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‘Acho que o teatro não acaba nunca’, afirma Ione de Medeiros

Ione Medeiros Fabbio Guimaraes
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Ione de Medeiros nasceu em Juiz de Fora em 1942, mas se mudou na década de 1960 para Belo Horizonte e lá ajudou a consolidar o Grupo Oficcina Multimédia de teatro. Aos 81 anos, ela celebra a possibilidade de continuar estreando peças à frente do grupo, no qual ela já está há quatro décadas como diretora. É o caso de “Vestido de noiva”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues, que esteve no CCBB Belo Horizonte ao longo de junho, e que ainda chega a diversas outras cidades brasileiras. Além de diretora, ela também é pianista, atriz, figurinista, cenógrafa, curadora e educadora artística. Seu trabalho já chegou a receber cinco prêmios. Relembrando a carreira, uma coisa fica bastante clara para ela, conforme diz. “A experiência de fazer teatro vai amadurecendo. Mas é a vontade de comunicar e estar perto das pessoas que mais me atrai.”

O Grupo Oficcina Multimédia foi fundado junto com Rui Herrera, e tem como principal característica “misturar todas as artes”. Para ela, isso se tornou uma experiência que agrega sentidos para o público, porque usa todos os recursos disponíveis como forma de criação. “Você cria uma linguagem em que fala de um tema de diferentes maneiras. Você não usa só o texto como informação, mas o texto, imagens, dança, teatro e cinema”, diz. Com o tempo e com a familiaridade com esses recursos, pelo qual o grupo é tão conhecido, ela mesma foi se sentindo mais íntima de cada possibilidade que surgia. “A cada montagem trago toda essa bagagem para o cenário e para cada detalhe, enriquecendo a sua própria encenação. Você experimenta outras maneiras de levar para cena, levando a dança, vídeos com objetos e acompanhando a peça, o cenário se movimentando.”

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Mesmo com essas inovações, o que ela gosta mesmo e aproveita sempre é a presença que o teatro traz. “O teatro é uma arte em que você precisa do contato com as pessoas, fala com elas e elas olham pra você. Isso é muito bom, e não tem como ser diferente”, diz. É por isso que, para ela, se uma peça for filmada, é impossível substituir o impacto que tem da relação entre um ator contando uma história e fazendo a sua performance de frente com o público. Durante o período da pandemia de Covid-19, no entanto, ela, assim como todos os trabalhadores de teatro, precisou se distanciar dos palcos. O grupo se manteve on-line fazendo gravações, mas teve perdas – muitas pessoas precisaram sair e eles também perderam o espaço que tinham para ensaios. “O nosso grupo mesmo tinha dúvidas de como ia fazer pra continuar, não sabia se ia ser possível. Quando voltamos, foi um renascimento para mim”, conta.

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O patrocínio do Banco do Brasil, realizado pelo Governo Federal, surgiu neste contexto, e fez com que ela pudesse trabalhar com Jonathan Horta e Henrique Mourão em produções nas quais realmente acreditava. “Com o passar dos anos, tive mais vontade de organizar melhor a minha linguagem e intensificar essa comunicação com o público. No meu caminho, isso foi muito claro”, reflete. Aquilo de que mais gosta nessa arte, no entanto, é algo que sempre se manteve. E que, mesmo com todas as dificuldades, ela enxerga que é o que mais atrai as pessoas também para as salas de apresentação. “É por isso que acho que o teatro não acaba nunca: a gente tem vontade de ver, de estar próximo das pessoas”, diz.

A presença que o teatro traz é uma das coisas que mais encantam Ione de Medeiros dentro da arte (Foto: Fábbio Guimarães)

Incentivo à cultura como resistência

Um dos prêmios que Ione ganhou foi pela criação do Verão Arte Contemporânea, um evento também voltado para diversas áreas artísticas. O nome brinca com a estação – quando a programação acontece -, e também com a proposta de fazer com que a população em geral tenha acesso ao trabalho artístico a preço popular. “Temos a proposta de mostrar o panorama cultural de BH, dos artistas locais mesmo, com os trabalhos mais recentes. Não repetimos espetáculos e sempre tem uma programação totalmente diferente”, conta. Foi nesse espaço que, para ela, foi possível fazer com que artistas que ficavam “meio escondidos” fossem se apresentar, e também foi assim que vários grupos puderam se encontrar e se formar. “Foi uma ideia que deu certo, mesmo, porque a gente precisa encontrar formas de estimular o teatro de pesquisa, que não tem um retorno financeiro tão imediato, precisa ter apoio. Já são 15 anos fazendo esse evento”, lembra.

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Para ela, patrocinar possibilidades é algo que move as criações, assim como no caso do CCBB. “O patrocínio é muito importante porque dá chance da gente continuar fazendo arte. Isso é um estímulo enorme para o artista, para que possa mesmo fazer uma obra sem concessão e para agradar o público. Você tem que fazer arte bem feita, em que quer comunicar, mas não pensando nesse apelo fácil”, explica. Em sua visão, a arte tem que ter liberdade para fazer algo sério, com compromisso, mas que não tenha que ter uma garantia de agradar e ganhar muito dinheiro. “Se for assim, nada muda, você faz as mesmas coisas a vida inteira”, diz.

Em sua experiência, inclusive frente às dificuldades impostas pela pandemia, o melhor momento é mesmo “o agora”. “Saímos de uma pandemia terrível e de um governo totalmente inadequado, que foi terrível para as artes. Foi um momento muito triste em nossa história. Quando as coisas mudaram, foi um momento de muita felicidade e de uma retomada mesmo. Estão voltando os investimentos na universidade, em arte, educação e cultura”, celebra. Como planos futuros, ela também pretende inserir a parte de vídeo e continuar se aprimorando para fazer isso bem e aumentando o diálogo entre as artes.

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Cada espetáculo é uma vida

Quando o grupo começou, a linguagem que misturava as artes era algo bastante novo e que não era tão conhecida ou fácil de compreender. “Foi importante eu passar por isso, manter esse histórico de experiência. Hoje, o meu desejo de comunicar e ser mais clara fica mais forte”, diz. Para Ione, a vida das pessoas se tornou mais estressante, e os conhecimentos também passaram a ser adquiridos de formas diversas.

Hoje, percebe que precisa atualizar a linguagem e trazer algo que seja bonito para o público. Foi nesse contexto que surgiu “Vestido de noiva”, uma peça que ela considera bastante complexa e que foi responsável por lançar Nelson Rodrigues como o maior dramaturgo brasileiro e um dos grandes nomes da literatura. Antes dessa produção, o grupo fez “Boca de ouro”, que ela sente que se diferencia bastante dessa última criação. Foram precisos três anos para ir desenvolvendo a ideia e tornando a história a cara do grupo.

Na trama, a história é contada por uma mulher que sofreu um acidente e está em coma, o que faz com que toda a narrativa seja contada através do inconsciente da personagem durante esse tempo. “Ela mistura sonhos, personagens que já morreram e imaginação. Ela está quase em um estado de coma, mas que sua mente continua elaborando, pensando em quem ela é, com quem é casada e quais são os problemas da vida dela”, conta. O que mais a atraiu foi a mistura. “Esse estado inconsciente é muito atraente, porque aí não precisa fazer uma historinha com muita lógica, sabe? É algo misterioso que fica misterioso, também.”

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Para ela, que já trabalhou em tantas peças, “cada espetáculo tem a sua descoberta, porque à medida em que você vai fazendo, vai amadurecendo e aprendendo ao longo do percurso”. Cada temporada de apresentações “é uma vida e deixa as suas marcas”. No caso de “Véu de noiva”, o Grupo Oficcina Multimédia mantém esse fluxo de criação pelos CCBBs de São Paulo (de 17 de agosto até 24 de setembro), do Rio de Janeiro (de 4 a 29 de outubro) e de Brasília (de 9 de novembro até 3 de dezembro).

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