O número de negativados no Brasil vem aumentando ano após ano, porém, com a pandemia de Covid-19 e suas consequências, a porcentagem de pessoas com restrições no nome superou a marca de 40% da população.
Em abril de 2020, já existiam mais de 62,83 milhões de brasileiros com algum tipo de restrição junto às instituições de proteção ao crédito.
Segundo dados do SCPC, esse dado representa o maior número de negativados para o mês de abril na história do país.
Com a taxa de desemprego e desocupação crescendo de forma alarmante, é natural que grande parte das pessoas escolha poupar os valores recebidos através do seguro-desemprego ou do auxílio emergencial ao invés de investir na quitação de contas e débitos diversos e acabe arcando com o ônus de lidar com as ligações constantes realizadas pelas empresas de cobrança, que podem ser, além de insistentes, constrangedoras.
Importa dizer, nesse caso, que é lícito que a instituição credora realize ligações a fim de negociar o pagamento dos débitos e que essas ligações podem ser feitas, inclusive, para a casa de parentes, familiares ou pessoas indicadas como contato de recado, porém, não podem acontecer em horários de descanso noturno e não podem ser ameaçadoras ou agressivas.
Qualquer tipo de excesso pode ser denunciado à ouvidoria dos bancos, lojas ou instituições credoras, e se a situação não for solucionada, é possível pleitear por uma solução na justiça.
O Perfil dos Inadimplentes Brasileiros
Segundo dados divulgados pelo SPC, a maior parte dos devedores brasileiros é mulher (50,78%) e a faixa etária principal concentra homens e mulheres com idades entre 30 e 39 anos (25% dos negativados).
Um olhar levemente aprofundado sobre essa parcela da população já é o suficiente para perceber que são pessoas em idade economicamente ativa e que se trata de um público acostumado a receber promoções diariamente, por e-mail, pelo celular ou pela televisão.
Não se pode fazer uma leitura generalizada, como se todos os 60 milhões de brasileiros tivessem decidido realizar compras e não realizar o pagamento do boleto de quitação das parcelas.
Pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de proteção ao crédito (SPC) revelou que 60% das pessoas entrevistadas que estavam endividadas, revelaram sentir extrema preocupação com suas pendências financeiras.
Segundo a mesma pesquisa, entre os endividados existe um padrão de preocupação:
Não conseguir pagar a dívida é o principal temor de 30,8% dos endividados;
Não poder parcelar novas compras é o que mais preocupa 13,8% dos negativados entrevistados;
Ser considerado desonesto é registrado como a terceira maior preocupação dessa parcela da população (11%), seguido pelo receio de não conseguir emprego por conta do nome negativado (8,5%) e não poder fazer empréstimos (8,2%).
Entre os entrevistados, 28,2% alegaram que aliviaram suas ansiedades através de algum vício, como cigarro, bebida ou comida e 24,7% admitiram que o estresse com as contas, fez com que eles acabassem comprando mais do que de costume, e piorando a situação em que já se encontravam.
Entre os tipos de dívidas que mais preocupam estão as públicas, com entidades como o Detran SP e RJ, as prefeituras, as dívidas com protesto em cartório, os financiamentos de imóveis e veículos e as dívidas de cheque especial e cartão de crédito.
Consumidores Negativados Modificam Comportamento
Entre os consumidores negativados entrevistados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, 39% disseram ter passado a controlar mais os gastos após a negativação e 34% afirmam refletir mais antes de realizar compras.
Além disso, a forma de comprar mudou muito durante a pandemia e as compras acontecem em um ambiente onde é muito mais fácil e rápido obter informações.
Hoje, se o cliente vê uma promoção de um site de eletrônicos, por exemplo, corre para o Google para fazer uma pesquisa e verificar se há reclamações por parte de outros consumidores.
O medo de ter um cartão clonado ou uma cobrança indevida e não conseguir resolver o problema é um dos que faz com que cresçam pesquisas perguntando coisas como “Kabum é confiável?”, “Mercado Livre é seguro?”, “MeuMoveldeMadeira faz troca?”.
As pessoas não querem mais enfrentar problemas por falta de planejamento e previsão de riscos e é isso que está fazendo com que os negativados mudem o perfil de comportamento diante das compras.
Mudanças Profissionais Causaram Impactos nas Finanças Pessoais
Muitos dos inadimplentes de 2020 e 2021 tinham profissões rentáveis e negócios sustentáveis antes da pandemia de Covid assolar o mundo e precisaram de um tempo para se adaptar e entender como continuar trabalhando, dentro de um “novo normal”.
A adaptação precisou acontecer em todos os setores, tanto no de produtos quanto no de serviços e alguns profissionais precisaram criar um método de atendimento diferente do que estavam acostumados.
Trabalhar como nutricionista online, psicólogo por vídeo-chamada, professor de ensino à distância, advogado com consulta via chat, foram algumas das formas que profissionais de algumas áreas utilizaram para continuar atendendo clientes e pacientes durante a pandemia, mas o período de adaptação, em diversos casos, envolveu a demissão de colaboradores, a entrega de pontos comerciais, o endividamento com bancos, financeiras e fornecedores e outros problemas que causam judicialização de débitos e/ou negativação do nome e CPF.
No comércio e na prestação de serviços “in loco”, as coisas foram um pouco mais complexas.
Abrir mão do contato direto com o cliente durante o período mais restritivo da pandemia foi um dos fatores mais preocupantes para a equipe da Oficina de Móveis, uma empresa especializada em móveis planejados em Porto Alegre, e o atendimento online foi aprimorado em cada mínimo detalhe para que nenhum projeto deixasse de ser atendido.
Fazer a organização financeira pessoal e profissional sem a possibilidade de realizar a instalação dos móveis na casa dos clientes não foi missão das mais fáceis e só com muito profissionalismo e uma boa assessoria contábil se tornou possível.
Empreendedores Investem Economias em Novos Negócios
Um movimento fortemente notado durante a pandemia foi o de pessoas que abriram mão de manter suas contas pessoais em dia para investir o orçamento disponível em um novo empreendimento, capaz de melhorar a renda familiar e posteriormente, levar à quitação de débitos que ficaram pendentes.
A franquia Milk Shake Mix foi uma das que adaptou seu modelo de negócios para conseguir atender a demanda de novos empreendedores que estão tentando reerguer suas finanças e possuem um capital pequeno para iniciar um negócio, segundo informações do portal no nicho de franquias de açaí, o franquiadeacai.com.
Apesar de todas as inseguranças impostas pela crise, o perfil do brasileiro é notadamente criativo e otimista, especialmente quando o assunto é garantir o pão de cada dia.
O Que Dizem os Especialistas?
Segundo a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, planejar as despesas e investimentos ajuda as pessoas a não serem surpreendidas pela falta de recursos: “O consumidor que conhece sua relação de receitas e despesas está menos propenso a se endividar com empréstimos ou a recorrer ao limite do cheque especial para cobrir rombos no orçamento. Além disso, ele está mais preparado tanto para traçar planos de longo prazo, como para agir em uma situação de imprevisto, como um gasto inesperado de alto valor ou a perda do emprego”, afirma.