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Cientistas trabalham para restaurar floresta e recuperar nascentes na Fazenda Experimental da UFJF

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Uma área de mais de 40 hectares, que antes era coberta pela vegetação de pastagem, aos poucos vai florescendo. Já faz cinco anos que os pesquisadores Fábio Roland, Fabrício Alvim, André Megali e Nathan Barros se uniram para tirar do papel os planos para a Fazenda Experimental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e hoje o espaço virou referência quando o assunto é restauração ecológica. Localizada às margens da represa de Chapéu D’Uvas, apenas 50% da área da fazenda era conservada antes do projeto Raízes para o Futuro. A iniciativa pioneira precisou de muitas mãos para que mais de 40 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, que ocorrem na região, fossem plantadas, e pesquisas de diferentes áreas, desenvolvidas. No segundo episódio da série de reportagens “Quem cuida do planeta?”, a equipe da Tribuna foi até Chapéu D’Uvas conhecer o trabalho desenvolvido na Fazenda Experimental da UFJF. 

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O potencial da Fazenda Experimental é enorme e vai muito além dos muros da universidade. Adquirida em 2013 pela UFJF, por muito tempo ficou abandonada até sua inauguração em 2019. As ações desenvolvidas na fazenda visam, principalmente, à recuperação de nascentes, ao cultivo da biodiversidade local e à restauração do bioma. Fabrício Alvim, professor do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF, explica que a técnica utilizada no cultivo das espécies nativas, chamada de nucleação, foi pensada para servir como modelo para pequenos produtores rurais justamente por ser mais econômica, o que reforça o compromisso do projeto com a comunidade. 

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Fazenda Experimental da UFJF fica às margens da Represa de Chapéu D’Uvas (Foto: Felipe Couri)

“O plantio é caro. Para se ter uma ideia, o preço mínimo para plantar um hectare é R$ 5 mil, o que é um valor alto para um pequeno produtor. Por isso, uma estratégia nossa é fazer a nucleação. São diferentes técnicas, nove para ser exato, para, ao invés de plantarmos, tentarmos atrair a fauna, a disseminação de sementes e fazer uma fertilização natural. E isso está espalhado por toda a fazenda, porque para fazer ciência é preciso experimentar e fazer repetições. A nossa ideia é oferecer uma técnica mais barata para o produtor”, diz Alvim.  

A paisagem da Zona da Mata é composta, em maioria, por capim braquiária, pastagem suja em larga escalada e de manejo incorreto, como explica o professor. Esse capim é extremamente agressivo, poucas plantas conseguem competir com ele, por isso a importância de diferentes arranjos de espécies. O projeto, que recebeu o nome de BEF – Funcionamento da Biodiversidade Ecossistêmica, na sigla em inglês -, é uma iniciativa do Núcleo de Integração Acadêmica para Sustentabilidade Socioambiental (Niassa) do ICB, desenvolvido em parceria com a concessionária Via 040. “Além das pesquisas com os benefícios para os moradores do entorno e da Zona da Mata, o trabalho realizado na fazenda é fundamental para a qualidade da água de Juiz de Fora, já que a represa de Chapéu D’Uvas abastece pelo menos 40% da cidade”, destaca o professor. 

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José Wilson de Paula trabalha no cultivo de mudas da fazenda (Foto: Felipe Couri)

Ao longo dos últimos três anos de trabalho, o pesquisador conta que foi possível observar o incremento do número de espécies, na estrutura da floresta e em processos ecossistêmicos, como atração de animais – tornou-se comum a aparição de lobo-guará e até de jaguatirica nos arredores da fazenda -, interação entre animais e plantas e aumento do carbono. “O que mais agrega valor ao mercado de carbono é a restauração. Nós enxergamos isso como necessário para a Zona da Mata, que é a segunda região mais pobre economicamente de Minas Gerais, pelo seu histórico de uso e degradação do solo, com a produção de café e a pastagem.” As mudas são monitoradas para avaliar o índice de sobrevivência das plantas. De seis em seis meses o tamanho é medido e elas são replantadas. 

Embora a restauração de florestas seja o projeto de maior destaque, existem outras pesquisas associadas a ele. Hoje, cerca de 20 pesquisadores desenvolvem trabalhos de mestrado e doutorado na região. Nos próximos meses, a Fazenda Experimental vai abrigar mais dois projetos, um sobre o sistema agroflorestal, de baixo manejo, com culturas rústicas, como mandioca e milho, com o objetivo de ajudar o proprietário a restaurar com alimentos junto com palmeiras nativas, e o outro relacionado à aquaponia. 

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Sistema inédito será testado na fazenda 

A aquaponia é um sistema usado para produção de peixes muito associado a verduras e temperos. Pela primeira vez, a técnica será usada na região, mas com o foco na restauração ecológica. Ao lado de Fabrício Alvim, a pesquisadora Ive Muzitano, que trabalha na Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro, está à frente do projeto e explica que a produção de peixes locais, inicialmente lambaris, será associada à produção de mudas de palmeiras. O sistema vai funcionar da seguinte maneira: uma casa de vegetação será criada com 12 tanques de mil litros para produzir os peixes, e a água do sistema vai irrigar a produção de três espécies nativas de palmeiras: palmito-juçara (ajuda na restauração de nascentes), jerivá (importante para atrair a fauna) e a macaúba (principal desafio por ser típica de região seca). 

Essas plantas têm alto potencial para o mercado, com itens produzidos a partir da polpa, para fins de ornamentação ou para produção de óleos, por exemplo. Já os peixes podem ser usados para consumo ou servir de isca para pesca. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), e a expectativa é de que 15 mil peixes sejam produzidos em 200 metros quadrados. 

“As palmeiras são muito importantes para o ecossistema, para atrativo de fauna com seus frutos e restauração de nascentes. Nós estamos fazendo um estudo de mapeamento e já encontramos cerca de 35 nascentes na área da fazenda. Além disso, a aquaponia pode ser usada como uma alternativa econômica para gerar renda na produção de peixes e mudas através da reutilização de água, são dois produtos em um único sistema. Vamos testar os métodos primeiro aqui e depois replicar para a população local”, afirma Ive. 

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Falta de estrutura é obstáculo 

Fabrício Alvim e a repórter Nayara Zanetti na Fazenda Experimental da UFJF (Foto: Felipe Couri)

A maioria das ações desenvolvidas na fazenda é fruto do trabalho dos cientistas envolvidos, que tocam projetos ambientais com o apoio de agências de fomento à pesquisa, embora a responsabilidade da manutenção da estrutura seja da UFJF. Para avançar e manter o que já foi realizado é preciso investimento, segundo os pesquisadores. Atualmente, a Fazenda Experimental enfrenta desafios em relação à parte de infraestrutura e outras demandas necessárias para o funcionamento do espaço, como, por exemplo, a ausência de técnico-administrativo em Educação (TAE) e as dificuldades na locomoção. Hoje, há dois caminhos para se chegar até a fazenda: um pelo distrito de Chapéu D’Uvas, de carro, e outro, que é a forma mais rápida, por Ewbank da Câmara, por meio de um barco que percorre a represa. Porém, a instituição não possui uma embarcação própria, o que dificulta todo esse trajeto. Além disso, a falta de alguns equipamentos, tanto para que mais pessoas visitem o  local quanto para que outras ações sejam desenvolvidas, é mais um obstáculo. 

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