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Na contramão da lógica industrial, iniciativas em JF promovem a moda sustentável

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Nas últimas décadas, as fast fashions têm tomado conta do mundo da moda. Com preços extremamente baixos, eles trazem novos lançamentos a cada semana. As peças, no entanto, não são feitas para durar – pelo contrário. O problema gerado pela indústria da moda que produz roupas nestes moldes é evidenciado pelo relatório da Ella Macarthur Foundation, que indica que são gastos 93 bilhões de metros cúbicos de água anualmente para atender a essa dinâmica. A quantidade equivale a quase quarenta piscinas olímpicas cheias. Além disso, de acordo com o Remake, grupo de defesa global que luta por salários justos e justiça climática na indústria de vestuário, apenas 20% dos resíduos têxteis são reutilizados ou reciclados globalmente, enquanto 80% são aterrados ou incinerados.

Terminando em aterros, os resíduos das fast fashions geram um impacto significativo no meio ambiente por meio das emissões de carbono, sendo responsáveis por 10% das emissões anuais de dióxido de carbono (CO2), de acordo com o grupo ambientalista Stand.earth. Uma produção nessa escala se baseia, não por acaso, em uma mão-de-obra abusiva. A marca de moda chinesa Shein é um exemplo. No documentário “Untold: inside the Shein machine”, foram verificadas as condições de trabalho dos seus funcionários, que tiravam apenas um dia de folga por mês e fabricavam produtos por menos de R$ 0,20 (0,27 yuan) enquanto trabalham até 18 horas por dia. Apesar destes dados e informações alarmantes, o mundo da moda não é só isso. Há iniciativas, inclusive em Juiz de Fora, que buscam contribuir para que o setor fuja dessa lógica.

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A atemporalidade da Loja Baum

Fernanda começou com loja on-line e foi se aperfeiçoando para trabalhar com sustentabilidade (Foto: Arquivo pessoal)

Antes de ser Baum, a loja de roupas on-line de Fernanda Baumgratz, jovem de 23 anos, se chamava Ateliê 4. A ideia surgiu quando ela engravidou e, para conseguir dinheiro para se manter, investiu em um curso de corte-costura para criar as próprias peças. Todas as peças eram feitas por ela, de acordo com a demanda que recebia das clientes – na época, a maioria eram suas amigas ou jovens da idade dela. Desde o início, ela conta, a ideia foi fazer algo artesanal. Com o tempo, ela foi pensando cada vez mais em sustentabilidade.

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Foi por isso que Fernanda passou a buscar algo que era importante para ela: a atemporalidade das peças. “Eu sempre pensei que a moda nunca seria o que os outros vêem como moda. Eu não acho que de semana em semana tem que ter uma peça nova, uma trendzinha, essas coisas”, explica. Ao contrário, ela busca produzir peças que não são descartáveis.

Enxerga, no entanto, que a concorrência com marcas muito grandes é desleal: “É complicado a gente disputar por conta do valor. Em uma empresa grande, não tem como saber de onde vem a peça, como é feita, como chega, se estão pagando os trabalhadores em dia, mas a peça é 40 reais. Eu super entendo as pessoas que compram nessas lojas por não terem condições de acesso, por exemplo. Mas acredito que a gente tem que colocar valor na nossa peça, porque é muito gasto, ainda mais quando é uma marca pequena”. Fernanda acredita que o processo que ela desenvolve atrai pessoas por se tratar de algo “mais real”. “Eu também tento mostrar o que tem por trás das peças, que tem verdade, que tem pessoas, uma filha. E acho que tem público pra isso, tem muita gente que preza um lugar limpo, transparente, honesto e humano.”

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UP CO aposta no upcycling

Com a UP CO, Aline Azevedo transforma peças que seriam descartadas, sem eliminar a essência do produto (Foto: Arquivo pessoal)

Dona de um brechó há 13 anos, Aline Azevedo percebia um acúmulo enorme de roupas nos bazares. Muitas vezes essas peças, que eram de marca, tinham estampas bonitas e estavam em bom estado, mas se estragavam pela falta de cuidado e de ficarem expostas à umidade. Isso a incomodava. “Queria achar uma solução para que essas roupas não virassem lixo, e tive a ideia de transformar roupa em roupa. Foi assim que surgiu a UP CO”, explica. O que a marca desenvolve é um processo conhecido como upcycling, que consiste em transformar algo que seria descartado em uma nova peça, com valor agregado, sem eliminar a essência daquele produto.

O upcycling não é a mesma coisa que reciclagem, porque reciclagem envolve processo químico. Na UPCO, Aline trabalha principalmente com peças de roupa usadas e algumas poucas vezes com resíduos da indústria têxtil. “Fazemos com calças jeans e roupas que compramos em bazares de instituições do terceiro setor, então também conseguimos ajudá-los”, explica. Para ela, o diferencial é que o upcycling faz uma cadeia da moda girar: uma peça de roupa nova estaria sendo produzida para que fosse comprada em uma loja, mas uma mesma peça que a pessoa já usou e que iria jogar fora, pode de repente se transformar em uma nova.

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Aline é categórica: “Preços ultra competitivos e valores de sustentabilidade são coisas incompatíveis”. Mas enxerga que mesmo em um cenário competitivo é possível conquistar clientes. “Eu sinto que a maioria das minhas clientes compra com a preocupação sustentável, mas como são peças que têm um design, muitas pessoas compram sem nem saber que as peças têm um fundo sustentável”. Para ela, a sustentabilidade na moda é um futuro sem volta.

Lujinha 405 prolonga vida útil das peças

Luísa Barbeta está à frente da Lujinha 405, um brechó que tem como propósito ‘fazer a moda circular’ (Foto: Arquivo pessoal)

Após voltar de uma viagem, Luísa Barbeta se deparou com um guarda-roupa cheio de peças boas, mas que não combinavam mais com ela. Precisou criar um destino para elas, e teve a ideia de criar o próprio brechó, através de um perfil em redes sociais. “Queria que o brechó tivesse uma cara diferente, montando looks e valorizando as peças mesmo, porque não faziam mais sentido para mim, mas podiam fazer sentido pra outras pessoas”, explica. Deu certo, e há seis anos ela administra a Lujinha 405, que funciona fisicamente e on-line, e compra peças por consignado de clientes, vendendo novamente por um preço acessível.

Em sua experiência, a moda sustentável nada mais é que uma moda não prejudicial ao meio ambiente, seja nos processos de produção ou na venda. “No nosso caso, aumentamos a vida útil de peças que já existem. Costumamos falar que não tem peça mais sustentável que aquela já existente”, diz. Ela sente, no entanto, que a sustentabilidade é um conceito que precisa ser mais falado junto aos consumidores. “Explico as vantagens, como causar menos impacto, e temos inclusive clientes que preferem não pegar embalagem e esse tipo de coisa.”

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Para ela, o brechó consegue competir mesmo com fast fashions porque também recebe grande quantidade de peças, e que a partir do olhar da curadoria, formam novos looks e também se encaixam em tendências recentes. O preço é outro diferencial. Para ela, não tem como ser mais competitivo, ainda mais comparando com lojas convencionais.

 

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