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Gabriel Renault e uma história para quem já sentiu uma desconexão pessoal em relação ao mundo

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A coluna Sala de Leitura deste domingo apresenta ‘Nuvem de trás’, livro de estreia do médico e escritor juiz-forano Gabriel Renault, que narra a jornada da jovem palhaça Dorothy em uma história sobre pertencimento e o humor como resistência (Foto: Márcia Rosário/ Divulgação)
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Na coluna Sala de Leitura deste domingo, apresento o livro “Nuvem de trás” (Autoria), estreia literária de Gabriel Renault. Nessa narrativa, o autor mergulhou no universo fantástico para contar a história de Dorothy, uma jovem palhaça que, após a morte de Deboche, seu pai adotivo, herda uma missão. Dorothy segue rumo a uma cidade amaldiçoada chamada Nuvem de Trás e, ao percorrer caminhos reais e imaginários, depara-se com o inesperado, constrói amizades, faz descobertas não só sobre o pai, mas também sobre si mesma.

“A história foi escrita para qualquer pessoa que já tenha sentido uma desconexão pessoal em relação ao mundo. Os personagens da história carregam o dom de serem autênticos, porém também carregam o peso de não se encaixarem na sociedade em que vivem. Quero que meus leitores se espelhem nesses personagens e acreditem que ser uma pessoa melhor é possível, mesmo em um mundo que lhes diz o contrário”, conta Renault, revelando como foi realizada a ambientação desse universo imaginário.

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“A criação de um mundo distópico sempre parte da hipérbole de características já presentes na sociedade em que vivemos. Em ‘Nuvem de trás’, exagerei a apatia e a indiferença das pessoas, umas em relação às outras, algo que se reflete na falta de subjetividade dos habitantes, na ausência de criatividade e até no clima sempre nublado da cidade.”

De acordo com o autor, que é médico formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, romances como “O gigante enterrado”, de Kazuo Ishiguro, e “Periféricos”, de William Gibson, além dos filmes “Indiana Jones” e “John Carter”, são algumas influências de seu primeiro projeto literário. “Nuvem de trás” foi lançado ontem, na Autoria Casa de Cultura.

Marisa Loures: A jornada de Dorothy é também uma descoberta sobre o pai e sobre si mesma. Como a perda do pai (Deboche ) impulsiona a heroína a encontrar seu destino?

Gabriel Renault: Dorothy passa a ler o diário do pai e mergulha na missão deixada de herança, como forma de retribuir Deboche por tê-la encontrado e a criado como sua filha. A princípio, toda a aventura é uma dívida para com Deboche, mas, aos poucos, Dorothy vai se apropriando da narrativa, de tal forma que ela vai evoluindo como indivíduo e criando um legado próprio.

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Dorothy e o palhaço Deboche são personagens muito simbólicos. Você poderia falar sobre o que eles representam para você e para a narrativa?

Deboche representa o quebrar as amarras e buscar a própria felicidade. Ele sabe que tem tudo de que precisa dentro de si. Viveu uma vida plena e sente que tem uma dívida para com o mundo de onde veio, a cidade de Nuvem de Trás. Dorothy, em um sentido oposto, por vir de um passado de desamparo, deve criar seus laços e é, de certa forma, a continuação do projeto de vida de Deboche, e deve fazer a reparação não realizada pelo pai.

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A melancolia e a alegria se entrelaçam na narrativa, especialmente na figura do palhaço. O que essa dualidade representa para você em termos humanos e existenciais?

Em Deboche, o humor é revolucionário, é onde ele começa, é como ele traça sua fronteira com o mundo. É sua autoafirmação. Muitas vezes, no humor, temos os que riem e os que são o motivo da piada. Para Deboche, não temos essa distinção, tudo é gozação. Por vir de um mundo melancólico, traz o humor em si como uma descoberta, ao mesmo tempo universal e pessoal, o que torna seu fazer rir tão único e mágico.

“Nuvem de trás”, de Gabriel Renault (Foto: Divulgação)

Este é seu livro de estreia. Como foi a experiência de dar vida à sua primeira obra e mergulhar na criação de um universo de fantasia?

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Acredito muito no poder da fantasia de transformar a realidade. Se eu escrevi essa história, é porque o mundo precisava que ela fosse escrita. Não é um capricho pessoal, Nuvem de Trás tem algo a ensinar. Meu processo de escrita foi muito ético, tanto para com o leitor, pois nunca posso subestimá-lo, quanto para com os personagens, pois tenho com eles um mutualismo.

Você se formou em Medicina, uma área bastante distinta da literatura. De que maneira sua formação e experiência como médico influenciam sua escrita, o olhar sobre os personagens ou a criação do universo de “Nuvem de trás”?

A medicina, assim como a escrita criativa, é uma arte. Durante boa parte da minha graduação, eu tinha a intenção de me tornar psiquiatra e, para tal, eu sabia que teria que ler muito para adquirir um maior repertório de subjetividades e compreender melhor a psiquê humana. A ideia de me tornar psiquiatra foi ficando de lado, mas esse amor que desenvolvi pela literatura permaneceu. De forma sutil, a Medicina também incentiva a escrita, pois, quando atendemos um paciente, devemos escrever sua história clínica de forma enxuta no documento que chamamos de anamnese, que deve ser minimamente bem escrita para que outros médicos entendam. E saber ler é essencial, pois cada paciente se expressa de uma forma única, que deve ser ouvida e interpretada pelo médico. E acho que ser um bom médico me ajuda muito a ser um bom escritor, pois me permite estar aberto a outras vivências, o que é indispensável para quem se envereda nesse mundo da escrita.

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