Há momentos em que o artista tem que se posicionar. “Ele não pode ficar indiferente ao que se passa na vida política do país”, assevera o jornalista e escritor Roberto Nicolato, fazendo referência aos poemas que ele escreveu como forma de crítica ao fascismo e aos tempos de ódio e de violência. Tempos em que, segundo ele, até a poesia foi assassinada. “[…] eles chegaram de repente, os donos do alvorecer,/ os sem validade, os de pátria, párias, e falsa utopia,/ profanaram o templo, o templo sagrado,/ em valsas, cantorias, encenações…/ Na noite sem tempo, calaram os pássaros”, disparou o poeta mineiro, em “A noite sem tempo”, um dos 43 poemas de livro homônimo, que fora lançado em 2023 já carregando uma premiação no concurso “Outras palavras”, do governo do Estado do Paraná.
Se o poeta apresenta uma escrita engajada e afiada, ela foi motivada pelo momento vivido. Mas esse momento também pediu que o poeta refletisse sobre amor, infância, aspectos metafísicos e morte. “O livro traz a marca desses tempos sombrios, da tragédia que foi a pandemia e que se abateu sobre todos nós. É um livro que fala de amor, mas também da nossa triste condição humana, buscando sempre a beleza em todas as coisas que, acho, é o mote principal da poesia”, afirma Nicolato, ressaltando que a nova obra chega aos leitores como uma espécie de continuação de “Pequeno tratado do amor e da natureza”, livro publicado em 2020 e que marca a entrada dele no universo dos versos.
Nicolato é de Sant’Ana do Campestre, cidade próxima a Cataguases. Morou em Juiz de Fora e aqui fez Comunicação Social. Aliás, agora que já se aposentou do jornalismo, está voltando a estreitar os lanços com nossa cidade. Vale a pena contar aqui que “A noite sem tempo” também apresenta poemas produzidos lá na década de 1980, época em que Juiz de Fora era sua casa. Na lista de suas publicações, estão os romances “Pacto” (2022) e “Do outro lado da rua” (2022).
Marisa Loures – A crítica ao fascismo, aos tempos de ódio e de violência, em que até os poemas foram assassinados (como você escreve) está presente no seu novo livro. Aliás, um dos poemas que retratam essa questão é “A noite sem tempo”, que também é o título da obra. Por que era importante ter esse título no seu livro?
Roberto Nicolato – No livro, eu incluí pelo menos quatro poemas com a temática social e um deles é “A noite sem tempo”, que faz uma crítica ao fascismo e ao extremismo de direita, que então emergiu com força no país. Acho que, em determinados momentos, não há como a arte, o artista, ficar indiferente ao que se passa na vida política de um país. Era um momento de resistência, de se posicionar, já que estão em jogo os pilares da democracia. Mas sem, com isso, se esgueirar pelo panfletarismo barato. O poema começa com uma alusão à Noite dos Cristais e revela aquele momento em que se instaura a violência, o totalitarismo, e tudo se quebra. Um silêncio de morte para não ser nunca mais esquecido. Na história da literatura, existem momentos em que o escritor precisa se engajar, e isso aconteceu com Sartre, no período da Resistência Francesa, com Carlos Drummond de Andrade, no livro “A rosa do povo”, com Affonso Romano de Sant’Anna, no poema “Que país é este?, com os escritores dos anos 70, que lançaram verdadeiros manifestos contra a ditatura…
– E por que era necessário publicar este livro neste momento?
– “A noite sem tempo” é uma obra que foi premiada no concurso “Outras Palavras”, promovido pelo governo do Estado do Paraná, há cerca de três anos, com recursos da lei Aldir Blanc. Além do prêmio em dinheiro, havia a possibilidade de publicação, o que não aconteceu até agora. Então me antecipei, achei que o momento de publicação era esse, em que predomina o discurso de ódio, sob o manto hipócrita do lema “pátria, família e religião”. O resto é o que nós sabemos…
– Você está voltando para MG depois de anos e anos radicado em Curitiba. Vai ficar com um pé lá, outro aqui. Sei que agora você se dedica inteiramente à literatura. Existem planos de voltar a se envolver com a cena literária aqui de Juiz de Fora? Quais são seus projetos?
– Depois de um tempo longe, acho que chegou o momento de estar mais próximo da família e das raízes, que sempre estiveram presentes no meu trabalho. É que o espírito de Minas nunca sai da gente, nos acompanha, sempre. Gostaria, sim, de me envolver com a cena local e, quem sabe,não faço um lançamento aí em Juiz de Fora? No próximo ano, eu estarei lançando um livro de contos “Nos domínios de Leviatã”, pela lei de incentivo aqui de Curitiba. O livro trata de minha infância em Minas, sobre Curitiba e traz uma longa história sobre a pandemia.
– Além de poeta, você é romancista. Seu romance mais novo é “Pacto”, publicado em 2022. Hoje, você se sente mais à vontade na prosa ou no universo dos versos? Aliás, como você avalia sua poesia hoje? Pergunto isso porque você se mostrou bem crítico em relação à sua produção poética.
– Para mim, poesia é algo que exige técnica, muita leitura e uma vivência peculiar das coisas. Não é uma tarefa fácil escrever poesia, que eu considero um antídoto contra o automatismo nas relações do cotidiano e contra a desumanidade em que estamos mergulhados. Desautomatização dos sentidos. Escrevo em momentos de insigths para depois elaborar mais, ou deixar como está. Prosa exige mais disciplina, tempo mais alongado. A poesia veio primeiro na minha vida. Coisa de alma, de contemplação do belo. Prosa é desafio. Quem sabe um dia ainda escrevo um grande romance?
– E no romance você volta no tempo para escrever sobre a juventude da década de 1970. Em alguns dos seus poemas, você também se ancora nas lembranças de infância. Percebo, então, que as memórias são um elemento muito importante para a sua literatura…
– Sim. Penso que não tem como preservar a identidade sem recorrer à memória. Memória que, por vezes, nem de longe é o que se passou, mas o que criamos e gostaríamos que fosse. Isto está nos meus romances “A caminhada ou o homem sem passado’, “Do outro lado da rua” e no próximo livro de contos. Um homem sem memória é um homem sem identidade. No meu livro experimental, “Do outro lado da rua”, em que há uma conversa entre jornalismo e literatura , brinco com as armadilhas da memória na pele de um personagem idoso. Assim como na vida, memória também é invenção.
Autor: Roberto Nicolato
Editora: Kotter Editorial (104 páginas)