Ícone do site Tribuna de Minas

Conheça Roger Barboza, que traz ‘estética de cria’ para obras autorais

ROGER AQUIVOPESSOAL1l
PUBLICIDADE

Roger Barboza publicou um vídeo no Instagram, na última semana, que teve mais de 80 mil visualizações. No vídeo, ele vai até uma periferia de Juiz de Fora e mostra um kenner, estilo de sandália, que ele mesmo chama de ‘kenner de cria’, e que é possível ver que ele pintou à mão. Mas sua trajetória, na verdade, começou ainda bem novo, em Valença, uma cidade do interior do Rio de Janeiro, quando pediu para sua mãe para fazer aulas de desenho, muito antes de achar que a arte o “poderia levar para algum lugar”.

Naquela época, não levava a sério como hoje. Por isso, parou durante um tempo, até que no Ensino Médio, voltou por conta própria a desenhar – repetindo o que fazia nas aulas, copiando desenhos que encontrava nas redes sociais. “Até que uma professora me disse: ‘Roger, você tem que começar a fazer desenho autoral’. Porque na época eu copiava igual os que já existiam, então a arte não era realmente minha. Ela dizia que eu também podia criar aquelas coisas que eu copiava, e isso ficou na minha cabeça”, conta. Foi assim que fez o seu primeiro desenho autoral, que era de si mesmo, e começou a desenvolver a ‘estética de cria’, de que tanto gosta, para encontrar também o seu caminho.

No seu desenho, ele buscou valorizar o jeito com que ele gosta de se vestir: blusa da Lacoste ou de time, bermuda rasgada, boné de marca, IPhone na mão, tênis no pé, com detalhes no disfarce do cabelo e ainda correntes e brincos. “Eu me soltei, porque aceitei que era eu e podia ter o meu estilo, fiquei livre para errar também e desenvolver o meu traço”, relembra. Para ele, essa estética de cria é justamente a estética periférica, que remete à sua origem. “Se você for em uma quebrada, comunidade, em um baile, você vai ver que a galera anda assim, gosta de se vestir assim. Quem é ‘cria’ mesmo, se identifica”, conta.

PUBLICIDADE

Para ele, então, fazer algo que fosse autêntico e que tivesse a sua marca foi a virada de chave. “Eu crio algo a partir de referências reais, mas a partir do momento em que eu crio, é meu. Ninguém vai ver aquilo do mesmo jeito que eu tô vendo”, diz. Seus desenhos também passaram a trazer ídolos do rap e do funk, como Mc Cabelinho, Jovem Saga e MC Roba Cena.

PUBLICIDADE
“Eu sei que vai dar certo, que as coisas que eu faço uma hora vão chegar a todo mundo. Eu já profetizei tudo”, dispara Roger (Foto: Arquivo pessoal)

Roger está com 22 anos, e explica que passou a se enxergar como artista e ver um futuro nessa área há cerca de dois ou três anos. Na época, não foi fácil – ele estava saindo do Ensino Médio, na dúvida se ia para um trabalho ou para a faculdade, e no meio desse processo, sua namorada engravidou. Ele ia se tornar pai. “Foi uma explosão de sentimentos. A ideia de vir pra Juiz de Fora foi dela, porque ela quis mudar de cidade porque aqui conseguiu uma bolsa de desconto para entrar na faculdade. Eu não tava acreditando que tudo isso ia dar certo, mas ela acreditou muito. E foi muito importante pra mim estar com elas”, conta.

Naquele momento, ele criou uma identidade artística, o “Coe Roger”, em que ele ia postando tudo que fazia, porque acreditava que a mudança para uma cidade bem maior também ajudaria a fazer com que seu trabalho chegasse a cada vez mais pessoas. Em sua primeira semana na cidade, começou a trabalhar como pizzaiolo. “Começou a me bater uma indignação, de estar ralando muito e ganhando muito pouco, sem tempo pra nada. Tava numa linha de produção alienado. Eu sempre mirei em algo melhor pra minha vida, mas teve momentos em que foi necessário”, explica.

PUBLICIDADE

Meses depois, ele saiu da pizzaria e foi trabalhar em uma loja de tênis. Conseguiu o trabalho quando, ao entregar currículo pelo Centro, falou com o gerente de uma loja que tinha comprado um tênis meses antes. “Como faz pra trabalhar aqui? Fiquei tentando desenrolar com o cara, disse que precisava de uma oportunidade”, relembra. Lá, ele conta que passou a trabalhar diariamente com peças originais das marcas de que gostava, e também aprendeu a falar com o público. Acima de tudo, era uma oportunidade de divulgar a sua arte: “Nesse tempo todo, eu vendia tênis e kenner, e já divulgava a minha arte junto. Tinha um carimbo com minha conta nas redes. Quando eu via que o cliente era cria, entrava na mente do cara para conhecer meu trabalho”, relembra e ri. Foi assim que foi conhecendo cada vez mais pessoas na cidade.

Uma arte toda sua

Por trás do vídeo em que mostra o kenner, há um trabalho que começou há mais de um ano, quando ele anotou a ideia em um bloco de notas do celular: “Desenhar uma favela no kenner”. Para ele, essa foi uma forma de conectar o público que via aquele chinelo, o que tinha na essência dele e também a sua arte, deixando todo o visual ainda melhor. “A maioria do pessoal que consome kenner é a molecada da quebrada. Quando eu mostrei, todo mundo ficou ‘caaraaaca’. É só uma ideia, por enquanto, porque pintei com tinta guache. Mas queria muito que se concretizasse com a marca. Por isso que quis fazer o vídeo mostrando pra mais gente”, explica.

PUBLICIDADE

Um dos objetivos que tem, nas redes, é justamente mostrar seu processo enquanto artista e seu dia a dia, sempre mantendo sua essência. Para ele, que também trabalha como tatuador no estúdio, entender esses processos é muito importante. “Eu me cobrava e me comparava muito com outros artistas. Hoje eu respeito mais o meu processo”, explica. A tatuagem, inclusive, é algo que aprendeu praticamente só observando outro tatuador e treinando em uma laranja. “Eu já entrei no mundo da tattoo querendo aprender como fazer tatuagem em pele negra, porque é a minha gente, tenho que saber até como fazer em mim, né?”, explica. Por isso, seus trabalhos são também pensados para valorizar os traços que ficam melhores nos diferentes tons da pele negra.

‘Eu já profetizei tudo’

Roger mostra o “kenner de cria” pintado a mão (Foto: Arquivo pessoal)

Com uma filha pequena, junto com a namorada e a vida pela frente, Roger deixa uma coisa clara: “Nunca tive tanta urgência quanto agora”. A urgência é de conseguir viver de sua arte, de proporcionar uma vida melhor para elas, de realizar seus sonhos. E também de ver o fruto do que já iniciou. “Eu me amarro na sensação que eu tenho aqui, que todo dia é novo, todo lugar que eu vou posso conhecer mais pessoas. Toda essa virada aconteceu em Juiz de Fora”, afirma. Em uma dessas oportunidades, ele irá integrar com outros artistas uma exposição que vai acontecer na Fundação Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), nos dias 17 e 18 de outubro, tendo como tema a favela.

Para ele, que está vivendo tudo isso com intensidade, o melhor de ser artista é justamente ser livre e ter contato com tantas referências. “O que o Leonardo da Vinci faz é perfeito. Também me inspiro muito no Primo Preto, Allencar, Malvo arte, Dabg, Juan Calvet, Edu Ribeiro, Mano lima, Exu do morro e vários outros”, conta. As dificuldades que surgirem, para ele, vão ser superadas “desembolando”, como ele já conseguiu antes. “Eu sei que vai dar certo, que as coisas que eu faço uma hora vão chegar a todo mundo. Eu já profetizei tudo. Vai acontecer. Se eu não acreditasse nisso, não teria vindo pra cá. Me sinto vivo fazendo isso”, diz.

PUBLICIDADE
Sair da versão mobile