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Montagens locais de “A máquina” e “A dona da história” trazem João Falcão a Juiz de Fora

João Falcão 2 crédito Flora Negri
O roteirista, diretor e compositor, criador dos espetáculos “A máquina” e “A dona da história”, é homenageado por atores locais, com coordenação da CorreCotia Produção Cultural – foto de Flora Negri
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Marieta Severo e Andréa Beltrão brilhavam nos palcos cariocas com “A dona da história” quando o pernambucano João Falcão, autor e diretor do espetáculo, declarou, em entrevista à “IstoÉ”, que queria desvirginar o teatro. Segundo a publicação de fevereiro de 1999, Falcão era da opinião de que a arte de representar num palco andava muito recatada, tímida e avessa a novas experiências. No último sábado, quando perguntei se ele conseguiu, cerca de 20 anos depois, desvirginar o teatro, a resposta veio aos risos.

“A gente, quando é jovem, fala muita coisa”, brinca. “Mas eu acho que o teatro é o lugar onde você pode fazer experiências mais ousadas. Basta que tenha um ator e uma pessoa para assistir, e você já pode fazer uma peça. Não precisa de grandes aparatos técnicos ou financeiros para fazer um trabalho. Você pode experimentar, pode transformar no dia seguinte. É algo que está sempre em movimento. E essa própria natureza do teatro, de ser algo possível de mutação o tempo inteiro, é revolucionário, é propício à experimentação. Nesse sentido, a gente está sempre mexendo, revolucionando, desvirginando de certa maneira”, afirma o roteirista, diretor e compositor que, na próxima sexta-feira, vem a Juiz de Fora para conferir, de perto, os espetáculos “A dona da história” e “A máquina” (adaptação de livro homônimo de Adriana Falcão), levados ao palco por atores aqui da cidade. As apresentações em sua homenagem fazem parte do projeto Broa de Fubá com Bolo do Rolo, capitaneado pela  CorreCotia Produção Cultural

Antônio é o personagem principal de “A máquina”, cuja história se passa na fictícia Nordestina. A montagem local ganhou adaptação de Léo Mota e, nela, o protagonista deixa o pequeno lugar para trás para ganhar as luzes da metrópole. Seu desejo era ter Carina por perto, e o dela, era ir para o mundo. Músicas de João Falcão utilizadas em outros de seus trabalhos compõem a trilha sonora com novos arranjos de Felipe Brito. Em cena, sob a direção de Philipe Faria, estarão os atores Emmanuel Castro, Caroline Gerhein, Lucas Vieira, Victor Araújo, Luidy Mendonça e Sandra Almeida.

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Já, em “A dona da história”, uma mulher encontra-se com ela mesma, mais jovem, em um determinado momento da vida. Nesse encontro, uma espécie de acerto de contas entre a maturidade e a juventude, ela tem a oportunidade de repensar a vida, pensar em como as coisas teriam sido se ela tivesse feito outras escolhas. As atrizes Larissa Zimmermann e Marcia Mello sobem ao palco com direção de Philipe Faria e Marcus Amaral. Os dois espetáculos serão apresentados dias 19, 20 e 21 de outubro, às 19h (“A máquina”) e às 21h (“A dona da história”), no Teatro Paschoal Carlos Magno.

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Apresentador da série “Teatro no ato”, no Canal Arte 1, João Falcão é responsável por grandes trabalhos no teatro brasileiro, entre eles “Gonzagão – a lenda”, que recebeu o Prêmio Bibi Ferreira de melhor direção, melhor roteiro original, melhor direção musical e melhor musical; “Gabriela – Um musical”, pelo qual ganhou o prêmio APCA como melhor diretor; e “Clandestinos”, espetáculo que depois virou série da TV Globo. Na TV, também escreveu e dirigiu séries, como “A comédia da vida privada”. Para a tela grande, criou a trilha musical do filme “O auto da compadecida” e “Lisbela e o prisioneiro” e roteirizou e dirigiu os filmes “A máquina” e “Fica comigo esta noite.”

No fim de semana em que o espetáculo “A dona da história” será apresentado em Juiz de Fora, as atrizes Ângela Dippe e Luana Martau terminam temporada da mesma peça em São Paulo, com direção de João Falcão. A coincidência das datas, no entanto, não incomoda o criador da obra.

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Em “A máquina”, Antônio deseja ter a amada Carina por perto, mas o sonho dela é ir para o mundo – Foto Divulgação

Marisa Loures – Quando você fez a primeira montagem de “A máquina”, no início dos anos 2000, com Lázaro Ramos, Wagner Moura e Vladimir Brichta revezando-se na pele do protagonista, era casa lotada todo dia e sessões extras. Antônio é um jovem simples que chama a TV para vê-lo romper a barreira do tempo e que não faz muito esforço para atrair a atenção dos programas sensacionalistas. Ele dá um pulo no futuro para trazer um mundo melhor que o presente. A que se deve a grande identificação do público com esse personagem?

João Falcão – O Antônio é uma espécie de herói porque, em vez de ele deixar que sua amada vá para o mundo, ele traz o mundo para a cidade. Todo mundo está saindo de lá, está migrando, ele traz o mundo para a cidade para conquistar o amor. Nestes tempos em que a gente vive, o amor levado a essas consequências é quase heroico.

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– Em “A dona da história”, uma mulher de 50 anos tem a oportunidade de conversar com ela mesma aos 15. Ali, ela pode repensar sua vida, pensar em “como as coisas teriam sido se ela tivesse feito outras escolhas.” É uma indagação que você também se fez quando escreveu a peça?

Acho que é uma indagação que a gente sempre se faz. A gente acha que, dependendo do caminho que a gente escolhe, às vezes, simples decisões poderiam levar a gente por caminhos totalmente diferentes. É uma indagação de muita gente, da vida toda.

–  Os dois espetáculos viraram filme. “A máquina” foi dirigido por você, já “A dona da história” ficou por conta do Daniel Filho. Esses textos funcionaram mais no teatro ou no cinema?

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“A máquina” foi adaptada de um livro. Então, a adaptação para o teatro é uma coisa bem teatral mesmo. São os atores no palco. Já no cinema você tem todos os cenários, tem cortes, tem planos. São linguagens bem diferentes, mas acho que os dois funcionaram bem no cinema. “A dona da história” já é uma adaptação da peça, foi escrita para o teatro. Quando fui fazer o filme da “Máquina”, me desliguei totalmente da peça, voltei ao livro e fiz toda a adaptação para o cinema. Para mim, o teatro é o lugar delas original. Mas, no cinema, ganharam montagens muito interessantes e que fizeram muito sucesso.

– Como foi ver “A dona da história” sendo adaptada para o cinema por outra pessoa? Teve vontade de dar alguns palpites?

Eu escrevi a primeira versão do roteiro. Cinema tem isto. O roteiro passa por vários tratamentos. Você faz um primeiro, depois vai discutindo. Cinema é um trabalho muito em equipe. Acho que o último tratamento do roteiro foi feito pelo João Emanuel Carneiro se não me engano. Participei, dei pitacos, fiz sugestões.

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– “A dona da história” termina temporada em São Paulo com as atrizes Ângela Dippe e Luana Martau  no mesmo fim de semana em que estará em cartaz aqui em Juiz de Fora. Outro autor talvez não permitisse a montagem. No entanto, você autorizou e vem aqui prestigiá-la. Como você vê essa questão da liberação dos direitos autorais e qual sua expectativa para a montagem daqui?

O teatro tem essa coisa. No cinema, você tem cópias. Você faz o filme, monta, bota na lata e está pronto para fazer várias cópias para ser exibido várias vezes por dia e em vários lugares do Brasil e do mundo. No teatro, não. Você tem que ter os atores livres. Então, é sempre bom que tenha outras montagens para que as pessoas vejam. No teatro, se os atores não estiverem presentes, a sessão não acontece. E, mesmo que a montagem vá aos lugares, acho que vale a pena ver mais de uma, porque são trabalhos completamente diferentes. Você monta e, dependendo da direção, dos atores, do resto da equipe, o resultado é completamente diferente. Eu, por exemplo, gosto de ver mais de uma montagem da mesma peça. Existem peças que são montadas há 500 anos. Já vi várias montagens de “Romeu e Julieta” e “Hamlet”, por exemplo, e cada uma é diferente.

Larissa Zimmermann e Marcia Mello na montagem juizforana de “A dona da história” – Foto Divulgação

– A primeira montagem sua de “A dona da história” foi com a Marieta Severo e a Andréa Beltrão. O que te fez retomar esse texto cerca de 20 anos depois e como foi a escolha da Ângela Dippe e da Luana Martau para a montagem que está em cartaz em São Paulo?

Elas que me escolheram, me pediram um texto. Elas queriam fazer uma peça juntas, são muito amigas e têm muita identificação artística. Elas me procuraram, já tinham visto uma peça minha e tinham gostado. Teatro é atemporal. Embora fale sobre o tempo (é uma  mesma pessoa que se encontra no passado e no futuro), é uma peça que, a qualquer momento, pessoas vão sempre se questionar sobre este assunto: o destino, o livre arbítrio e as escolhas da vida. É uma peça que pode ser montada a qualquer tempo.

– Você tem preferência por escrever para o teatro, cinema ou TV?

O teatro foi onde eu comecei, experimentei as minhas coisas todas. A partir daí, fui chamado para fazer TV, cinema e outras coisas. Mas teatro é onde pude fazer minha escola. Não fiz escola de dramaturgia, de direção, de nada assim. Aprendi o que eu sei fazendo e fazendo com amigos. Teatro é uma coisa que você faz com amigos, com a sua turma. Nem sempre você precisa de grandes investimentos, pode fazer teatro com poucos recursos. Então, foi no teatro onde eu aprendi tudo o que eu sei e é o lugar para onde eu volto sempre para agradecer e para aprender novas coisas também. Teatro, para mim, tem esse significado.

“O artista, quando faz sua arte, já se posiciona politicamente de alguma maneira. Não só o artista, mas todo o cidadão, principalmente em momentos difíceis, tem que se posicionar a respeito dos fatos, do que está acontecendo em seu país e do que pode acontecer.”

– Vivemos tempos sombrios no campo das artes, uma vez que arte e política estão imbricadas. Artistas das mais variadas expressões vêm sofrendo retaliações. Qual o papel da arte e dos artistas neste contexto de pessimismo? É possível encontrar formas de otimismo? Como?

A arte é o modo de refletir o momento, o seu tempo. Volto a dizer que o teatro mais ainda, porque ele é uma arte quase que factual. Você pode fazer na hora. Pode colocar dentro de uma peça alguma coisa que aconteceu no mundo a sua volta e apresentar em pouco tempo. Acho que o artista, quando faz sua arte, já se posiciona politicamente de alguma maneira. Não só o artista, mas todo o cidadão, principalmente em momentos difíceis, tem que se posicionar a respeito dos fatos, do que está acontecendo em seu país e do que pode acontecer. Ainda mais que o artista é admirado, também, por sua visão de mundo, visão das coisas que acontecem a sua volta.

Sala de Leitura com João Falcão – quinta – feira, às 9h40, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM 1010)

“A dona da história”

Autor: João Falcão

Editora: Objetiva (120 páginas)

 

 

 

 

 

 

 

“A máquina”

Autora: Adriana Falcão

Editora: Salamandra (80 páginas)

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