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Chegou a hora de seguir com Ulisses B.R. pelos mistérios de O quase último Aum

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Ulisses Belleigoli assume a persona do tradutor Ulisses B.R. no “O quase último Aum”, primeiro livro da tetralogia “Escritos para Etraz-Quaassa” – Foto de Marcus Leoni/Divulgação.
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Os mistérios que envolvem o “O quase último Aum” (Varanda, 328 páginas), primeiro livro da tetralogia “Escritos para Etraz-Quaassa”, começam antes mesmo do capitulo 1. Descobrimos que o escritor Ulisses Belleigoli é Ulisses B.R., a quem competiu fazer a tradução do livro para o português brasileiro do nosso tempo. “Esta versão em Português Brasileiro [língua comum no Brasil no século XXI – Calendário Ocidental] foi estabelecida por mim, Ulisses B.R., com tradução feita diretamente do Olaam antigo. As notas explicativas por mim escritas vão acompanhadas da notação [UBR]”, revela o tradutor, em “Esclarecimentos para o estabelecimento deste texto”.

Ainda conhecemos Ud-meguima, também tradutor, responsável pela versão da obra em Olaam antigo. Ulisses teve o cuidado de destacar uma citação de uma historiadora a respeito do trabalho de Ud-meguima, o que traz argumento de autoridade e nos faz pensar, por um breve instante, que estamos diante de uma história real. Ali está dada a largada para uma realidade de fantasia, que tem São Paulo/Brasil como ponto de partida, mas que nos leva para um novo mundo. Publicado por meio de uma campanha de captação de recursos na plataforma Benfeitoria, “O quase último Aum” tem lançamento programado para esta terça-feira (08), às 20h30, no canal da editora Varanda no YouTube.

“Eu sou um apaixonado pelas linguagens, pelas línguas e por seus falantes. A criação da ‘persona’ do Ulisses B.R. foi uma maneira de entrar na brincadeira que o próprio enredo do livro propõe, que são as experiências que vivenciamos quando temos que nos traduzir. Explicar o que sentimos e o que pensamos em palavras – estrangeiras ou não – é sempre um desafio para as relações. O amor, a arte e a política sempre estão nos convidando a traduções. É uma tarefa grandiosa e persistente, mas que nos recompensa com epifanias e assombros. Com relação aos tempos em que se passa essa história, esse é um dos mistérios que vai ser revelado aos poucos. A relação entre tempo e espaço é um dos pontos centrais da trama. Por isso os tradutores e os narradores serão figuras tão importantes: eles farão o trabalho – junto aos leitores – de entender e alinhavar essa história que vai se apresentando em fragmentos. ‘O quase último Aum’, por ser o primeiro livro da saga, é uma obra com muito mais perguntas do que respostas”, conta Ulisses, que, sem sombra de dúvidas, teve um trabalho hercúleo no desenvolvimento de sua criação. São muitos personagens, muitos nomes, muitas notas explicativas, muitos detalhes. Ele criou novas linguagens, tendo o cuidado de trazer, ao final, um glossário de termos mencionados ao longo da obra. Ao artista Renan Torres, coube criar as representações visuais para cada uma das línguas presentes na publicação.

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Ulisses é autor de romances, contos e poesias. Entre seus títulos já publicados, estão “Trilogia da miséria”, “Dom” e “O canto da princesa rubra”. Trabalha como professor e psicanalista. Nesta entrevista de hoje, que é um convite a seguir com ele pelos caminhos ainda ocultos de “O quase último Aum”, eu converso com o inventor-tradutor-escritor e contador de histórias.

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 Marisa Loures – “Escritos para Etraz-Quaassa” começou a ser gestado em 2013 e agora, sete anos depois, nasce o primeiro livro, “O quase último Aum”. Você diz que, na época, surgiu no seu coração o desejo de contar uma história com muitos personagens, muitos tempos e muitos eventos. O que despertou a vontade de escrever uma história de fantasia? O que seu coração dizia?

Ulisses – O desejo que nasceu no meu coração foi o de contar uma história sobre aprendizados e transformações – dos sujeitos e das culturas. Então, assim que os primeiros esboços foram se desenhando, eu percebi que esse intento estava pedindo de mim um universo, com muitas possibilidades de trabalho. Eu precisava de tempo e espaço para que esses aprendizados e transformações se dessem. Eu precisava de muitos personagens, para que essa jornada pudesse ser vista e narrada com diferentes olhares e sentimentos. Já sobre a opção pelo universo fantástico, talvez isso tenha mais a ver com o meu trabalho como escritor. No final das contas, sempre acho que – independentemente do meu tema ou das formas que escolho – estou sempre com um pezinho no fantástico-maravilhoso.

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Postal comemorativo da saga de Ulisses B.R.: in do me in – do Olaam antigo. Por motivos desconhecidos; por razões inexplicáveis; por tendências insondáveis.

– Dá para perceber que “O quase último Aum” é um livro trabalhoso. São muitos personagens, muitos nomes, muitas notas, muitos detalhes. Você cria novas linguagens. O leitor precisa ficar atento. Como foi o processo de criação desse livro? Tenho certeza de que não foi, simplesmente, postar-se na frente de um computador e escrever…

Em bom mineirês, esse processo é um “trem de doido”. Como são muitos elementos estéticos (notas explicativas e línguas ficcionais) e narrativos (personagens, cenários, funcionamentos), tem hora que chega a dar um nó nas ideias. O que é bom também. Bagunçar as coisas para ver como elas vão se rearranjando. Mas é um fazer que requer constantes adaptações e mudanças. Como a história se estende por vários livros, pensar no todo – no conjunto – é muito importante. Por exemplo, se eu mudo a maneira com que um personagem se relaciona com uma habilidade, isso se reflete em todo o planejamento da história, em como aquilo pode salvá-lo ou colocá-lo em perigo. Para me ajudar nesse processo, tenho alguns caderninhos com muitas anotações e desenhos. E, claro, também contei com os editores da Varanda e com vários leitores amigos para dar conta desses detalhes.

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– O ponto de partida dessa saga é São Paulo, Brasil. Na orelha da publicação, inclusive, Laís Cerqueira chama atenção para o fato de que a sensação estrangeira que o leitor tem diante do livro vai embora. Já ouvi algumas críticas de que a literatura de fantasia produzida aqui no país é muito colonizada pelo imaginário europeu. Essa é uma questão para você?

Eu acho que a questão decolonial é um dos grandes assuntos a serem debatidos na atualidade. Por meio de uma grande amiga – a arquiteta e pesquisadora Isadora Monteiro –, tenho tido contato com muitas dessas discussões, as quais, sem sombra de dúvida, influenciaram muitas de minhas escolhas na hora de escrever. Além disso, os “Escritos para Etraz-Quaassa” falam sobre a relação entre povos. Pensar em origens e caminhos é uma reflexão que vai se colocando muito naturalmente no coração (ou na barriga) dos personagens. Para mim, tem sido um exercício, esse de ir me descolando das minhas próprias leituras de fantasia, bastante europeizadas. Uma de minhas primeiras leitoras – a Letícia Sanches –, quando o livro ainda estava em seu esboço inicial, me falou: “para mim, seria muito mais provável que o Tales, em vez de um sorvete, tomasse um açaí.” Na prática da escrita, é um pouco isso: pensar em nossa cultura, em como vivemos, e que o nosso universo cotidiano nos oferece muito mais do que imaginamos para o conteúdo de um livro de fantasia.

– Sua história é atual, faz o leitor pensar no mundo de hoje. Já nas primeiras páginas, sabemos que Tales vive numa sociedade desigual. “’O quase último Aum’ foi impresso no final de 2020, ano em que os humanos do planeta Terra tiveram de enfrentar uma pandemia em meio a fanatismos, ignorâncias, preconceitos e violências. Por isso, mais do que sempre, eu desejo ‘Escritos para Etraz-Quaassa’, pois já os vi no futuro e sei o que eles podem fazer por nós.” Esses são os últimos escritos do livro. O contexto mundial é inspiração para a saga? Qual a mensagem você quer nos passar?

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Eu sou de uma geração que foi bombardeada com a palavra “globalização”. Fui uma criança sem internet e um adulto com banda larga. A grandeza e a pequeneza do mundo são materiais para minha criação desde meus primeiros escritos. Sinto que, à medida que vamos ficando mais próximos, vamos tendo mais problemas para lidar com as diferenças. Os jornais nos mostram isso todos os dias. Esse livro é um chamado, sim, para repensarmos nossa maneira de lidar com o outro, com o estrangeiro (que pode ser o paraguaio, o europeu, o vizinho de cima, o aluno novo na escola, o adversário político). E, se um ano nos ensinou que estamos muito longe de conviver com decência e respeito, esse ano foi 2020.

– Ulisses, você trabalha como professor e psicanalista. Apresenta-se como inventor-tradutor-escritor, mas gosta de ser chamado de contador de histórias, seu ofício há muitos anos. Quando escreve um livro, tenta dar um ritmo para sua história, já imaginando como ela seria apresentada em uma sessão de contação de histórias?

Como alguém que se aventura nesses dois campos – a escrita e a oralidade –, estou sempre atento às particularidades de cada uma. Aprendi com a Laura Delgado, uma das grandes contadoras de histórias desse país, que esses suportes são muito diferentes, mas que são bons amigos. A mancha no papel encontra lugar no gesto sonoro, e vice-versa. Quem gosta das palavras, gosta de brincar com elas, e uma das brincadeiras que mais gosto é essa: de ler em voz alta, de contar com o corpo. Volta e meia, organizo leituras presenciais de meus livros. É uma experiência muito legal.

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Postal comemorativo da saga de Ulisses B.R.: taiao – do Kartu. Sentimento de desejar o próximo dia, o futuro, com a esperança de que ele lhe traga boas novidades.

– Como essa saga continua? O destino dos personagens já está desenhado?

O destino dos personagens já está desenhado. Falta colorir um pouco, e essa é a melhor parte do trabalho, mas também a mais dificultosa. Toda vez que sento para trabalhar e penso em tudo que ainda vai acontecer com esses personagens, que já me são tão queridos, meu coração até acelera. Espero que os meus leitores me deem as mãos para seguir adiante.

– E o tradutor Ulisses B.R. faz planos para novas traduções?

Muitos planos. Traduzir é, também, um modo de viver. Não quero parar de traduzir nunca. Traduzir me salva de ficar preso nos significados das palavras. Traduzir é um jeito de fazer poesia.

– Você, André Porteira, Guilherme Madeira Martins e Laís Cerqueira criaram a Varanda, que é mais do que uma editora, é um “complexo de comunicação e cultura”. Gostaria de saber como ele funciona e o que os fez pensar, para Juiz de Fora, nesse modelo que envolve oficina de criação literária, blog, artes visuais e vários outros projetos.

O nosso “complexo” ainda é bem simples e modesto. Mas cheio de desejo. Quando nos juntamos para nos ajudarmos a realizar nossos projetos, novos horizontes foram se colocando. Na nossa Varanda, foi cabendo um monte de gente, com outras ideias e sonhos. E nós resolvemos ficar livres para abraçar esses projetos. Então, o que nos guia é isto: nosso desejo de produzir coisas nas quais acreditamos. Das bonitas às inquietantes; das improváveis às mais necessárias.

– Quais são as próximas ações da Varanda?

Temos muitos projetos em andamento atualmente. Alguns já têm data de lançamento para 2021, outros ainda estão – como tantas outras coisas – esperando o desenrolar da pandemia de Covid. Nos nossos planos para o ano que vem, estão a publicação de romances (“O sol vertical”, de Rafael Salgado), livros infantis (Coleção Perguntas), quadrinhos (“Acumulus”, de Gui Almeida; e “Morte desafi(n)Ada”, uma parceria com o artista Vinicius Goro) e livros acadêmicos (“Cinesprudência – ensaios sobre direito e cinema”). Vamos também estrear a peça “Aurora”, com a atriz Déa Stallone, assim que os teatros reabrirem seguramente. Temos também uma parceria em andamento com o artista Vermelho. Além disso, continuaremos com nossos projetos já consolidados: o nosso podcast (Complexo), a Oficina de Criação Literária da Varanda, e a “Bornhood”, projeto de pesquisa em música encabeçado pelo músico Bruno Varoto.

“O quase último Aum”

Autor: Ulisses B.R.

Editora: Varanda (328 páginas).

Lançamento: dia 8 de dezembro, às 20h30, no canal da editora Varanda no YouTube.

Clique aqui para ler prévia em formato PDF.

 

 

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