Augusto Vargas fala baixo. Dizer isso parece uma ironia na escrita, porque ele toca o instrumento de mesmo nome e porque sobe aos palcos em Juiz de Fora, Belo Horizonte e São Paulo, com públicos variados esperando o Varanda, e que o assistem cantar, tocar e trazer suas letras durante a noite. Mas não é: ele fala baixo, quase sussurrando, e se define como um cara tímido e introvertido.
A música, no entanto, é o espaço em que ele vence a vergonha para fazer o que mais gosta, e que consegue dizer através das composições e da mistura que a banda da qual ele faz parte traz, sem precisar mudar quem ele é. Pelo contrário, até – é com suas criações, que buscam formar paisagens e trazer cenas bem visuais para as letras, com uma naturalidade íntima que fica bem claro em “Topo dos prédios”, “Vida pacata” e “Não tem hora”, que o compositor consegue trazer uma identidade marcante para a Varanda e fazer com que a banda atinja pessoas do país todo e elas sigam repetindo seus versos.
Sua história com a música começou por volta dos 11 anos, quando tentou aprender tocar baixo em um violão que tinha em sua casa. Sua família toda gosta de música – mãe, pai, tio e o primo, também músico, Nathan Itaborahy. “Toda reunião e festa sempre tem muita música. E minha mãe tem um excelente gosto musical, adora Os Mutantes e Milton Nascimento. Ela me criou assim”, diz. Pelo gosto que teve com o instrumento, tentando aprender músicas de Red Hot Chili Peppers, ganhou alguns anos depois um baixo de verdade e começou a fazer aulas para dominar o instrumento. Mas o que mais fazia, em seu tempo livre, era tentar, por ele mesmo, ir aprendendo. E ir escutando música. “Gostava muito de gravar música da rádio em um Mp4 que eu tinha, ficava ouvindo e gravando. É minha paixão maior. Minha trajetória enquanto músico começou ali, na pré-adolescência”, relembra.
No final do Ensino Médio, o jovem, que hoje tem 24 anos, fez suas primeiras composições. Esse foi um processo natural para ele, que já acompanhava vários outros artistas brasileiros e que também estavam em seu caminho para produzir algo realmente seu. “Eu quis experimentar, mas parece que ali eu redescobri a paixão pela música, foi uma outra possibilidade”, diz Augusto Vargas. “Aquela do carnaval”, que é tocada pelo Varanda, foi feita por volta dessa idade e uma das primeiras músicas que ele teve vontade mesmo de mostrar para outras pessoas. O verso “Em dezembro poder ver o mar/ Fevereiro sempre tem carnaval/ Todo dia poder te cantar/ Na nossa casa nunca falte o sol”, no refrão da música, já mostrava um gosto que ele mantém agora, anos depois, que é o de “criar paisagens” através da música. Suas referências, não por acaso, incluem nomes como Milton Nascimento, Gabriel Ventura, Cícero, Boogarins, seu próprio primo e, também, Clara Castro.
Para que mostrasse suas criações para as pessoas, ainda levou um tempo, justamente por ele ser tímido e ficar com um pé atrás de como seria a recepção. “A primeira vez que eu apresentei para outras pessoas uma música minha foi no contexto de banda. Eu esperava que elas fossem receber como uma coisa a ser modificada, que me dariam toques para melhorar, mas receberam muito bem”, conta Augusto Vargas. O que fez com que, mesmo com esse sentimento, ainda quisesse mostrar seu trabalho, foi um amor muito grande e uma vontade maior ainda de conseguir. “Alguma coisa me disse que eu deveria apresentar para as pessoas: mesmo com receio, queria ver se aquilo podia dar em algo”, relembra. Também foi assim com o canto, mais difícil do que o baixo, mas necessário para aquilo que ele queria fazer. E estava certo: este ano, a banda lançou seu primeiro álbum autoral, o “Beirada”, praticamente todo com composições suas.
Reconstrução da música
Augusto Vargas enxerga que, no momento, seu processo de composição é mais maduro. “Antes, eu acho que sentava em uma tarde com o violão no colo e vomitava várias músicas, algumas prestavam e outras não, mas estavam lá. Agora é um amadurecimento da composição”, analisa. Ainda assim, ele mantém o gosto por criar imagens através das letras, a partir da observação de cenas e acontecimentos bem cotidianos. “Às vezes, estou no ônibus, tenho uma ideia, anoto no bloco de notas do celular ou onde der pra voltar depois. Eu, geralmente, tenho a ideia junto com a melodia com a qual quero cantar. Então, às vezes, bate uma ideia e, pra não perdê-la, eu abro o gravador e fico sussurrando. Aí depois vou escutar e não entendo nada.”
Em um processo que pode, tantas vezes, parecer solitário, foi na criação do Varanda, em 2019, que Angusto também percebeu que fazer música em conjunto possibilitava que ele atingisse lugares diferentes. O que começou com uma caixinha de perguntas no Instagram acabou permitindo que ele conhecesse parte dos seus parceiros do grupo atual e crescesse ainda mais na música. “O primeiro ensaio foi uma bagunça total, mas a gente insistiu. (…) Eu acho que fazer música sozinho é meio sem graça. Eu tomei mais gosto por ouvir minha música sendo cantada na voz de outra pessoa, acho que toma uma força maior até. É meio que uma reconstrução”, diz.
“Não me vejo sozinho”, diz Augusto Vargas
Antes do Varanda, Augusto Vargas também chegou a ter uma banda durante a adolescência. Para ele, o interessante das bandas é perceber o potencial que as músicas podem ter em conjunto e, por isso, fazia mais sentido que fosse assim. E com a formação atual do Varanda, e do jeito que as coisas estão fluindo, não tem como imaginar que poderia ser diferente. “Não me vejo sozinho, por isso sempre falo da gente.” Foi a partir da banda que, pela primeira vez, ele viu suas letras tomando outras formas, indo para caminhos que não imaginava e se tornando melhores – realmente, já não está sozinho. Quando viu que, para além da banda, também tinha ganhado pessoas que acompanhavam os shows da Varanda, foi uma sensação ainda bem diferente. “Foi uma maluquice. Eu lembro que fiquei muito feliz. Eu, geralmente, tocava a música no violão, componho ali mesmo e, de repente, estava ouvindo uma voz diferente da minha cantando a minha música, com bateria, guitarra e baixo. Eu percebi que era isso que eu queria, e era mesmo. Até hoje é o que quero muito”, garante.
Vontade de estar perto do público
Augusto gosta de estar perto das pessoas – seja do público da banda Varanda ou de seus alunos de baixo, que são do nível iniciante. “Meu aluno mais novo tem 8 anos, e o mais velho 60. É uma troca mesmo”, conta. Por isso, hoje, enxerga que a vontade de mostrar a música pro mundo é maior do que qualquer timidez e vergonha, porque ainda por cima é algo em que acredita bastante, e em que outras pessoas acreditaram também. “O que eu mais gosto é desse frio na barriga que dá de apresentar as músicas para as pessoas e descobrir o que elas vão achar. Por mais que a gente não tenha uma projeção enorme, a gente consegue ver as músicas chegando nas pessoas. Vê-las cantando e decorando as letras que saíram de mim é muito incrível.”