Esse ano não teve desfile

Por Jose Anisio Pitico

Uma pena para quem espera o ano inteiro por esse momento!. Nesse carnaval de 2019, por motivo de falta de recursos financeiros, o quase “trintão” Bloco Recordar é Viver, da Amac (Associação Municipal de Apoio Comunitário), constituído, em sua grande maioria, por pessoas idosas integrantes do Pró-Idoso não desfilou nas ruas centrais da cidade, frustrando muita gente. Mais ainda, os seus participantes, que já não têm lá muitas opções em Juiz de Fora, não é, verdade? O que a cidade oferece para as pessoas idosas, nas áreas de lazer, entretenimento e cultura? Muito pouco. Principalmente, se a gente projeta a presença de mais de 90 mil pessoas com idade de 60 anos ou mais em nossa cidade. O que temos? Onde temos? Como participar? Nem só de forrós e bailes no Mariano Procópio vivem as tardes dominicais de algumas pessoas idosas. Elas querem muito mais. Elas merecem muito mais. Tenho para mim que, quando estiver mais velho, e já faço isso desde agora, desejo diversificar a comida que coloco no meu prato. Ampliar o meu repertório de amizades e de escolhas.

O Bloco Recordar é Viver, por se tornar uma tradição cultural da cidade e ser um exemplo contundente da capacidade de participação social das pessoas idosas, posso dizer que não é da Amac. Ele é da cidade, dos idosos, dos familiares, dos amigos e da comunidade que aprenderam a esperar por esse momento de o bloco sair no Calçadão da Halfeld. Só que esse ano não teve desfile. Teve um concorrido baile de carnaval em um grande clube da cidade.

O que não é a mesma coisa. Um espaço não substitui, à altura, o outro. Clube é fechado, de alguma forma, é seletivo. A rua, não. Tem mais apelo, mais visibilidade, mais comunicação direta, viva e dinâmica com as pessoas, é um lugar aberto, onde tudo é visto.

Foi nesse lugar, foi na rua que, passados perto de 30 anos, essas pessoas idosas – não são todas, uma grande parte delas – aprenderam a participar, aprenderam que podem aparecer, aprenderam a mostrar o seu valor. Conseguiram subir um degrau a mais na efetivação de sua cidadania. Por meio do carnaval. Desfilando, corajosamente, na principal, mais charmosa e disputada rua da cidade: o calçadão da rua Halfeld. E quem ganha o calçadão, ganha o mundo.

Não tenho dúvida em afirmar a você leitor e leitora que o carnaval dos idosos contribuiu muito (e contribui) para o fortalecimento da cidadania das pessoas idosas em Juiz de Fora. O que me motiva a pensar o seguinte: se as pessoas idosas se organizam para a festa, que é o carnaval, porque não podem se organizar na busca e efetivação de outros direitos sociais? Entendo que a experiência de desfilar no calçadão é um ensaio, porque, para o alcance de uma cidadania plena, temos que caminhar muito. Sua conquista exige treino, dedicação e coragem. A história social não está encerrada. O jogo ainda não terminou. Um mais um é sempre mais que dois.

Inserido no contexto de toda a sociedade, o carnaval sofreu cortes financeiros públicos para a sua sobrevivência, não só aqui em Juiz de Fora, mas em todo o país. Como o ocorrido em outras áreas, as atividades culturais sofreram e sofrem um baque, um corte, uma diminuição de estímulos e de recursos econômicos para a participação social pública da população. Nossa felicidade, assim como a saúde pública, a assistência social e a educação, entre outras políticas, estão contingenciadas. Limitadas. Inibidas. Também sem recursos. Nosso samba agoniza, mas não vai morrer nunca, pela loucura e pela fé de seus produtores. Nossa cultura, nossa arte fazem um contraponto de muita resistência a esse estado de vida social, tão amorfo e tão sombrio. Tão murcho.

Somos a alegria de um povo triste. Um povo gigante, bravo, que sacode a poeira e dá volta por cima. Outras maneiras de se cantar estão sendo construídas. Outros palcos. Outros atores entram em cena. E aqui destaco o amanhã com as pessoas idosas chegando, abrindo alas para a entrada no carnaval da vida. Elas cantam, elas dançam, elas suam. Elas extrapolam. Elas fazem a história. Rasgam suas fantasias e fazem – estão fazendo – uma nova realidade para elas. O movimento é por liberdade de participação social. Para o ano que vem fica o convite: tô te esperando prá quando o carnaval chegar!

Assistente social e gerontólogo
(32) 98828-6941

Jose Anisio Pitico

Jose Anisio Pitico

Assistente social e gerontólogo. De Porciúncula (RJ) para o mundo. Gosta de ler, escrever e conversar com as pessoas. Tem no trabalho social com as pessoas idosas o seu lugar. Também é colaborador da Rádio CBN Juiz de Fora com a coluna Melhor Idade. Contato: (32) 98828-6941

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