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Valter Hugo Mãe e outros grandes nomes da literatura passam pelo Fliaraxá durante o feriadão

Afonso Borges Ph Daniel Bianchini 22
O escritor mineiro e gestor cultural Afonso Borges é o criador do Festival Literário de Araxá, que, nesta oitava edição, tem como tema “Literatura, leitura e imaginação” – Foto Daniel Bianchini
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 21 de março de 1839. Nascia Joaquim Maria Machado de Assis. Na próxima sexta-feira, este que é considerado por boa parte da crítica especializada como um dos maiores escritores da nossa literatura faria 180 anos. Uma data que merece ser lembrada e que definiu os dias do Festival Literário de Araxá. Entre 19 e 23 de junho, a pequena cidadezinha de pouco mais de 100 mil habitantes, localizada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, volta a receber escritores do Brasil e do mundo. Não por acaso, Machado de Assis é o patrono desta oitava edição, cujo tema é “Literatura, leitura e imaginação”,

Como homenageado deste ano, o escolhido é o angolano radicado em Portugal Valter Hugo Mãe. O autor assina as ilustrações que compõem a parte visual do festival, participa de mesas e bate-papos e lança os livros “As mais belas coisas do mundo”, “Contos de cães e maus lobos” e “O nosso reino”, todos pela Biblioteca Azul. Vale ressaltar que a programação é totalmente gratuita e estão previstos debates, conversas, sessões de autógrafos, encontros e leituras.

Cerca de 140 convidados, entre José Eduardo Agualusa, Conceição Evaristo, Luiz Ruffato, Heloisa Starling, Marina Colasanti, Alice Ruiz, Cristovão Tezza, Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Torres, Edney Silvestre, Míriam Leitão, Antonio Prata, Pedro Bandeira e Zuenir Ventura são esperados por lá. É muito nome de peso reunido em um só lugar. Quem quiser conferir toda a programação do festival, basta acessar www.fliaraxa.com.br

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Convidado do Sala de Leitura de hoje, Afonso Borges é gestor cultural e criador do Fliaraxá. Ele desenvolveu e coordena, há mais de 30 anos, o Sempre Um Papo, projeto que já atuou em mais de 30 cidades de oito estados brasileiros, com a proposta de incentivar o hábito da leitura. Seus livros publicados são “O menino, o assovio e a encruzilhada” (Sesc Editora, 2016),  “Retrato de época” (poemas, 1980), “Bandeiras no varal” (poema-plaquete, 1983), “Sinal de contradição – Conversas com Frei Betto” (Ed. Espaço & Tempo, 1988), “Profecia das Minas” (poemas, 1993) e “Olhos de Carvão” (Record, 2017).

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Nossa conversa passa pelo festival e, claro, educação, leitura e livros. O que será que Afonso Borges descobriu sobre a literatura brasileira acumulando uma trajetória de mais de 30 anos do Sempre um Papo e sete edições já realizadas do Fliaraxá?  “Que só a leitura ativa todos os sentidos”.

Marisa Loures – A primeira edição do Fliaraxá foi realizada em 2012, com 25 autores convidados e um público de 6 mil pessoas. No ano passado, eram 125 autores, e o público presente chegou a quase 30 mil pessoas. Neste ano, são esperados 140 convidados, entre escritores locais, nacionais e internacionais. Qual é o segredo para fazer o Brasil e o mundo voltarem os olhos para Minas Gerais?

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Afonso Borges – Não tenho isso com objetivo. O Fliaraxá cresce, anualmente, por alguns motivos. O primeiro, a sustentabilidade, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, graça à confiança que a CBMM tem no projeto; segundo, a credibilidade que a comunidade de Araxá transferiu ao projeto, ao abraçar-lo; e terceiro, à qualidade dos convidados. Estes ingredientes, misturados, dão o tom do Festival.

 – Por que a escolha de Valter Hugo Mãe como homenageado da edição deste ano e de que forma a obra dele como escritor e artista plástico dialoga com toda a proposta do evento?

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O Fliaraxá tem vocação de diálogo com os países lusófonos. O primeiro convidado, em 2012, foi José Eduardo Agualusa, que retorna este ano. Ano passado, Mia Couto. Natural que Valter Hugo seja escolhido. Acontece que ele representou um diferencial imenso por causa do seu trabalho com artes plásticas. Todo o festival foi ilustrado por ele. Esta será uma edição histórica e única. Foi uma rara e feliz parceria.

Homenageado do Fliaraxá, Valter Hugo Mãe lança três livros e assina as ilustrações que compõem a parte visual desta edição do evento – Foto de Rita Rocha – Época

– De que forma o Fliaraxá tem atuado para trazer resultados significativos, no que diz respeito à leitura, em Araxá e região, não só nos dias do evento, mas ao longo de todo o ano?

Este ano vamos desenvolver uma pesquisa com metodologia mais rígida. Mas nós observamos o aumento no índice da leitura no próprio depoimento dos jovens, dos professores, por incrível que pareça, nas crianças. O foco do Fliaraxá é a formação e o incentivo à leitura. Por isso nossas principais atividades estão centradas nessa faixa etária. Este ano fizemos quase duas semanas de ações nas escolas, intitulado de “Pré-Fliaraxá”.

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– No próximo dia 21, comemora-se 180 anos de nascimento de Machado de Assis, autor que foi escolhido como patrono na edição deste ano e que será homenageado com a presença de Marco Lucchesi, atual presidente da Academia Brasileira de Letras. A instituição teve Machado de Assis como o primeiro presidente e um dos fundadores. Qual a importância desse autor para um país que tem resistência em aceitar negros em posição de protagonismo intelectual e como se dará a homenagem a ele?

A data do Festival foi definida por este motivo: dia 21 de junho é o aniversário de 180 anos de Machado de Assis. Não foi por causa do feriado que, no frigir dos ovos, atrapalha um pouco porque tudo fica mais caro. A ABL vem com cinco acadêmicos: Marco Lucchesi, Antonio Carlos Secchin, Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Torres e o mineiro Zuenir Ventura. Afora alguns que, um dia, serão, como Marina Colasanti e Cristovão Tezza. Só essas presenças já dizem por si e determinam a importância de Machado de Assis no Festival.

– Você fez questão de ressaltar que esta edição é a mais sintonizada quando se fala em trabalho em conjunto. A curadoria foi dividida com outras quatro pessoas, entre elas Marcia Tiburi, que ficou responsável por um espaço dedicado a rodas de conversas com mulheres. Esse trabalho mais voltado para questões femininas e feministas no festival foi uma resposta a uma demanda?

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Sim. O trabalho em conjunto foi determinante para a construção de uma curadoria equilibrada em torno do tema “Literatura, leitura e imaginação”. É simplesmente impossível uma pessoa só concentrar em si toda a responsabilidade curatorial de um festival deste tamanho. O diálogo é importantíssimo! A questão feminina foi espontânea e surgiu de um evento do Sempre Um Papo,  onde aconteceu o lançamento conjunto de livros de três extraordinárias mulheres: Leila Ferreira, Daniella Zupo e Carla Madeira. O convite para Marcia Tiburi coordenar, do exterior, veio daí.

– Um festival que tem como tema “Literatura, leitura e imaginação” me faz pensar na estimativa alarmante do Banco Mundial de que o Brasil vai demorar 260 anos para atingir o nível educacional de países desenvolvidos em leitura. Como autor e alguém que está à frente de importantes projetos voltados para o incentivo à leitura, vê uma possibilidade de se reverter esse quadro a curto e médio prazo?

Nossa, queria tanto que a Marina Colasanti respondesse esta pergunta, ou o Pedro Bandeira, ou o próprio Zuenir Ventura. Gente que se dedicou a vida inteira a divulgar o livro, a leitura e a literatura. A vida real é como a fábula do passarinho que decide carregar uma gota de água para jogar no incêndio da floresta. Cada um fazendo a sua parte. Se uma, apenas uma criança, sair do Fliaraxá disposta a ler livros, já valeu a pena! A minha sorte é que dezenas saem! Só conferir.

– Em uma entrevista concedida à revista Sagarana, você pontuou sobre a educação ao longo das perguntas que lhe foram feitas, fazendo uma ponte entre a leitura e a educação, além de destacar que o projeto Sempre Um Papo contribui para alargar os horizontes das pessoas que participam dele. Hoje, a educação e os educadores têm sido alvo do rancor de uma parcela da sociedade que não compreende o potencial transformador na vida das pessoas. Que mensagem você deixaria para essa parcela da população que não alcançou ainda esse entendimento acerca da educação?

“Eu acredito muito no que nós somos, no que nós nos transformamos, nas últimas décadas. Contra o preconceito, o esclarecimento; contra a barbárie, a leitura; contra o cerceamento à cultura, uma obra de arte.” Afonso Borges

Nossa, pergunta boa e difícil. Tangenciando a intolerância e beligerância, tem sempre um adversário perigoso: a ignorância. Ela, sim, é o motor dos maus feitos, dos maus exemplos, do repúdio à educação livre. Mas eu acredito muito no que nós somos, no que nós nos transformamos, nas últimas décadas. Contra o preconceito, o esclarecimento; contra a barbárie, a leitura; contra o cerceamento à cultura, uma obra de arte. Na história da humanidade, até nos períodos mais críticos, como nas guerras, o patrimônio foi respeitado. Veja o exemplo das capelas nas rochas de Göreme, na Turquia. Elas foram as primeiras igrejas do planeta e sobreviveram a todas as piores guerras, naquela região. Como diz uma frase que carrego no meu celular: “a leitura prejudica gravemente a ignorância”. Vamos por aí.

Festival Literário de Araxá – De 19 a 23 de junho, com entrada gratuita

Programação completa em www.fliaraxa.com.br

 

 

 

 

 

 

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