O “uai”, como sabemos, é um dos símbolos mais marcantes da cultura mineira, sendo dito a qualquer momento, em qualquer situação. Para os mineiros, é uma interjeição que expressa espanto, surpresa, dúvida, impaciência ou simplesmente um meio de marcar o tempo para uma resposta mais pensada.
Uma das primeiras teorias que aparece ao falarmos sobre a origem do “uai” é a transposição do inglês “why” (por que). Esse ponto de vista sugere que a interjeição surgiu devido ao contato entre os mineiros e os trabalhadores ingleses que, no século XIX, estiveram envolvidos nas minas de Morro Velho, em Nova Lima. A teoria indica que, por volta de 1834, os mineiros adotaram o “why”, que foi transformado no “uai” como uma forma de questionamento ou expressão de dúvida.
Contudo, essa hipótese é frágil, como apontou Marcos Paulo de Souza Miranda, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG). O raciocínio por trás disso é que a troca de “why” para “uai” não faria sentido de forma ampla, já que a presença de ingleses foi limitada a certas áreas de Minas, e o vocabulário local já estava consolidado antes mesmo desse contato.
Além disso, o uso do “uai” não se limita apenas a questões de dúvida, mas também expressa outros sentimentos como surpresa ou impaciência, o que enfraquece a relação com o “why”.
Hipótese indígena
Outra linha de pensamento, mais próxima da cultura local, é a sugestão de que a palavra “uai” poderia ter origem indígena. Em Ouro Preto, existe uma serra chamada “Uaimi-i”, situada perto do Rio das Velhas, que se acredita ter sido um ponto de referência importante para os povos indígenas.
Ao investigar o nome “Uaimi-i”, alguns estudiosos chegaram à possibilidade de que ele poderia ser uma mutação da palavra “Guaicuy”, usada pelos indígenas para se referir ao Rio das Velhas.
No entanto, essa hipótese também foi descartada, pois, ao investigar mais a fundo, ficou claro que “Guaicuy” ou “Gwaimi-y” não correspondiam exatamente à forma que os mineiros usavam “uai”. Essa explicação logo perdeu força, principalmente quando ficou claro que a mutação de “uai” não tinha uma ligação direta com os rios ou com a geografia da região.
O “Uai” açoriano
Uma das descobertas mais recentes e reveladoras sobre a origem do “uai” vem da pesquisa de Souza Miranda sobre os falares do Reino de Portugal, especificamente dos Açores. Ele encontrou, surpreendentemente, o verbete “uai” no Dicionário de Falares dos Açores. Nessa obra, o termo é descrito como uma interjeição de exclamação de espanto, muito semelhante ao uso do “uai” no vocabulário mineiro.
Nos séculos 17 e 18, muitos imigrantes açorianos vieram para Minas Gerais, atraídos pelas promessas de riquezas das minas de ouro. Esses imigrantes se estabeleceram principalmente nas regiões do Sul de Minas, Zona da Mata e Campo das Vertentes. Souza Miranda sugere que a interjeição “uai” e outras palavras com significados semelhantes que eram usadas pelos açorianos, como “uei”, foram incorporadas ao vocabulário mineiro e hoje fazem parte do léxico da cultura local.
Evolução do “Uai” em Minas
A chegada dos açorianos ao Brasil, e em especial a Minas Gerais, foi um marco significativo na formação da cultura mineira. Os imigrantes trouxeram consigo seu vocabulário e suas expressões, que foram se misturando com o português local e, assim, cristalizando palavras e formas de falar que se tornaram inconfundíveis com a identidade de Minas.
O “uai”, portanto, pode ser visto como um exemplo da fusão cultural que ocorreu entre os portugueses e os indígenas, criando uma expressão única que é capaz de comunicar tanto espanto quanto um simples “como assim?” do dia a dia.
Além disso, a expressão “uai” reflete bem o modo mineiro de ser, que é ao mesmo tempo profundo e descontraído, direto e indireto. O uso do “uai” traz a marca de um povo que gosta de refletir, pensar nas palavras, e também dar uma pausa para a conversa, como se nada fosse urgente, mas tudo fosse importante.
Seja como uma dúvida desconcertante, uma expressão de espanto, ou até mesmo uma forma de retardar uma resposta, o “uai” é, sem dúvida, a palavra que diz muito, mas ao mesmo tempo, não diz nada. Ele nos lembra que, para o mineiro, não é necessário falar muito para se fazer entender, e é isso que torna o “uai” tão especial.