A briga

Por Nara Vidal

Um plano de batalha é, teoricamente, fácil de ser feito. Entre estratégias, os campos de luta são estabelecidos de forma muito simples: um lado contra o outro.
Cada lado terá características entre seus participantes que serão comuns e os distinguem do outro grupo.
Na Política, no entanto, há mais complexidade porque o inimigo nem sempre é o outro lado de um único povo. Às vezes, os próprios políticos são os oponentes. Claro, não era para ser assim, pois lá estão esses indivíduos sendo bem pagos por cada um de nós que contribui em dia com os impostos. Era para estarem do nosso lado, defendendo um bem comum. Mas, nem sempre estão.
Às vezes, isso acontece porque os políticos, na teoria, representam cidadãos. Cidadão, sim, e com muito orgulho!
Portanto, um povo quando trava uma briga entre si, demonstra um conflito que extrapola apenas a representatividade que poderiam ou não encontrar na Política.
Vejam o caso do Brasil: temos representantes de um percentual de cidadãos que, diariamente, são envolvidos em escândalos e nos fazem passar vergonha.
Mas será que essa sensação de vergonha é de todos? Aí é o problema: atualmente os conceitos e os valores estão completamente distorcidos e o certo já não é tão sólido como costumava ser.
Assim sendo, é possível encontrar apoiadores de grupos ou representantes que ameaçam a democracia, atacam jornalistas, espalham mentiras, tentam desqualificar a Educação, a Saúde e a Cultura do país e está tudo bem para esse grupo. É um grupo de pessoas ou perfis das redes sociais, os chamados robôs, que não medem esforços e ofensas para mostrarem que gritam mais alto, que usam vocabulário mais baixo. Eles estão com aqueles que os insultam e não abrem.
Esse ódio eu, humildemente, deixo para a psicologia e psicanálise explicarem. Cabe a mim apenas me escandalizar com os ajustes morais feitos diariamente para defender o indefensável. É chocante observar.
Além de toda essa cegueira, é outra característica a inaptidão de argumento ou aprofundamento de discussão. O sarcasmo, a ironia, a veia cômica também não são notados por esse percentual. Toda a sutileza será castigada.
Toda essa briga comprada não chega a desestruturar o outro percentual. Daria muita dor de cabeça ao percentual que não admite a falta de respeito dos governantes, se a outra parte do caso fosse capaz de conversar em baixo tom, não falar nem mesmo um palavrão durante toda a discussão. (Será que conseguem?) Isso sim, daria trabalho para o percentual de pessoas que defende a democracia, a igualdade de oportunidades, os benefícios sociais. Aí, sim, estaria esse outro lado desafiado.
Mas, por enquanto, a luta é simples. Mesmo que nos traga ressentimento e vergonha, é fácil enxergar o inimigo: do outro lado está um sujeito que não admite ser chamado de cidadão. Quer ser engenheiro, quer ser isso ou aquilo. Quer ser melhor que o outro porque só assim é capaz de se destacar. É aquele que só consegue subir uma escada, se esmagar os outros. Cidadão? Cidadão, não, camarada! Eu sou mais que isso: sou engenheiro, sou melhor do que você. Eu entendo. No Brasil, hoje em dia, o cidadão é o lado mais fraco da corda. O cidadão é o que é diariamente desrespeitado, insultado. É complicado mesmo ser cidadão brasileiro. O casal que não queria colaborar com um agente de saúde e que se sente melhor que nós todos, acredita que a igualdade de oportunidades não interessa porque não admite uma sociedade mais justa. Como, afinal de contas, poderia continuar oprimindo e humilhando? É o caso da praga que só se alastra porque tem terreno fértil.

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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