A dipirona, conhecida como um analgésico e antipirético amplamente utilizado no Brasil, é uma substância que gera controvérsias ao redor do mundo. Enquanto no Brasil ela é comumente prescrita para o alívio de dor e febre, em muitos outros países, como os Estados Unidos, Japão, Austrália e algumas nações da União Europeia, ela é proibida.
O motivo por trás dessa restrição é um risco potencial de um efeito colateral grave: a agranulocitose, uma condição rara, porém fatal, associada à queda na quantidade de certos tipos de células sanguíneas responsáveis pela defesa do organismo.
História da dipirona e seus riscos iniciais
Até a década de 1960, a dipirona, também chamada de metamizol, estava amplamente disponível em diversos países. Ela era considerada uma opção eficaz e acessível no combate à dor e febre. No entanto, foi nessa época que surgiram os primeiros alertas sobre os possíveis riscos associados ao seu uso.
A partir de um estudo realizado em 1964, foi constatado que a aminopirina, substância com estrutura química semelhante à da dipirona, estava associada à ocorrência de agranulocitose. A pesquisa mostrou que a cada 127 pessoas que tomavam aminopirina, uma desenvolvia essa complicação sanguínea grave.
A agranulocitose é uma condição rara, mas que pode levar à morte se não for tratada rapidamente. Ela resulta na queda acentuada de células de defesa no sangue, tornando o corpo mais suscetível a infecções e outras complicações graves. Diante disso, as autoridades sanitárias de diversos países começaram a questionar a segurança da dipirona, considerando que seus efeitos poderiam ser semelhantes aos da aminopirina.
Proibição em países desenvolvidos
Com base em evidências acumuladas ao longo das décadas, a FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos) tomou a decisão de retirar a dipirona do mercado norte-americano em 1977. O risco associado à agranulocitose foi suficiente para que a substância fosse banida nos Estados Unidos. Outros países, como Austrália, Japão e nações da União Europeia, seguiram essa tendência, proibindo o uso da dipirona em seus territórios.
Em países desenvolvidos, o controle rigoroso sobre a segurança de medicamentos levou à decisão de proibir a dipirona como uma medida preventiva contra possíveis efeitos adversos graves. Esse movimento também foi apoiado pela falta de dados clínicos robustos que comprovassem sua segurança a longo prazo.
Novas evidências e reavaliação da dipirona
Apesar da proibição inicial, estudos mais recentes começaram a reavaliar a segurança da dipirona, trazendo novos dados que desafiavam as primeiras conclusões sobre o risco de agranulocitose.
Nos anos 1980, um grande estudo conhecido como Estudo Boston, realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária, Suécia e Estados Unidos), analisou mais de 22 milhões de pessoas e concluiu que a incidência de agranulocitose entre os usuários de dipirona era extremamente baixa: apenas 1,1 caso para cada 1 milhão de indivíduos.
A pesquisa também revelou que os riscos de efeitos adversos eram praticamente inexistentes em grandes populações, proporcionando uma nova perspectiva sobre a segurança da substância.
Outro estudo realizado em Israel, com 390 mil participantes, encontrou uma taxa ainda menor de risco: apenas 0,0007% de chance de desenvolver agranulocitose e 0,0002% de risco de morte decorrente dessa complicação. Esses dados foram essenciais para a reavaliação dos riscos e benefícios da dipirona.
Situação no Brasil
No Brasil, onde a dipirona continua sendo amplamente utilizada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também revisou a segurança do medicamento. Em 2001, a Anvisa realizou um evento com especialistas para discutir a segurança da dipirona. O resultado foi um relatório que reafirmou a eficácia da substância como analgésico e antitérmico, além de concluir que os riscos associados ao seu uso eram baixos, comparáveis ou até menores do que os riscos de outros medicamentos similares.
A Anvisa, portanto, manteve a dipirona no mercado brasileiro, considerando que os benefícios do medicamento para o controle de dor e febre superavam os potenciais riscos. A agência também determinou que o uso da dipirona fosse feito com precaução, respeitando as dosagens recomendadas e monitorando os efeitos colaterais, embora a ocorrência de agranulocitose seja extremamente rara no Brasil.
Embora a dipirona seja considerada segura para a maioria dos brasileiros, ela não está isenta de riscos, e seu uso deve ser feito com cautela. Pessoas com histórico de doenças hematológicas ou que estejam utilizando outros medicamentos devem consultar um médico antes de iniciar o tratamento com dipirona.
A educação sobre os possíveis efeitos colaterais e o monitoramento médico contínuo são essenciais para garantir que o medicamento seja usado de forma segura.