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Dos passinhos de dança do Rio à poesia falada da juventude de Nova Orleans

Aline Maia foto destaque
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A jornalista e professora juiz-forana Aline Maia mergulhou no universo dos passinhos cariocas e na poesia de jovens de Nova Orleans e apresenta sua pesquisa em “Rabisca e publica”, com lançamento agendado para o dia 23 de julho – Foto Divulgação
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Rio de janeiro. Brasil. Cantagalo. Cenário do III Favela em Dança onde jovens do Rio de Janeiro e da Baixada fariam apresentações na Mostra de Grupos. Os organizadores ainda se ocupavam dos preparativos do evento. Tensão era o que a jornalista e pesquisadora sentia enquanto subia caminhando por ruelas. E não é para menos, levando em conta as imagens que os noticiários policiais mostram exaustivamente. “Tentava desvencilhar-me de preconceitos”. No salão localizado próximo ao Brizolão, a interação com a jovem responsável pelo credenciamento mudou tudo. “Senti a aflição se dissipar. Já estava me ambientando”.

Nova Orleans. Estados Unidos. Lá, não é a dança, mas, sim, a poesia que reúne inúmeros jovens. Ela se sentia aflita enquanto aguardava para o início das apresentações. Era sua segunda participação no Noyom (New Orleans Youth Open Mic). Queria estabelecer contato. Sentia-se envergonhada por seu inglês abrasileirado. Também lá, a ansiedade logo foi embora. Seu sotaque foi o mecanismo de aproximação. “Queria interagir com os adolescentes ali presentes, mais que simplesmente observá-los”, escreve a jornalista e pesquisadora Aline Maia em “Rabisca e Publica: juventudes e estratégias de visibilidade social e midiática” (330 páginas), cuja live de lançamento está marcada para o próximo dia 23, às 20h, no Instagram.

Defendida na PUC-Rio, em 2017, a obra é resultado de sua tese de doutorado e agora chega até os leitores através da Appris Editora, com apresentação da professora e pesquisadora brasileira Claudia Pereira e prefácio da estudiosa norte-americana Vicki Mayer (TulaneUniversity). Na publicação, Aline traz a pesquisa que fez nos espaços cariocas da dança do passinho – dança originada nas favelas cariocas no início dos anos 2000 – e nos encontros de poesia da juventude de Nova Orleans, nos Estados unidos.

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“Apresento a etnografia realizada entre sujeitos do Brasil (Rio de Janeiro) e dos Estados Unidos (Nova Orleans), indivíduos que estão no centro do debate e têm em comum a singularidade do corpo performático enquanto instrumento de reivindicação de voz: seja pela dança ou pela palavra falada, muitas vezes ultrapassando, pela mobilização cultural e artística, a geografia de suas cidades. O objetivo? Aprender, compreender e discutir representações e estratégias de visibilidade a partir de práticas de comunicação empreendidas por estes sujeitos, jovens pretos e favelados. O ponto de partida é o entendimento de que estamos inseridos em um contexto de padrões institucionalizados de valoração sociocultural que fazem com que algumas pessoas se tornem ‘invisíveis’ simplesmente pelo fato de não responderem a modelos ideais de ser, ter, pertencer, comportar-se. Nesse cenário modelado, cidadãos pretos, pobres e residentes de áreas faveladas podem ter suas interações cotidianas afetadas por aquilo que os marca enquanto ‘desviantes’ do que é estabelecido como socialmente aceitável, um estigma”, dispara Aline, que escreveu pensando em ter como público-alvo educadores, estudantes, mães e pais, jovens e lideranças comunitárias. Todos que gostam “e tem conexão com culturas juvenis.”

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“Rabisca e publica” nasce para colaborar com a vida das pessoas que participaram da pesquisa, ultrapassando o campo acadêmico, e traz não só o relato de uma pesquisadora e jornalista que foi a campo, mas, sim, de alguém que viveu e aprendeu com tantos jovens que usam sua arte para lutar por reconhecimento. “Este é um livro sobre tornar possível. Ou melhor, sobre tornar visível”, define, no prefácio, Claudia Pereira.

Marisa Loures – Achei ótima a frase do Thiago de Paula, líder do coletivo Passinho Carioca, que abre a introdução de “Rabisca e Publica”: “Essa é Aline. Ela não dança, mas ama passinho.” Tenho certeza de que, depois da imersão para a escrita dessa obra, a Aline Maia não é a mesma de antes. Quem é a Aline?

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Aline Maia – Jornalista, pesquisadora e professora universitária. Hoje, casada e mãe. Mas, para além destas “credenciais”, vale dizer que também sou um pouquinho de cada jovem que participou da pesquisa que resultou no livro agora publicado. Sou mulher, negra, cresci em um bairro da periferia de Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata de Minas Gerais. Trabalho desde os 13 anos. Filha de profissionais autônomos que não tiveram a oportunidade de completar o ensino médio. Mas, graças à dedicação incansável de minha mãe – para que eu e meus irmãos tivéssemos acesso à Educação que ela não pôde ter -, sou a primeira da minha família a ingressar em uma universidade e concluir um curso de graduação, mestrado e doutorado. Fiz intercâmbio nos Estados Unidos. Por isso, o livro e as histórias que dão vida a ele têm muito significado para a minha própria história, e a da minha família, como um todo. Certamente, este livro começou a ser escrito quando meus avós maternos saíram da zona rural rumo à “cidade”, em busca de melhores condições de vida, de melhores oportunidades para os filhos. Meus tios, meus pais deram continuidade a essa busca, e seguimos nós, terceira geração, tentando traçar nossa melhor história. Claro, com muito trabalho, algumas renúncias e dedicação extrema. A estrada que percorri até agora trouxe muitos obstáculos, assim como revelam as trajetórias dos meninos e meninas que fazem parte de “Rabisca e Publica”. Assim, após a imersão para esta investigação, posso dizer que sou mais ciente do meu papel e da minha responsabilidade como mulher negra pesquisadora. Em determinado trecho do livro, ressalto isso, citando a teórica indiana Gayatri Spivak: “A mulher intelectual como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio”. Sem dúvidas, um dos principais ensinamentos que levo deste estudo está em ouvir as pessoas. Conversar com elas, aproximar-me delas. Colocar-me no lugar delas. Isso também é Comunicação e é Comunicação para transformação. Destaco no livro e acho interessante ressaltar aqui, complementando minha resposta para a sua pergunta: “Rabisca e Publica” diz muito de mim, do meu lugar de fala, de minhas próprias vivências e anseios, da minha busca particular e íntima por romper as fronteiras de um ethos paralisante quando estamos às margens. Ah, e sim, eu não danço, mas amo passinho! Fascina-me ver os corpos performáticos, flexíveis, que saltam, cruzam, rabiscam o chão. Assim como me encanta ouvir em alto tom as vozes juvenis que fazem ecoar versos carregados dos sentimentos mais íntimos de quem os escreveu, exprimindo medo, inquietação, questionamento, provocação, alegria e muito mais nos eventos de spokenword.

– Apresente um pouco mais a sua obra. Quais caminhos você percorreu para fazer a sua pesquisa?

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Digo que o livro “Rabisca e Publica: juventudes e estratégias de visibilidade social e midiática” é resultado do trabalho árduo de muitas mãos juntas das minhas. Enquanto jornalista e pesquisadora, lancei-me nos caminhos da Antropologia e desafiei-me a fazer uma etnografia, reconhecendo que indivíduos juvenis são participantes ativos da tessitura que agora apresento. Trata-se de um livro que conta histórias de pessoas que conseguiram vencer muitos obstáculos criados pelo preconceito e pela ordem estabelecida. Como relato na obra, em território brasileiro, estudei e aprendi sobre o passinho, dança originada nas favelas do Rio de Janeiro, no início dos anos 2000. Dos bailes nos morros, o passinho saltou para a internet, vitrine do ritmo a outros olhares. Atualmente, com presença em conteúdos de mídia e no discurso publicitário, o estilo herdeiro do funk foi assistido por milhões de pessoas ao redor do mundo ao ser apresentado como parte da identidade carioca na cerimônia de abertura das Olimpíadas, por exemplo, em agosto de 2016. Foi participando de aulas, apresentações e batalhas que conheci dançarinos e produtores culturais incríveis. Nos Estados Unidos, a marca distintiva dos sujeitos está na pele, mais precisamente na cor da pele: são jovens “pretos” de Nova Orleans, dedicados às palavras escritas, faladas e publicadas. O ativismo desses indivíduos vertido em poesia e em postagens em um blog atraiu a minha atenção, como conto no livro. Nos encontros do New Orleans Youth Open Mic (Noyom), observei adolescentes motivados a colocar no papel sentimentos, ideias e conflitos a serem expressos em alta voz quando têm o palco e o microfone aberto para si. Eles circulam por eventos de palavra falada (atividade que vem crescendo e ganhando muitos adeptos aqui em Juiz de Fora, inclusive, nos últimos anos). Já no blog intitulado Noirlinians (https://noirlinians.wordpress.com/), vislumbrei a relação entre cultura, vestuário e identidades discutida em textos e fotos de duas jovens mulheres de ascendência africana. Por isso: Rabisca e publica! O corpo juvenil desliza sobre o chão como a caneta sobre o papel nas mãos do poeta. Rabiscar é um movimento na “dança do passinho”. Rabiscar é deixar sua marca exteriorizada em palavras. Publicar, seja em um blog ou em redes sociais, assume aqui a tática de quem convoca o olhar, a atenção do Outro. Minha esperança no texto que apresento ao leitor é fazer ressoar as vozes que colaboraram para o trabalho final. Não são apenas acadêmicas, mas vozes de jovens, de favelas, de guetos, de pretos, em distintas cidades das Américas, na interação com diferentes sotaques. Como horizonte, está a busca, quem sabe, de uma mesma linguagem com capacidade de reunir dezenas, às vezes centenas de indivíduos que não trocam uma palavra, mas compartilham a comunicação corporal de práticas e comportamentos que passam pela via estética.

– O que a fez ir atrás dessa juventude do Rio de Janeiro e de Nova Orleans e transformá-la em protagonista da sua pesquisa?Por que Rio e por que Nova Orleans?

O fato de eu estar vinculada a um Programa de Pós-Graduação do Rio de Janeiro colaborou muito para a decisão de pesquisar juventudes lá, naquele momento. Colaborou, também, o apreço que sempre tive por essa cidade. Quando conheci o passinho, não tive outra escolha, a não ser aprender mais sobre essa dança que me instigou. Paralelamente, ter encontrado uma estudiosa norte-americana que se interessou pela minha pesquisa e me recebeu como orientanda na Tulane University também foi essencial para minha ida para Nova Orleans, com apoio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE – Capes 2015/2016). Assim cheguei naquela que é considerada por alguns “a mais latina das cidades norte-americanas”. Além disso, como relato no livro, o foco em “pretos” nos Estados Unidos e “favelados” no Brasil (sendo que aqui os participantes do campo também são majoritariamente negros) atende ainda a perspectivas políticas e sociais quanto à necessária discussão sobre o que é relegado a essas pessoas em suas realidades. Assim, meu estudo acaba por trazer à tona questões muito próprias do debate das Ciências Sociais, como raça, classe social e gênero, que procuro explicitar com base nos elementos da Comunicação – minha área – que me norteiam. Nos Estados Unidos, o movimento Black Lives Matter (novamente em destaque nas mídias em função de episódios recentes de racismo) foi criado em 2012, a fim de chamar a atenção para a importância de “vidas negras”. O assassinato de jovens “pretos” por autoridades policiais é um dos tópicos salientados. Segundo publicação do Escritório de Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas (ONU), os afro-americanos são oito vezes mais propensos a ser assassinados do que os brancos. Entre 2010 e 2012, por exemplo, foram registrados, em média, 19,4 homicídios de pretos por cem mil pessoas. No Brasil, a juventude preta que vive em favelas e subúrbios também está no cerne do problema quando o assunto são as taxas de homicídio. De acordo com a Anistia Internacional, de 56 mil assassinatos ocorridos em 2012, por exemplo, 30 mil tiveram como vítimas jovens entre 15 e 29 anos, sendo que 77% eram negros. Olhando para o Rio e para Nola, temos juventudes de diferentes territórios, mas de vivências aproximadas: os grupos examinados no Brasil e nos Estados Unidos têm em comum a criatividade e a expressão corporal como fórum de discussão e meio de autorrepresentação, além do uso de mídias sociais digitais e website para promoverem suas atividades, comunidades e a si próprios. No livro, relato as vivências do campo que tanto evidenciaram a corporeidade como eixo de conexão com o Outro, como também demarcaram processos que localizam os jovens, ativamente, em um ambiente que é on-line e off-line. Não é meu intuito estabelecer análises comparativas entre jovens brasileiros e norte-americanos. Muito menos buscar uma conclusão que qualifique práticas “a” ou “b” como “melhores” ou “piores”. Ao contrário, o objetivo foi encontrar especificidades e recorrências, aquilo que há em comum em diferentes ações juvenis empreendidas por sujeitos em territórios e contextos distintos. A meta é, a partir das experiências de campo, refletir sobre representações e visibilidade social e midiática. É intuito, também, registrar, documentar, construir memória sobre o passinho enquanto prática mobilizadora de juventudes faveladas no Rio de Janeiro, e sobre a contribuição do Noyom e do blog Noirlinians para o “artactivism” em Nova Orleans.

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– “Especificamente, interessou-me trazer para o centro da pesquisa aqueles sujeitos que, por sua mobilização cultural e criativa, ultrapassam a geografia da cidade e o preconceito social, a fim de encontrar uma visibilidade que lhes proporcione a realização do desejo de ser aceitos e amados – reconhecidos.” “Rabisca e publica” nasce com a intenção de endossar esse reconhecimento e de colaborar para dar visibilidade a essa juventude…

Nasce com intuito de jogar luz sobre estas práticas juvenis, a fim de mostrar aquilo que jovens pretos e favelados produzem em termos artísticos, criativos, empreendedor, que pouco espaço (ou nenhum) tem em mídias tradicionais. Tomo o cuidado para deixar claro que não viso “dar voz” (quem sou eu para isso?), mas potencializar esta voz que eles e elas já têm! Nesse sentido, há algo muito interessante que também aprendi em campo com os jovens: acompanhando as atividades do Noyom e do Norlinians, em Nova Orleans, chamou-me a atenção o incentivo constante aos poetas adolescentes a falarem, a externarem suas emoções e convicções em palavras em alto tom, revelando um tipo de “pedagogia da visibilidade”, por meio da qual os indivíduos são ensinados a identificar e explorar suas próprias habilidades e competências, sua própria voz, tendo como fim a demarcação de um posicionamento paritário frente aos Outros. Aprender isso me fez sentir ainda mais responsável no momento em que fui para frente do computador registrar as experiências do campo. Gosto de refletir sobre isso: em dado momento da redação do livro, pareceu-me um tanto irônico pensar que, para discutir representação – uma das temáticas no âmago do estudo –, é preciso produzir representação. Afinal, é o texto escrito que vai materializar as pessoas e as histórias testemunhadas e vividas em campo. Sem a representação que vem com as palavras encadeadas, não há comunicação. Essa constatação motivou-me a dedicar algumas linhas a esta reflexão, compartilhando com o leitor minhas inquietações e responsabilidades.

– Você aponta que o ato de representar, seja através dos passinhos, como no caso dos jovens do Rio de Janeiro, seja através da poesia dos jovens de Nova Orleans, atribui visibilidade a essa juventude. É uma estratégia de reivindicação de voz. Acredita que a sociedade legitima essa visibilidade? Ou é uma visibilidade que fica restrita a eles?

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Eu proponho pensar visibilidade enquanto reconhecimento. Para isso, busco aporte nos estudos da filósofa Nancy Fraser, colocando-me sensível a, pelo menos, duas de suas proposições: a primeira é pensar reconhecimento como uma questão de status social. Contextualizando essa concepção na minha pesquisa, proponho discutir práticas de comunicação como via de alcançar status social, ou seja, reconhecimento. A segunda proposição é decorrente da primeira: o status social a ser galgado é, em essência, a paridade, a igualdade de participação dos sujeitos em suas interações sociais. A demanda por reconhecimento, por status social entre os favelados no Rio (submetidos à marginalização dos centros de decisão e negação de proteções igualitárias pela associação a um território de exceção, também estigmatizado e excluído das esferas públicas) e entre os negros em Nola (sujeitos a normas eurocêntricas que fazem com que as pessoas negras pareçam inferiores ou desviantes) faz-se necessária por esses indivíduos compartilharem a perspectiva de interações reguladas por um modelo convencionalizado que constitui algumas categorias de atores sociais como normativas e outras como deficientes ou inferiores, como proponho discutir em um dos capítulos do livro. Assim, respondendo sua pergunta, acredito que a visibilidade almejada pelos jovens da pesquisa está em processo, trata-se de busca. Em algumas situações e ambientes, eles alcançam esse objetivo, como mostro em alguns relatos de campo contidos no livro. Mas, reforço: é busca, constante, contínua, exatamente porque ainda está longe de ser legitimada pelo todo social. Agora, não posso deixar de pontuar que a legitimação, mesmo quando entre eles, já é um passo importante. Novamente, relatos de campo ilustram isso no livro. E, por fim, há o papel da mídia neste processo (e por isso discuto estratégias de visibilidade social e midiática), afinal, “um dos pré-requisitos para que as discussões a favor do reconhecimento encontrem ressonância é, sem dúvida, a sua presença nas estruturas de comunicação”, como já afirmou o estudioso Alexandre Barbalho.

– Como se deu a interação desses jovens com você, que ali estava no papel de uma pesquisadora do campo da comunicação, empunhando uma câmera e que registrava tudo o que diziam e faziam? Eles se sentiam à vontade? Veem a arte que fazem, seja nos palcos, no papel ou na internet, como estratégia de reivindicação de voz?

Uma das minhas preocupações foi deixar claro quem eu era e quais meus objetivos, antes de qualquer coisa. E mais: envolver, trazer os participantes, efetivamente, para a pesquisa. Eu não era uma pesquisadora camuflada observando “de fora”. Em alguns momentos, me envolvi, sim. Participei. Em Nova Orleans, fotografei, voluntariamente, para o blog Noirlinians, por exemplo. Tanto no Rio quanto em Nola, tive oportunidade de apresentar o encaminhamento da pesquisa para os sujeitos envolvidos. Exatamente para debater, estabelecer negociação, para que, de alguma forma, não fosse apenas a minha voz nos resultados expostos, mas também a voz deles e delas.  Busquei seguir sempre pelo caminho do respeito, da consciência de que eu estava lidando com pessoas reais e suas histórias, trajetórias, alegrias e dramas. Dediquei um dos capítulos do livro a falar sobre este processo, inclusive, discutir a metodologia, o meu papel em campo, a interação com os jovens. E já peço aos leitores para não se sentirem desanimados ao se depararem com um capítulo sobre “método”. Mas, prometo, a leitura vai valer a pena (risos). Busquei compartilhar, de modo muito honesto, minhas inquietações de pesquisadora e como se deu minha entrada no campo e a interação com os jovens… que se tornaram amigos, inclusive, muitos deles. Essa postura, sincera, fez com que se sentissem à vontade comigo, sim. Assim como também me deixou confortável em campo, de modo geral, mesmo não sendo passista ou poeta. Sempre tive a preocupação em como transformar minhas pesquisas em instrumentos que ajudassem os sujeitos envolvidos, quem sabe melhorar suas vidas, e não simplesmente interferir nelas. Por isso, optei pelo fazer etnográfico como metodologia, por compreender que essa via abarca o diálogo entre o olhar do pesquisador e o de seus interlocutores; e assumo, assim, todos os riscos derivados desse caminho. Em busca de um alinhamento para a realização desta pesquisa, encontrei, na perspectiva de estudos feministas, apontamentos com os quais me identifico e a partir dos quais passei a guiar tanto a minha atuação em campo quanto a redação do livro. Por isso, posiciono “Rabisca e Publica” como um empreendimento de inspiração feminista, comprometido com os sujeitos, suprimindo hierarquias entre investigador e investigado. Então, eu não estava em campo como “a pesquisadora que veio estudar jovens.” Mas, a Aline, que queria aprender sobre passinho, sobre poesia… A câmera estava junto de mim, sim, mas usada quando necessário e com consentimento dos demais presentes.

– Como você mesma relatou, a tensão que sentia ao chegar ao Cantagalo se estabeleceu devido às imagens que a mídia, especialmente os noticiários policiais, nos traz como representação daquele lugar. Como jornalista, qual avaliação você faz da imprensa no que diz respeito a contribuir para jogar uma parcela da população na invisibilidade?

Esse aspecto foi o que me motivou, quando ainda estava mais atuante em redação de jornalismo diário, a lançar-me também às pesquisas em Comunicação. Precisamos compreender o papel da mídia – e em especial dos conteúdos jornalísticos – na construção social da realidade para as pessoas. Responda-me rapidamente: o que vem à sua mente, de imediato, quando digo “jovem negro”? “Favelado”? Para a maioria das pessoas, as primeiras imagens que logo povoam o pensamento são associadas a aspectos negativos, advindos daquilo que viram/leram/ouviram na TV, na internet, no rádio. Temos discutido muito, nos últimos meses, especificamente, a importância do jornalismo responsável para uma sociedade democrática. A essa discussão – em grande parte motivada recentemente pela disseminação de fakenews –, reforço o papel do jornalismo enquanto instrumento de voz, de fazer existir socialmente os discursos: de pret@s, favelad@s, mulheres, índios, LGBTQ+, etc. Escolher a angulação que será dada a uma notícia, priorizar ou não determinados aspectos, bem como buscar as fontes para uma matéria não são ações descompromissadas. Entre tantos eventos diários, jornalistas selecionam aqueles considerados suficientemente importantes e relevantes para se transformarem em notícia. Não é um processo tão simples, assim. Leva em conta, no mínimo, critérios jornalísticos e editoriais da empresa de comunicação. Nesse intrincado processo, pergunto: que espaço é dado a jovens pretos e favelados? Eles e elas são pauta nos jornais? Se sim, como? São fontes? Se sim, como? Estampam que cadernos editoriais? O jornalismo é fundamental e indispensável para a nossa vida em sociedade. E o jornalista – enquanto um mediador – não pode se esquivar da relevância e responsabilidade de sua atividade: é o resultado de seu trabalho que vai conferir visibilidade ao mundo, às pessoas, às situações. O jornalismo contribui de modo enfático para a imagem que construímos de nosso bairro, da cidade, do mundo e dos indivíduos. Então, deixo a pergunta: como jovens pret@s e favelad@s aparecem nos jornais? Aparecem? Não por acaso, fui buscar em “Rabisca e Publica” as práticas de autorrepresentação e busca por visibilidade destes sujeitos.

Sala de Leitura – Segunda-feira, às 11h35, na Rádio CBN Juiz de Fora (FM 91,3)

“Rabisca e Publica: juventudes e estratégias de visibilidade social e midiática” 

Autora: Aline Maia

Editora: Appris (330 páginas)

Live de lançamento: 23 de julho, às 20h, no Instagram da autora: @alinemaiajf. 

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