz. Francisco Abreu, de 14 anos, é filho dela e também foi ensinado desde cedo sobre a importância da preservação ambiental. As ações que fazem na reserva são uma extensão da vida que levam dentro de casa: “A natureza é uma mãe. A gente tem que abraçar ela e aprender junto com ela”.
Além de contribuir com o momento de plantação, como qualquer outro voluntário, Francisco também chama outros jovens para participar, como os dois amigos que o acompanharam no dia, Richard e Miguel. “O projeto abraça todo tipo de gente, e eu gosto muito dessa mistura, porque a gente consegue conviver e aprender muito mais com as pessoas. (…) Acho importante que tenham jovens porque estamos conscientizando as pessoas. Quanto mais novas, vão sofrer com essas consequências. Eu quero ensinar e aprender muito mais”, conta.
Outro voluntário é Wilson de Almeida, de 81 anos, que nasceu na região de Chácara e conhece cada canto do local, tendo inclusive uma trilha com seu nome. Mesmo depois da propriedade mudar de dono, ele continua dando apoio na reserva. “Eu sempre pensei nessa questão da sustentabilidade, mas a gente não tinha essa oportunidade de preservar. Na época que fui criado, a gente não tinha essa noção”, diz. Para ele, é um prazer ver o local em que nasceu e foi criado sendo cuidado dessa nova maneira.
Semente e nascente
Para Renato, o Santuário tem como maior potencial as “sementes e as nascentes”, cada uma seguindo uma lógica bastante diferente. O caso das nascentes, por exemplo, foi algo buscado por ele no momento de compra do imóvel, por entender também o potencial curativo que essas águas podem desempenhar. Mas, para isso, era preciso que as nascentes estivessem bem cuidadas – o que não era o caso de pelo menos quatro entre as dez do território, que estavam bem degradadas. Para recuperar esse potencial, é preciso plantar mata ao redor e proteger com cercas, em um processo que vai alterando não só a água.
Já sobre as sementes, Renato entende que isso pode ser interpretado de duas formas: tanto a partir do sentido mais literal, com a plantação das árvores e o reflorestamento da área, mas também como um impulso para a adoção de mais medidas no dia a dia de quem participa das vivências do Santuário. Para ele, o espaço serve para provocar reflexões sobre consumo, alimentação e necessidade de mudança na relação com o meio ambiente, fazendo com que cada um leve um pouco da sua experiência para a transformação em suas próprias realidades. “O futuro do Santuário é estar numa teia de mini santuários. Queremos sensibilizar outras pessoas a proteger a Mata Atlântica, dentro dos seus limites, e serem mais comprometidas com a natureza. É muito legal se você recicla seu lixo e fecha a torneira quando escova o dente. Mas isso não é mais o suficiente “, diz.