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Conheça Maurício Nascimento: ‘Se eu fico longe da arte, adoeço’

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Maurício se mudou para Juiz de Fora há dez anos, pensando em criar sua independência e ter contato com o universo das artes, que sempre o atraiu muito (Foto: João Medeiros)
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Maurício Nascimento teve contato com a arte pelo teatro, por ideia da mãe. Depois, formou uma banda de punk em Valença, interior do Rio de Janeiro, sua cidade natal, a partir do gosto por música. Chegou a aprender alguns instrumentos. Pela banda, participou de um coral para aprender a cantar. Já por volta dos 12 anos, começou a ajudar o tio, que tinha uma empresa de multimídia, e foi aprendendo sobre design. Fazia aulas de desenho e, por conta dessa influência, gostava das ilustrações e dos quadrinhos. Bem criança, também fez capoeira. Durante esse tempo todo, a escrita e a leitura estiveram presentes, assim como os filmes, que eram religiosamente alugados aos finais de semana durante toda a sua adolescência. Quando veio para Juiz de Fora, fez aulas no Instituto de Artes e Design (IAD) que se relacionavam com o cinema. “Se eu fico longe da arte, adoeço”, afirma. É assim que uma vida permeada por diversas expressões se construiu, aos poucos, e foi escoando por onde foi possível.

Maurício veio há 10 anos para Juiz de Fora, já pensando em criar sua independência e ter contato com esse universo das artes, que sempre o atraiu muito. A partir de sua trajetória, já tinha em mente que desejava ficar nessa área, primeiro trabalhando como ator e depois desenhando ou pintando. “Minha família ficou preocupada, por todas as questões financeiras”, explica. Então, ele decidiu tentar aliar seus interesses ao design. Ao longo do curso no IAD, também cursou disciplinas em Cinema, o que possibilitou que ele se aproximasse de algo que ele também gostava muito. Foi assim que surgiu o curta ‘Desvio para o branco’.

Esse filme é um “falso documentário” que conta a história do Alvo, um artista branco que faz graffiti, e que está ascendendo no mercado da arte, dentro daquele universo que ele vive. “A ideia era satirizar e criticar um pouco esse mundo da arte, que é sempre muito branco, e que não importa muito a qualidade do que você faz ou o discurso, mas as pessoas que gostam do seu trabalho e resolvem te apadrinhar e te reconhecer como artista”, conta. O projeto foi pensado para a disciplina de Arte e Institucionalização, e tinha de elaborar o que havia sido estudado ao longo do semestre. O professor gostou muito do que foi feito, e algumas pessoas falaram para ele inscrever o curta no Primeiro Plano, o Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades. “Para minha surpresa, fomos selecionados. E a surpresa maior ainda foi que recebemos o prêmio de incentivo. Eles deram uma quantia em dinheiro para fazermos um segundo filme”, conta.

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Mas vir pra cidade e traçar essa caminhada também o fez, durante todo o percurso, ter que contar com recursos próprios para se manter e ter que abrir mão de coisas que queria. “É uma pressão muito grande morar aqui sozinho, conseguir me manter e ainda ter tempo pra fazer as coisas, ter saúde no geral e ter saúde mental. Mas a gente tenta fazer o que gosta e tentar ganhar algum dinheiro com isso”, conta. Equilibrar o que mais gosta de fazer com o que precisa para se manter continua sendo um desafio, mas, hoje, Maurício entende que não pode se afastar totalmente do universo das artes. “Quando deixei de estar próximo da arte, me senti vazio. (…) É algo que hoje entendo que preciso fazer por mim”, diz. Nesse sentido, ele tem buscado outros editais de cultura para poder fazer outros trabalhos, sempre buscando balancear as duas áreas e se cercar de pessoas que entendam as dificuldades de sobreviver nesse meio.

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Buscando referências

Apesar de sempre ter tido contato com o universo da arte, Maurício afirma que o momento que esteve mais distante, paradoxalmente, foi durante a faculdade de Artes. Para ele, isso aconteceu principalmente por conta da distância que sentia daquele universo “intelectual” com a vida real, e a falta de exemplos de artistas como ele ao longo de todo o curso. “Dentro da faculdade, tive muita dificuldade de ter referências de artistas e designers negros. Sempre que questionava os professores, eles me ofereciam o espaço para apresentar esses artistas. Mas eu estava lá pra aprender, e não pra ensinar. Se eu posso pesquisar, por que eles não podem?”, questiona.

Em sua percepção, há um processo de embranquecimento em toda a área acadêmica, e que inclusive serve para garantir que as mesmas pessoas sejam detentoras de conhecimento – e poder. “Temos que embasar tudo, então não podemos falar nada que alguém não tenha falado antes, já que é preciso de um discurso para embasar o seu. Mas só me eram apresentados discursos de pessoas brancas, e ninguém falava do que eu queria falar. Parecia que eu não podia ter voz, porque as questões que eu tinha não eram importantes, já que não tinham sido importantes para nenhuma pessoa branca que eles trabalham na faculdade”, conta.

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O que o surpreendeu, no entanto, foi perceber o quanto achar essas referências foi fácil. “Uma pesquisa no Google, e um universo surge, está tudo ao alcance”, diz. O meio de começar a se aprofundar nessas referências, para ele, foi através dos coletivos do Instituo de Artes e Design, e a troca de referências entre os alunos negros, que também percebiam essa lacuna. “O que mais me marcou foi descobrir, de fato, que eu era negro. Dentro dos coletivos e dessas referências, tive acesso a textos que falam sobre a negritude, e comecei a me entender. Percebi que tinham várias pessoas que sentiam o que eu estava sentindo, e ver aquilo causou um impacto em mim”, ressalta. Não à toa, o próximo projeto no audiovisual que tem em vista, é um curta de terror que fala sobre como as pessoas brancas consomem artistas negros.

‘Umbaúba’

Na experiência de Maurício, essa troca é essencial para caminhar. Foi a partir da tentativa de entender mais sobre a experiência coletiva que também gravou o curta com os recursos do Primeiro Plano, e que estreou em 2022, já que os anos de pandemia impediram que o trabalho fosse feito antes. “Nós, da equipe, escrevemos vários roteiros, mas surgiam muitos problemas e não ia pra frente. Ficamos uns dois anos pra fazer o “Umbaúba”, e nem era o “Umbaúba” na verdade”, diz. Foi quando estava trabalhando em uma empresa de São Paulo, na área da tecnologia, que surgiu a ideia do que poderia fazer.

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Aos 30 anos, ele já desejava uma estabilidade, mas percebeu que isso não era o bastante para dar um sentido à sua vida. “Era um emprego muito bom, e eu finalmente tinha um trabalho da hora, que eu ganhava bem, mas eu não conseguia fazer as minhas coisas de arte. E me sentia muito vazio. Trabalhava em uma rotina desgastante para no final só pagar as contas, e não estava conseguindo lidar com isso. Comecei a pensar como as outras pessoas, negras principalmente, continuam fazendo arte mesmo sem ter muito reconhecimento ou ganhando o suficiente para viver com isso”, explica. Reunir as pessoas com quem trabalhou foi muito importante, como conta, e também gerou frutos para trabalhos futuros. “Fazer ‘Umbaúba’ me reacendeu a chama de querer fazer as coisas. Depois que fiz o curta, surgiu de novo essa vontade de contar histórias e falar sobre as coisas.”

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