
Nesta entrevista, Knorr fez uma confissão que, para ele, soa estranho e, ao mesmo tempo, engraçado. Desde pequenino, ele gosta de crianças. E, a meu ver, é por isso que ele tem tanto prazer em criar para esse público. E é por isso, ele conta, que o contato diário com seus três filhos, Giulia, João Pedro e Gabriel, sempre renderam boas histórias para os livros infantis que ele escreveu. Foi assim com “Tem um bicho na privada” (2022), e foi assim com “Quem pintou o céu?” (Editora Ogro), cujo lançamento ocorreu no último sábado (7), no Literabox (Mercado Municipal).
Nessa obra, o autor juiz-forano apresenta a história de um artista que resolveu pintar o céu de várias cores, as quais desempenham um papel central não apenas na narrativa, mas também nas páginas, que refletem uma riqueza visual de maneira vibrante. O poeta brinca com as cores para transmitir a ideia de que o céu (e o mundo) pode ser visto sob diferentes perspectivas, desafiando a ideia de que ele precisa ser sempre azul.
“A coisa toda surgiu a partir de uma pergunta do Gabriel, ainda bem pequeno. E com ela eu passei a observar os vários tons que poderiam ter o céu do nosso planeta. E fui meio que listando na minha cabeça todas essas possibilidades, até mesmo chegar ao céu verde, que não existe por completo, mas a gente pode observar parte dele na aurora boreal. Esse jogo de cores, essa variedade, isso sempre me interessou desde criança também. E eu trabalho com design gráfico há décadas. Daí, para juntar uma coisa com a outra, foi um pulo, e, de repente, estava tudo pronto na minha cabeça, só precisei aprimorar um pouco o texto e refinar algumas ideias de ilustração”, conta o escritor e jornalista. Para ele, o menino e a menina que tiverem contato com o livro vão começar a pensar também nas possibilidades de cores de outros elementos deste nosso mundo. “Essa é a minha intenção. Estimular o questionamento e a observação.”
Marisa Loures – Para começarmos, gostaria que apresentasse o livro “Quem pintou o céu?” para os leitores da coluna Sala de Leitura.
Knorr – Gostaria de começar a apresentação deste livro fazendo minhas as palavras de uma amiga, a escritora infanto-juvenil Márcia Paschoallin: “é uma história muito rica em vários sentidos, podendo ser trabalhada de forma interdisciplinar na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. Explora a imaginação infantil para dar vida às características naturais das mudanças de tonalidade ao longo do dia e das estações. Também trabalha a simbologia das cores, conceitos científicos como as mudanças no céu ao longo do dia, a formação das nuvens e a origem da chuva. A história pode ser um ótimo ponto de partida para que as crianças criem suas próprias narrativas poéticas sobre o céu e a natureza”. É uma história que mostra, através de um grande questionamento que é a pergunta que dá título ao livro, as possibilidades que temos para a compreensão das coisas.
– Em “Quem pintou o céu?”, você convida os leitores a olharem para o alto com olhos de criança e se perguntarem: “quem será que coloriu esse céu tão cheio de mistério e beleza?” Por que trazer essa reflexão para esse livro infantil?
– Sou um ser inquieto, questionador, procurando sempre enxergar o sentido das coisas e, através desse movimento, me manter em constante metamorfose no que diz respeito aos meus conceitos e sentimentos. Procuro passar isso para os meus leitores infantis, para que não sejam seres passivos, que aceitam as coisas simplesmente pela imposição. Somos seres humanos, temos que pensar, questionar. Ao mesmo tempo, nessa história, as respostas vão aparecendo a cada página que viramos, e, em cada uma delas, existe uma lógica aceitável, uma explicação possível. Para Friedrich Nietzsche, a arte existe, essencialmente, para que a realidade não nos destrua. A arte, para ele, é uma forma de lidar com a natureza da existência, que, por vezes, pode ser dolorosa e esmagadora. Através da arte, é possível transformar a experiência da vida, criando uma nova realidade que nos permita enfrentar a verdade e as dificuldades. Então, se utilizarmos esse conceito para leitores crianças, teremos adultos mais incisivos, mais inquietos e questionadores.
– Percebi que, na sua proposta, fica claro que o leitor de “Quem pintou o céu?” pode ter qualquer idade. Isso quer dizer que devemos perceber que não existe uma literatura exclusivamente infantil? Na verdade, literatura é literatura, e pode (e deve) ser apreciada por leitores de todas as idades?
– No meu entendimento, a literatura infantil é facilmente devorada pelos adultos. E é uma sensação gostosa quando a gente lê uma historinha para crianças, porque a gente acaba enxergando todos aqueles elementos com outro enquadramento. O contrário não é possível, é difícil para a criança entender e absorver um livro adulto, um romance complexo, um suspense, coisas do tipo. Mas eu sempre acho que a literatura infantil é possível para o adulto também. Por isso eu digo que este livro é para crianças dos quatro aos oitenta anos. Acho que o livro infantil é um belo couvert, uma boa entrada para uma futura refeição de letras mais temperadas. E pode servir de sobremesa também.
– Você já me disse que a história de “Tem um bicho na privada” nasceu a partir de um episódio real envolvendo seu filho João. Agora, este novo livro é dedicado aos seus filhos, especialmente ao Gabriel, que, segundo você, foi quem primeiro lhe perguntou “Quem pintou o céu?”. Como a presença, as perguntas e a curiosidade dos seus filhos influenciam não apenas o tema, mas o processo criativo das suas obras infantis? De que maneira esse vínculo familiar se reflete na forma como você constrói as histórias e busca se conectar com o universo das crianças?
– É estranho e engraçado eu falar isso, mas, desde criança, gosto de crianças. O contato com os meus filhos, o crescimento e o acompanhamento deles me ofereceram momentos maravilhosos em que eu pude exercer a minha criatividade e transformar em textos toda aquela magia. De fato, no livro “Tem um bicho na privada”, eu me aproveitei de um episódio ocorrido com João Pedro. Antes disso, publiquei um livrinho em parceria com a minha filha mais velha, Giulia, onde contamos a história de duas aranhas que realmente existiam no teto do quarto onde eu sempre trocava as roupinhas dela. E nessa história de agora eu parto de uma pergunta do Gabriel, o mais novo, que na época me perguntou quem é que pintava o céu, porque ele via a cada dia ou hora surgir uma tonalidade diferente, e ele observava isso. Tem outros questionamentos deles que ainda pretendo transformar em histórias, eu anoto tudo, tenho um tesouro guardado. Quando escrevo poesia, também me utilizo dessa questão do vínculo familiar. Tenho vários poemas que são claramente direcionados ou extraídos do convívio com familiares. Os amigos também contribuem muito, afinal acabam sendo família também. E eu, enquanto artista, é claro que faço dessa observação o meu ofício. É aquela inquietação que eu falei anteriormente.
– Na literatura infantil, qual é o papel da cor para estimular a imaginação das crianças? Você acredita que o uso criativo das cores pode ampliar a forma como elas enxergam o mundo e as histórias que leem?
– Eu acho que a cor ajuda a reforçar algumas ideias, ela amplia e estimula o horizonte da imaginação das crianças. Não que necessariamente todo texto tenha que ser colorido, mas a ideia da cor auxilia bastante esse processo. Posso dizer assim: “olha que linda esta flor vermelha em meio a essa folhagem verde embaixo desse céu azul”. Isso escrito com letras pretas em fundo branco. Para o leitor, vai ser formada uma imagem utilizando essas cores. O que se faz quando se ilustra essa ideia é reforçar, exercitar e facilitar esse caminho para a criança.
– Desta vez, você assume tanto a escrita quanto a ilustração do livro, criando uma obra em que texto e imagem conversam de forma muito próxima e complementar. De que maneira essa integração entre palavra e imagem potencializa a mensagem e a experiência do leitor?
– Neste livro, assim como no “Pequenas histórias das coisas que não precisavam existir”, publicado em 2013, eu tinha uma ideia de ilustração que ficava muito difícil passar para o ilustrador, porque ela já veio pronta na minha cabeça como disse agora há pouco. Eu não sou um exímio desenhista, meu traço é meio infantil. Talvez por isso as crianças gostem. Só que neste livro agora eu trabalhei com grafismos, quase que somente com figuras geométricas, feitas diretamente no computador. E tenho mais alguns projetos assim, engavetados, esperando a hora e a oportunidade de saírem rodando pelo mundo. Mas tenho também, em maior quantidade até, outros que carecem de um ilustrador que não seja eu. Dois deles já estão com uma ilustradora, outro está todinho ilustrado, como é o caso do volume dois do “Pequenas histórias”. Vamos ver quanto tempo vai durar a gestação deles.
– E em tempos tão digitais, qual é o valor e o papel de um livro ilustrado e poético como o “Quem pintou o céu?” para as novas gerações?
– Desde que começou esse movimento do livro digital, da digitalização dos impressos e toda essa transformação, eu sempre achei que o livro não iria morrer. E eu acho que eu estava certo. Não que não seja interessante, até mesmo ecologicamente, a questão do livro digital. Mas eu acho que, principalmente nos livros infantis, a questão do tato é muito importante. O manuseio do livro enquanto objeto de aprendizado e de interação faz dele um companheiro, um amigo da criança. E do adulto também. Mas, para o adulto, é mais fácil controlar essas “amizades” diferentes. E em tempos de guerra criança X tela eletrônica, o livro, ilustrado ou não, reforça o exército que “luta” em defesa da criança.