Ao longo dos 36 mil hectares do Parque Estadual do Rio Doce, é possível encontrar árvores centenárias, espécies nativas e raras, lagos naturais e belas paisagens que compõem uma rica biodiversidade. Há 80 anos, o espaço abriga a maior reserva de Mata Atlântica de Minas Gerais e ajuda a contar parte da história, tradição e cultura do estado. Além disso, o parque chama atenção por ser área de preservação da onça-pintada. A presença do felino é um indicador de qualidade ambiental da região. Inclusive, a onça que esteve em 2019 no Jardim Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vive hoje em um local próximo à Unidade de Conservação (UC) – a primeira criada em Minas.
O Parque Estadual do Rio Doce foi inaugurado no dia 14 de julho de 1944, após a visita do arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, ao local. Ele se encantou pelas florestas situadas nas cidades de Marliéria, Dionísio e Timóteo, no Vale do Aço mineiro. Atualmente, a unidade está sob gestão do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Por conservar zonas úmidas consideradas prioritárias na estratégia global de proteção da biodiversidade, o parque foi reconhecido internacionalmente como Sítio Ramsar. O título foi conferido pelo Secretariado da Convenção Ramsar, que pertence à União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN), sediada em Gland, na Suíça.
Além da onças pintada e parda, da anta e do tatu canastra, quem caminha pelos trajetos do Parque do Rio Doce encontra árvores raras, típicas da floresta Atlântica, como o jequitibá, a garapa, o vinhático e a sapucaia. De acordo com o Estado, em algumas áreas do parque já foram registrados mais de 1,5 mil indivíduos arbóreos por hectare, com árvores que ultrapassam 30 metros de altura.
As aves que margeiam o local também exibem vasta diversidade. O número de espécies encontradas no parque corresponde a 50% de todas as aves registradas em Minas Gerais, e um quinto do total de espécies registradas no Brasil. Algumas espécies são raras e endêmicas da região, como os bicudos (Sporophila maximiliani), espécie reencontrada após 80 anos sem registro no estado.
Os visitantes também podem apreciar e aproveitar os lagos naturais de água doce. São mais de 40 na unidade, que a classificam com o terceiro maior complexo de lagos do país. O Rio Doce apresenta flora consideravelmente rica, sendo listadas, ao todo, cerca de 1.420 espécies. Nas lagoas e brejos da Unidade de Conservação existem pelo menos 136 espécies de plantas aquáticas, muitas encontradas apenas nas áreas úmidas do parque.
Onça do Jardim Botânico foi vista no parque
Cinco anos atrás, Juiz de Fora parava para acompanhar os passos da onça-pintada que apareceu no Jardim Botânico. Diversos relatos dão conta de que o animal apareceu não só na área ambiental, mas também em ruas da vizinhança. O caso tomou conta dos noticiários da cidade. Capturada 17 dias depois, o felino foi levado para nova área florestal, mais ampla e segura, próxima ao Parque Estadual do Rio Doce.
Em janeiro de 2023, a equipe de monitoramento do parque registrou dois filhotes de onça-pintada em um local próximo ao que a onça de Juiz de Fora foi introduzida. Quando foi feito o vídeo, os filhotes estavam com cerca de um ou dois meses de idade. Mais um filhote, de outra fêmea, com idade estimada de dois anos, também foi registrado. As gravações são feitas por meio de armadilhas fotográficas, instaladas em árvores ou outros suportes, acionadas automaticamente por meio de sensores de calor e movimento.
Não foi divulgado se os novos animais são fruto de reprodução do felino que circulou na cidade, mas apenas a aparição de três novos animais da espécie no local já é motivo de comemoração em termos demográficos, uma vez que o felino é ameaçado de extinção. Existem apenas cerca de 300 onças-pintadas vivendo na Mata Atlântica, conforme levantamento realizado em 2016.
Participação da comunidade
Gerações de diversas famílias cresceram com a Unidade de Conservação como referência de lazer e forma de trabalho. Nico, como é conhecido popularmente Osvaldino Moreira, é uma das muitas pessoas da região impactadas pela criação do parque. Ele ajudou até mesmo na construção de diversos atrativos do espaço, como área de camping, restaurante e a reforma do mirante. O trabalhador completou em junho 47 anos de serviços prestados e contou que todo o sustento de sua família veio do parque.
“Tenho seis filhos, além de 15 netos e dois bisnetos. Todos frequentam o parque. Quando nasceram, o sustento já vinha daqui. O parque é muito importante não só para mim, mas para todos os funcionários que aqui estão ou estiveram”, afirmou Osvaldino.
Há 40 anos, Nico trabalha na portaria do parque, que ele chama carinhosamente de “cartão-postal”. “Sendo bem feita a recepção, deixa uma boa imagem para os turistas. Nesse tempo que estou aqui, eu faço aquilo que gosto. A pessoa fazer aquilo que gosta é bom demais”, acrescenta.
Nascido em Marliéria, cidade que abriga 83% da área total da unidade de conservação, o gerente do parque Vinícius Moreira faz parte da grande família que também auxiliou o processo de criação do local. Para ele, a participação ampla da comunidade foi decisiva para se criar a primeira UC em Minas Gerais, convencendo as instâncias religiosas e governamentais para a conservação do local.
O gerente reforça que é realizado um trabalho de conscientização pela equipe responsável pelos cuidados do parque junto com a população para manter a região preservada. “Temos um grande desafio que é envolver ainda mais a sociedade nessa proteção, e partimos do princípio que só se envolve nessa proteção quem conhece. Por isso é importante celebrar com a comunidade esses 80 anos, que é a razão de todo este perseverante trabalho de conservação que realizamos”, diz Vinícius.
Décadas de preservação
No último domingo (14), aconteceu a festa de aniversário do parque que contou com a participação da comunidade que vive no entorno, além de homenagens a pessoas que prestaram relevantes serviços ao longo das oito décadas. O ex-gerente do parque, Mauro Izumi, se emocionou com o reconhecimento. “Hoje, com essas mudanças climáticas que o mundo vive, o Parque Estadual do Rio Doce, com seus mais de 35 mil hectares e suas 42 lagoas, oferece uma oxigenação para mais de 500 mil habitantes da região, contribuindo ainda para o índice pluviométrico”, disse.
O ex-ministro de Meio Ambiente e servidor aposentado do IEF, José Carlos Carvalho, também ressaltou a importância da UC. “Há 80 anos, em pleno desbravamento da região do Rio Doce, felizmente, a unidade de conservação foi criada, e ela está aqui pujante, unindo passado e presente para reforçar a importância desse parque.” Já o diretor-geral do IEF, Breno Lasmar, reforçou que o caminho de participação da comunidade está traçado e que é preciso cada vez mais incentivo. “Nosso papel como incentivadores é para que a comunidade, principalmente crianças, se conectem com o parque, brinquem e aprendam a preservar. Temos muitos desafios ainda, mas celebramos, sobretudo, as conquistas.”