Sophia Bispo tem 17 anos. Mesmo com pouca idade, já andou pelo mundo da arte de diversas formas, procurando um lugar que lhe pertencesse. Para chegar ao que se quer ser, é preciso tentar um pouco de tudo: ela já foi dançarina e atriz em obras sociais, já fez aulas de capoeira, além de desenhar no seu tempo livre. Ela também se aventura por trás das câmeras, produz eventos culturais no bairro onde mora e, na maior parte do tempo, encontra a própria voz nos poemas que escreve. É a partir dessa busca, conta, que indicaram que ela participasse de slams, contando as suas histórias. Já na primeira vez que participou de um, em 2019, foi chamada para declamar na frente de todos. Até então, não mostrava o que escrevia a ninguém, guardava apenas em notas no seu celular – a insegurança, entretanto, não a parou, e ela logo decidiu se mostrar para aquele mundo que surgia inesperadamente à sua frente.
No começo, a escrita acompanhava o que ela sentia, fosse a hora que fosse. Nos momentos de crise, estava ainda mais presente, “como uma forma de alívio”. É por isso que, desde a primeira vez em que colocou um microfone na frente da boca, se expôs e mostrou com clareza as emoções e os sentimentos que guardava. A indicação do slam veio de um professor de capoeira, que sabia que ela queria “crescer na vida”. Foi a partir dessa oportunidade que Sophia diz ter encontrado um caminho para que pudesse se expressar diante dos outros. “Em 2019, fui pela primeira vez em uma batalha de slam e, desde então, passei a frequentar esses eventos. Não escrevia pensando em slam, eram escritos de forma mais emocional, mas isso acabou sendo uma coisa boa no início, porque a maioria das poesias do slam são de protesto. Então acabou tendo essa quebra, consegui me diferenciar um pouco”, conta.
Os aprendizados que o slam trouxe para ela logo começaram também a impactar sua escrita, que agora, além de traduzir suas emoções, também apresentam problemas sociais da realidade que a cerca e como isso a afeta diretamente. Para ela, o próprio poema do slam é educacional. “Traz a crítica da pessoa, o lugar de onde ela veio e sua vivência. Ensina muito.” Hoje, ela escreve também levando em conta as desigualdades, problemas na estrutura da família e tentando manter um registro da sua própria história. O bairro onde mora na Região Sudeste de Juiz de Fora, o Retiro, por exemplo, é forte inspiração para sua escrita. “Tudo que eu escrevo leva em conta a minha experiência lá”, diz.
Em 2020, foi campeã do Slam Intercolegial de Juiz de Fora. Durante a pandemia, participou de várias outras edições de forma on-line, sempre tentando encontrar o próprio tom. A estudante, inclusive ficou em terceiro lugar em uma competição de slam no âmbito de Minas Gerais. Hoje, enxerga que esse universo lhe deu asas para que ela conhecesse outras realidades, mais pessoas e vivesse mais coisas. É o que queria desde o começo. Com um fanzine publicado e um livro de poemas solo em andamento, ela ainda pretende realizar muitos sonhos e chegar ainda mais longe.
Inspirações em casa e de casa
Há quem pense que sua curta trajetória de vida não tenha lhe rendido histórias o suficiente para tanta coisa. Isso até poderia fazer algum sentido, se ela estivesse falando apenas de si mesma. Mas Sophia sabe que, estando onde está, carrega muita gente com ela – inclusive pessoas de sua própria família. Criada em berço católico, ela não deixa de falar que o senso de comunidade é muito importante para ela, assim como ter a família ao seu redor.
Um dos poemas que leu em um evento, “A solidão da estrela guia”, fala sobre a sua avó, Dalva. Nele, conta mais sobre a vivência dessa mulher que ajudou a criá-la. “Falo sobre rotina de uma esposa que não trabalhava fora para poder cuidar dos filhos, de como havia distanciamento entre ela e o marido, e também como é essa solidão da mulher e como a sociedade naturalizava isso”, diz. Também fala de uma violência que, em sua visão, foi passada de geração em geração, desde que a avó de sua avó foi “pega no laço”. “Evidenciar isso é uma questão política. A gente, que é de zona periférica, que é descendente dessas pessoas, vê isso na nossa linhagem.”
Atualmente, também trabalha em uma produção audiovisual baseada em poemas que ela e um grupo de amigos fizeram, intitulada “A morada”. A ideia surgiu a partir do poema “Cozinha”, em que ela expressa como se sente em relação a esse cômodo da casa, principalmente no momento da pandemia – e tudo que ele representou para a sua vida. Foi a partir dessa ideia, então, que a produção passou a falar de diferentes cômodos. O vídeo será lançado em 20 de janeiro no seu canal do Youtube.
Mantendo suas raízes por onde for
Um dos maiores sonhos de Sophia é se tornar jornalista e ser correspondente. Mesmo querendo isso, não se prende ao que ainda não aconteceu, e deixa que as oportunidades surjam. A visão que tem hoje do que a sua vida pode ser foi moldada pelo seu entorno e, também, como a enxergavam em cada lugar. “O Retiro fica literalmente atrás da cidade. A única coisa que consigo ver ao redor é o morro Santo Antônio, e essa acaba sendo a visão que eu tive do mundo”. Tendo frequentado cursos de inglês em áreas nobres da cidade e cursinho em escola particular, enxerga que a vivência em lugares mais elitizados também contribuiu para a sua formação, mas não se esquece da onde veio.
Para ela, essa perspectiva também traz vontade de mudança e de um posicionamento ativo. No seu bairro, por exemplo, não há como fazer shows e slams em praça pública, porque “não tem nenhuma”. As pessoas não se reúnem para eventos culturais com facilidade, como ela acredita que deveria ser. E foi por isso, também, já organizou eventos que levassem a poesia para as ruas do bairro, como o “Retiro tem poesia”, que teve apoio do edital da Lei Murilo Mendes, Cultura na/da quebrada. “É com essa visão que eu venho pro Centro, que eu faço as coisas, que eu me porto. Vou com uma vivência diferente, um olhar diferente, mas nunca inferior”, diz.