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Enxergar o mundo pelos próprios tons

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A arte faz parte da vida de Clarice desde quando ainda rabiscava folhas, mas foi durante a pandemia que se aproximou mais das ilustrações e começou a criar (Foto: Arquivo pessoal)
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Há várias formas de enxergar o mundo e ainda mais de conseguir se expressar dentro dele. Quando Clarice Wenzel olha pela janela, por exemplo, pode enxergar um céu azul, mesas cinzas, pessoas passando e montanhas verdes distantes. Mas não é assim que suas ilustrações são ou como ela escolheu retratar toda a vida. Na arte dela, há contrastes de cores fortes, linhas marcantes e uma valorização da beleza preta que, por tanto tempo, foi difícil de encontrar na arte. Os resultados não buscam ser iguais ao que ela vê, do lado de fora, mas sim uma versão própria do que sempre esteve ali, no seu entorno.

Para ela, ainda é uma surpresa que as pessoas tenham gostado tanto de ver o mundo através dos seus trabalhos digitais – mas foi exatamente isso que aconteceu, já há três anos, quando começou a mostrar o que fazia na rede social na qual nem dizia seu próprio nome. O @_enleart, no Instagram, possibilitou que postasse o que fazia e fosse vendo o resultado. E foi assim, no início se escondendo e com vergonha do que fazia, que ela encontrou sua voz.

A arte está presente em sua vida desde criança, quando ainda rabiscava folhas e fazia aula na escola. Mas foi durante a pandemia que, conhecendo trabalhos de ilustradores digitais, resolveu retomar seu contato mais direto com esse tipo de arte e também criar. Um ilustrador em especial a inspirou: Willian Santiago, que acabou falecendo pouco tempo depois em decorrência do Covid-19. Com ele, Clarice aprendeu que podia usar o photoshop e o illustrator, programas que já usava durante a faculdade de arquitetura, para também fazer suas próprias artes. “Eu acordava todo dia de manhã e levantava para desenhar pelo menos um pouco”, explica. Ela mesma gosta de ter começado simplesmente porque gostava, como se aquilo fosse um hobby, pois assim foi podendo assistir também à sua própria evolução. “Aos poucos fui me aprimorando e enxergando novos caminhos”, diz.

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O amadurecimento de suas ideias também foi importante nesse processo. “Eu leio bastante e algumas coisas pego de livros. Por exemplo, estava lendo ‘O quarto de Giovanne’, de Baldwin, e ele estava escrevendo uma cena em que estava em um café, conversando, e aquilo me inspirou pra fazer uma mesa de café bem colorida. Fui procurando as cores e as coisas foram se juntando. Às vezes, estou andando e vejo algo legal, e busco brincar com a escala das cores”, explica. Vinda de uma família de professores de literatura e escritores, ela mergulha nesse universo para poder pensar também em histórias, dessa vez através de desenhos. Gosta ainda de explorar a criatividade brasileira, que reforça os traços locais. “Nem sempre é o que é mais bonito, mas sim que é divertido e alegre que me atrai”, conta.

Gosta também da facilidade que a ilustração proporciona, inclusive para mudar as cores como quiser e criar novas possibilidades. A arquitetura a ajudou nesse sentido, já que foi a partir dessa formação que ela aprendeu a desenvolver o senso de proporção e perspectiva, assim como a mexer com esses programas. Com o tempo e a confiança no próprio trabalho, foi deixando as pessoas saberem que ela era a mente por trás dos desenhos. Foi aparecendo aos poucos no perfil que tinha, e também se reconhecendo mais no que fazia. “É engraçado, porque muitas pessoas me perguntam se sou eu nas artes. Só que não necessariamente eu me inspirei na minha figura, não necessariamente seria eu. Mas eu acho que eu me traduzo assim, às vezes de forma mais explícita ou implícita.”

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Possibilidades de interpretação

Enquanto a literatura sempre foi fonte de inspiração, ter que se adaptar a cumprir as demandas de trabalho mantendo sua criatividade e seu traço próprio se tornou um desafio. Mas também é algo que ela gosta e a motiva. “Eu aprendi diversos assuntos e fui criando um repertório, um conhecimento sobre várias áreas”, reconhece. Nesse processo, inclusive, passou a experimentar desenhos de coisas que nunca tinha tentado antes, como por exemplo montanhas. “Eu nunca tinha desenhado, apesar de ser de Minas, e foi muito bom ver como podia explorar uma paisagem assim e adaptar para o que gosto no meu trabalho”, explica.

Crescendo no Instagram e fazendo contatos a partir de trabalhos, ela conseguiu contratos com empresas conhecidas, como por exemplo a L’Occitane. Também fez ilustrações para a Marie Claire e para a Folha de São Paulo. Mas foi a partir de uma ilustração para o Instituto Ibirapuera que sentiu esse panorama mudando. “Foi quando eu vi que estavam mesmo colocando valor no meu trabalho e que podia continuar. Eu até hoje acho linda essa arte, amo mesmo”, diz. Ressalta, ainda, que ter tido incentivo fez toda a diferença. “Meus amigos e familiares sempre falavam pra eu continuar, pra fazer e mostrar. Eu acreditei muito por causa deles.”

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Longe dos museus

No momento, Clarice, que está acabando o curso de Arquitetura, sempre usa o que aprende lá também para refletir sobre o seu trabalho. Acredita no potencial da arte para mudar vidas e chegar até as pessoas de uma forma que se estende por todas as manifestações possíveis. “É algo muito sensível, é algo que sempre foi necessário, mas que no início era muito elitista. Eu faço meu trabalho de TCC sobre um museu que inicialmente era só fechado para a nobreza e a elite, mas, aos poucos, foi sendo aberto para outras classes sociais. Vejo que é muito importante ter esse acesso, pra você se ver representado e entender o que está acontecendo no mundo, tanto agora quanto em outras épocas”, diz.

Conta também que ver suas ideias crescendo e poder experimentar coisas novas é o que fez o seu processo tão fluido. Se sente à vontade para aceitar que, assim como olha seus trabalhos passados e percebe que não conversam tanto com o que mais gosta, também pode sentir que o que faz agora não é mais o que quer. Pensa, por exemplo, em aprender cerâmica e também explorar mais da pintura, para intensificar o contato manual. Mas o caminho é repleto de uma certeza: “A arte sempre vai estar comigo, e vou criando uma marca individual com o tempo”.

 

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