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O vestir masculino: uma questão de identidade

maria claudia bonadio
Maria Claudia Bonadio é uma das organizadoras do livro “Histórias do vestir masculino – narrativas de moda, beleza, elegância”, lançado nesta terça no IAD/UFJF (Foto Divulgação)
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Não é só uma questão de se vestir bem ou mal. Roupa é questão de identidade. E se, nós, mulheres, sabemos usar o vestuário para nos colocarmos no mundo; os homens, há muito, também não ficam atrás. Basta lembrarmos alguns personagens do universo masculino que souberam, com maestria, lançar mão das roupas para se projetarem. “Quando a gente pensa no Jânio Quadros, a gente pensa naqueles slacks indianos, uma roupa que, até então, nenhum presidente tinha usado e não voltou a usar, e nisso ele foi realmente único. Conseguiu criar para si uma imagem marcante. Assim como o Dener Pamplona Abreu, que foi um costureiro importante do Brasil das décadas de 1960 e 1970. Ele se vestia como uma espécie de dândi do século XIX , imitava muitas vezes as roupas do escritor Oscar Wilde, que viveu no século XIX, e, com isso, também consegue criar para si uma imagem de refinamento, de luxo e de ambiguidade sexual”, afirma a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, Maria Claudia Bonadio, que, ao lado da também professora da Universidade Estadual de Maringá, Ivana Guilherme Simili, organizou o livro “Histórias do vestir masculino – narrativas de moda, beleza, elegância” (Eduem).

Com lançamento nesta terça (12/09), às 18h30, no “I Seminário de História e Cultura de Moda da UFJF: Histórias do vestir masculino”, realizado até quarta-feira (13/09) no Instituto de Artes e Design, a publicação apresenta estudos de diversos pesquisadores referentes às temáticas de gênero e à evolução da vestimenta masculina. Maria Claudia garante que qualquer pessoa que se interessa pelo tema vai gostar do livro. “De fato, ele não é um guia de como um homem deve se vestir, mas um texto que pensa isso histórica e sociologicamente, mas espero que o público em geral também goste. Esta é sempre minha intenção, não falar apenas para um pequeno público. Enfim, poder levar para o grande público aquilo que a gente pensa, porque senão não faz sentido.”

O seminário contará com a participação de estudiosos nacionais e internacionais e minicursos. Também dentro das atividades previstas, nesta terça, às 18h30, ocorre a abertura da exposição “Man Ebough”, assinada pelo colombiano Andrés Leonardo Caballero Piza. Quem ainda não se inscreveu pode fazer a inscrição na hora, e a programação completa está em ovestirmasculinoufjf.wixsite.com/iad-ufjf-2017. O livro pode ser adquirido através do site da editora (www.eduem.uem.br).

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Marisa Loures – Por que a moda masculina merece um livro só para ela?

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Maria Claudia – Existe muito essa ideia de que moda é coisa de mulher e de que seria algo à parte do mundo masculino. Mas, quando a gente para parar pensar, na verdade, não é bem assim. A importância da moda masculina, com certeza, é a mesma da feminina, afinal, existem códigos, lugares onde você pode usar determinadas coisas. Apesar de muita coisa ter mudado na moda masculina nos últimos anos, sobretudo, a partir dos anos de 1960, 1970 para cá, quando os homens passam a poder também usar cores em seu vestuário, principalmente, na roupa de lazer, que permite camisas, camisetas coloridas. Ainda não existia em português, pelo menos, algum trabalho que pensasse isso criticamente sobre diferentes aspectos. E hoje a gente tem também alguns homens como ícones de moda nos mais diversos setores, como, por exemplo, no futebol, que é um dos capítulos que a professora Elisabeth Murilho escreveu para o livro. A gente tenta pensar de uma maneira panorâmica, indo da política, por exemplo, em que pensamos nos usos que o presidente Jânio Quadros fazia das roupas, uma vez que ele também quebrava os protocolos do que se esperava que fosse o vestir de um presidente, e isso tinha a ver com a atuação política dele mais voltada para o populismo; até as questões mais históricas, como os escritores do início do século XX, por exemplo, que eram uma espécie de dândis brasileiros. Ou até pensando em personagens dissonantes, como o costureiro Dener, que se vestia de uma maneira bastante ousada para o seu período.

– E por que ela foi tão negligenciada ao longo dos tempos?

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Enquanto mercado, ela vai firme e forte. O que ficou negligenciado são esses estudos sobre o tema, porque, desde o século XIX, pelo menos, quando você tem uma grande separação entre o que é a moda masculina e a moda feminina – até aquele momento, ainda que as silhuetas fossem diferentes, os homens podiam usar os mesmos tecidos que as mulheres, as mesmas cores, podiam usar brilho e bordado nas roupas – depois da Revolução Francesa, quando você tem uma necessidade desse homem não mais ser importante na sociedade pelo título de nobreza, mas pelo seu trabalho, a moda masculina vai caminhar muito em direção à sobriedade. Se a moda feminina muda de maneira acelerada, com mudanças bastante radicais, a moda masculina vai sempre mudar muito pouco, é o abotoamento, é a gola. Então, isso vai fazer com que se pense que a moda masculina não é importante, quando, na verdade, por exemplo, esse homem do século XIX, se ele aparecesse usando um terno mal cortado, que não vestisse bem, ele era muito mal visto na sociedade. Essa é uma ideia que vem de muito tempo. E aí a gente tem que iluminar um pouco e mostrar a importância, sim, desse vestir masculino pelo menos nos séculos XX e XXI, que são os períodos de que o livro trata.

– A moda masculina brasileira tem alguma especificidade, ou anda junto com o que acontece no mundo?

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Com certeza, ela anda junto. Mas, o que chega aqui, por mais que chegue pronto, as formas como os homens se apropriam também têm suas especificidades. Por exemplo, uma questão que é interessante e que está em um dos textos do livro é como os jovens da periferia, – o estudo trata especificamente da periferia paulistana, mas acredito que isso possa valer para outros lugares também – passam a produzir, na própria periferia, a roupa que eles usam, ainda que ela seja inspirada no hip-hop americano. A periferia, que era vista como um espaço à parte da sociedade, acaba ganhando um valor, exatamente, pela moda que os meninos do rap acabam fazendo. E aí você tem muita “gente do asfalto”, para usar um termo que se usa em São Paulo, que vai ali para a periferia, que vai para os morros comprar aquilo que se produz ali, porque aquilo se produz ali, não vem de outro lugar. Então você tem um movimento do centro para a periferia e não só o contrário.

– O homem contemporâneo adquiriu mais liberdade de experimentar e ousar na moda. Isso é passageiro, ou os homens realmente conquistaram essa liberdade e vão passar a lidar com a moda da mesma maneira que as mulheres?

Acho que muita coisa mudou. De fato, hoje existe uma gama muito grande de modas para os homens. Você tem, inclusive, diversos estilos, não precisa mais ter um só. Mas ainda existem tabus, como, por exemplo, a questão do uso de saia pelos homens. Tanto é que, no início desse século, aconteceu uma exposição em Londres que tinha por foco os homens de saia e mostrando como, na verdade, lá na Roma Antiga, na Grécia Antiga, na Idade Média, os homens usavam essa peça. E, de repente, Isso virou um grande tabu. A gente vê, por exemplo, a moda das barbearias, do homem se cuidando mais, tendo esse tempo para si, mas ainda existem, sim, muitos tabus, e acredito que o uso da saia seja o mais forte deles, o que não impede que o homem desfrute, sim, da moda de maneira mais ampla.

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– Qual é a diferença entre a relação que o homem tem com a roupa íntima e a mulher, que me parece ter uma atenção maior com esse tipo de vestuário, uma vez que isso passa por questões de feminilidade, sensualidade e até com a questão de aceitação do próprio corpo?

Acho que até isso mudou nos últimos tempos porque, se você observar, para alguns grupos, sobretudo, juvenis, a cueca aparecendo, a marca aparecendo, se tornou um valor muito importante. Essa roupa de baixo não pode ser qualquer uma e tem que ser mostrada. Como eu disse, é para um determinado grupo. Não se espera jamais que um gerente de banco vá trabalhar com a calça caindo, mostrando um pedaço da cueca, mas, para muitos jovens ligados à cena do hip-hop e do funk, esse tipo de coisa se tornou um valor e se tornou uma expressão identitária importante. Acredito que nisso também haja uma mudança porque, no caso das mulheres, ainda que, por exemplo, o sutiã hoje possa aparecer uma alcinha, isso não está tão ligado à cultura de marca, como está para os homens.

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“Histórias do vestir masculino”

Organizadoras: Maria Claudia Bonadio e Ivana Guilherme Simili

Editora: Eduem

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