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Moda é política? Entenda a complexidade e as contradições por trás do termo ‘moda sustentável’

moda sustentável
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Produtos que se apresentam como “ecofriendly” ocupam cada vez mais espaço nas prateleiras e conquistam consumidores atentos à pauta ambiental. Pesquisas de diferentes instituições comprovam que a sustentabilidade já faz parte da decisão de compra de muitas pessoas no Brasil e no mundo. 

Um levantamento do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), em parceria com a Universidade de Yale, revela que 52% dos brasileiros se declaram “muito preocupados” com as mudanças climáticas. Mas, diante desse cenário, fica a pergunta: até que ponto os discursos e promessas de sustentabilidade feitos pela indústria realmente se sustentam na prática? E levando o debate para o mundo da moda, podemos acreditar nas etiquetas que se dizem amigas do meio ambiente? 

Gabriela Andrade Oliveira, professora de Moda no IAD/UFJF e pesquisadora do tema, explica que falar em moda sustentável pode parecer algo simples, quase um conceito fechado. Na prática, porém, definir se uma peça é ou não sustentável é bastante subjetivo. Não existe um critério universal capaz de determinar, de forma precisa, quando um produto se torna realmente sustentável. Elementos como tecidos naturais, tingimentos orgânicos e trabalho manual costumam ser associados à sustentabilidade, mas isso nem sempre garante, de fato, um menor impacto ambiental. Tudo depende de uma série de fatores, como a origem da matéria-prima, os processos produtivos e até mesmo as condições de trabalho envolvidas até que a peça chegue ao consumidor final.

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A especialista ainda comenta que a indústria da moda funciona por meio de uma cadeia produtiva complexa, descentralizada e altamente terceirizada, o que torna difícil acompanhar e garantir que todos os fornecedores e etapas estejam alinhados com práticas sustentáveis. Muitas vezes, falta transparência desde os primeiros passos da produção, seja na confecção dos tecidos, nos acabamentos ou nos insumos mais simples, como linhas e botões. 

Nesse cenário, não é raro que marcas utilizem características pontuais, como um tipo de tecido ou uma ação isolada, como estratégia de marketing para se posicionar como “verde” perante os consumidores. Esse tipo de prática tem nome: greenwashing, quando empresas vendem a ideia de sustentabilidade sem que ela se sustente na realidade. Esse é o caso de muitas grandes empresas, que vendem o selo, mas escondem, por trás, uma realidade marcada por trabalho informal e salários precários, por exemplo.

Ações individuais importam? 

Na intenção de reverter essa dinâmica existem as ações que colocamos em prática na nossa individualidade, mas, para Gabriela, pensar no consumo apenas como uma escolha individual não é o caminho. Embora práticas como comprar roupas de segunda mão e priorizar marcas com propostas mais conscientes sejam importantes, elas não são, sozinhas, suficientes para enfrentar os impactos.

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“O consumo precisa ser entendido também como um ato político”, afirma a pesquisadora. Na avaliação dela, há uma narrativa muito presente na sociedade que transfere toda a responsabilidade da sustentabilidade para o consumidor, como se bastasse escolher bem o que se compra para resolver problemas que, na verdade, são estruturais. A especialista alerta que esse discurso desconsidera que as transformações mais profundas dependem de ações coletivas e de políticas públicas efetivas, desde leis ambientais mais rígidas até fiscalização de cadeias produtivas e garantia de trabalho digno.

Além disso, Gabriela destaca também um paradoxo atual: enquanto cresce a cobrança para que o consumidor seja consciente e reduza seu impacto ambiental, o bombardeio constante de publicidade nunca foi tão intenso. Redes sociais, influenciadores, anúncios e algoritmos trabalham o tempo todo para estimular o consumo, quase um assédio publicitário, comenta.

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Por isso, ela defende que repensar o próprio consumo é importante, mas não resolve o problema por si só. Mais do que ações individuais, é essencial escolher representantes comprometidos com a defesa dos direitos trabalhistas, com a formalização das empresas e com a criação de leis que não apenas proponham a compensação dos danos, mas que também responsabilizem de forma efetiva os impactos ambientais.

A pesquisadora, por fim, faz uma reflexão sobre a própria lógica da sustentabilidade no mercado. Ela observa que, muitas vezes, o discurso da moda sustentável é usado como mais um apelo de consumo, e não como uma verdadeira transformação do sistema. “Nos vendem a ideia de que podemos transformar o mundo consumindo, quando, na verdade, muitos dos problemas que enfrentamos, sejam eles ambientais, sejam sociais, só vão ser enfrentados por meio de mudanças estruturais, que passam por políticas públicas, fiscalização e garantia de direitos”, conclui.

Estilo de vida que carrega os valores

Gabriela destaca que os efeitos da crise climática não são uma novidade , mas nunca estiveram tão visíveis e palpáveis como agora. Esse cenário aprofunda o senso de urgência e contribui para o surgimento de fenômenos como a “ecoansiedade”, a angústia gerada pela percepção dos impactos ambientais. Uma pesquisa regional do Sebrae, realizada entre outubro de 2023 e março de 2024, aponta que o consumo de peças de segunda mão aumentou em Minas Gerais, sinalizando uma possível mudança de comportamento. Mais do que uma escolha guiada apenas por estilo ou economia, esse movimento reflete uma preocupação crescente com os efeitos concretos da crise climática.

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Nesse contexto, práticas como consumir em brechós, aderir à moda circular e priorizar escolhas mais conscientes ganham força. Elas aparecem não apenas como uma resposta à urgência ambiental, mas também como uma forma de expressar valores e se posicionar socialmente dentro de grupos que compartilham essa preocupação. O alerta, no entanto, é para que essas escolhas não sejam esvaziadas do seu caráter político. Quando o discurso da sustentabilidade é reduzido apenas a uma estética, algo que o mercado rapidamente absorve, ele perde sua potência transformadora. 

É o que se vê, por exemplo, quando grandes marcas passam a reproduzir a estética do brechó sem mudar suas práticas produtivas, perpetuando os mesmos problemas de exploração e impacto ambiental. Para Gabriela, a verdadeira transformação só acontece quando a sustentabilidade deixa de ser um rótulo de mercado e passa a ser entendida como uma pauta coletiva.

Iniciativas em JF

Foto: Arquivo pessoal

Emanuelle Esteves é uma das sócias do Storm Brechó (@stormbrechoo no Instagram), que nasceu durante a pandemia depois que ela e o sócio perceberam uma falta no mercado: encontrar roupas com personalidade, qualidade e que fugissem da lógica das tendências descartáveis. Hoje, o brechó se tornou referência no nicho de vestidos de festa vintage, peças que, por muito tempo, carregaram aquela ideia de “usar uma vez e guardar”. Pelas redes sociais, Emanuelle aposta na criação de conteúdo para gerar consciência sobre consumo , mostrando que essas roupas podem e devem ser usadas de várias formas e em diferentes momentos. Para ela, escolher uma peça de segunda mão não é só uma decisão que pesa menos no bolso, mas também uma escolha que faz diferença real na redução dos impactos.

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Foto: Arquivo pessoal

 

Melissa Guedes é a criadora do Megeras Brechó (@megeras.brecho no instagram), que surgiu como uma forma de unir trabalho, criatividade e propósito. A ideia nasceu ainda na época da faculdade, quando ela estudava no Instituto de Artes e Design, mas o projeto atual ganhou força há pouco mais de um ano. Além de vender peças de segunda mão, o brechó também se tornou uma extensão do seu trabalho com figurinos sustentáveis, reaproveitando roupas para espetáculos, produções audiovisuais e projetos culturais. Melissa defende que o brechó é uma ferramenta importante para repensar o consumo, mas reforça que é preciso também repensar os modelos de produção e cobrar mudanças estruturais. Neste fim de semana, o brechó participa de um evento no Meiuca, que fica na Rua Manoel Bernardino, 101, Casa 14, no São Mateus, nos dias 24 e 25 de maio.

 

 

*estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

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