Nos últimos anos, a busca por tratamentos que possam prevenir ou retardar o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como a demência e, particularmente, a Doença de Alzheimer, ganhou uma nova perspectiva com a descoberta de um potencial benefício adicional da vacina contra herpes zoster.
Esta vacina, amplamente utilizada para prevenir a ocorrência de erupções dolorosas causadas pelo herpes zoster (ou cobreiro), tem mostrado uma nova utilidade: a redução do risco de desenvolver demência. Abaixo, exploramos os pontos centrais dessa descoberta e o que ela pode significar para a saúde pública no futuro.
Impacto da longevidade e o crescimento dos casos de demência
A principal causa do aumento das taxas de demência no mundo é o aumento da longevidade da população. À medida que a expectativa de vida cresce, mais pessoas estão vivendo mais tempo, o que, infelizmente, também aumenta o risco de desenvolver doenças neurodegenerativas como a Doença de Alzheimer.
A demência, que é um termo geral para uma série de condições que afetam a memória, o pensamento e o comportamento, tem como principal causa a Doença de Alzheimer, uma condição que afeta milhões de pessoas ao redor do mundo.
Embora fatores hereditários e ambientais desempenhem papéis significativos no aparecimento da demência, a verdadeira causa ainda permanece um mistério. Cientistas têm investigado uma série de hipóteses, e uma delas envolve a relação entre infecções virais e o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas.
Papel do herpes zoster na demência
Estudos recentes têm indicado que o herpes zoster, um vírus que afeta os nervos e causa uma erupção cutânea dolorosa, pode estar associado ao aumento do risco de demência. O vírus, que é uma reativação do vírus da catapora (varicela), pode atacar componentes do sistema nervoso, contribuindo para o aparecimento de condições como a Doença de Alzheimer.
O vínculo entre o herpes zoster e a demência é uma área de crescente interesse, pois, ao longo dos últimos anos, foi observada uma correlação entre infecções pelo herpes zoster e o desenvolvimento de distúrbios cognitivos.
Essa associação gerou a hipótese de que a vacina contra herpes zoster, que é eficaz na prevenção da infecção, poderia reduzir a incidência de demência, uma vez que impediria a reativação do vírus.
Hipótese da vacina contra herpes zoster na prevenção de demência
Testar a hipótese de que a vacina contra herpes zoster poderia prevenir a demência é, em teoria, um grande desafio. Para isso, seria necessário realizar um experimento controlado, dividindo um grande número de pessoas em dois grupos: um grupo vacinado e um grupo não vacinado, e depois observar os resultados ao longo de um longo período (10 anos, por exemplo).
No entanto, esse tipo de estudo é extremamente difícil de ser realizado, pois a vacina contra herpes zoster já é amplamente recomendada para idosos, o que tornaria antiético não vacinar um dos grupos. Além disso, a natureza dos experimentos de longo prazo torna este tipo de pesquisa extremamente desafiador.
A solução
A boa notícia é que, apesar dessas dificuldades, um grupo de pesquisadores britânicos foi capaz de realizar um tipo de “experimento natural” para testar essa hipótese. Em 2013, o sistema de saúde do País de Gales, na Inglaterra, introduziu a vacinação contra herpes zoster para pessoas com 71 anos ou mais.
Essa decisão criou dois grupos de idosos: o primeiro, que tomou a vacina, e o segundo, composto por pessoas que tinham 79 anos ou mais no momento da introdução do programa de vacinação e, portanto, não foram vacinadas imediatamente.
Estudo e seus resultados
A pesquisa, que envolveu mais de 296.000 pessoas, analisou os dados de indivíduos de ambos os grupos durante sete anos, entre os 71 e os 79 anos. A diferença entre os grupos era simples: enquanto o primeiro grupo recebeu a vacina, o segundo grupo não a recebeu, pois já tinha mais de 79 anos quando o programa começou.
Ao comparar a incidência de casos de demência entre os dois grupos, os pesquisadores descobriram uma redução significativa de 20% nos casos de demência entre os indivíduos que foram vacinados contra herpes zoster, em comparação com os não vacinados.
Esse efeito foi particularmente notável entre as mulheres, onde a redução foi ainda mais expressiva. Esses dados fornecem uma evidência promissora de que a vacina contra herpes zoster pode, de fato, ajudar a reduzir o risco de demência.
Desafio das causas e mecanismos
Embora a pesquisa tenha demonstrado uma redução significativa nos casos de demência entre os vacinados, o estudo não conseguiu esclarecer completamente os mecanismos por trás dessa redução.
Por que a vacina contra o herpes zoster parece ter esse efeito protetor? Os cientistas ainda não sabem exatamente como a vacina influencia a redução do risco de demência, e mais estudos serão necessários para explorar essa questão.
Pode ser que a vacina ajude a prevenir a reativação do vírus no sistema nervoso, evitando danos neurológicos, ou talvez haja outros fatores imunológicos em jogo.
A relevância da vacina para a saúde pública
Apesar das questões não resolvidas sobre os mecanismos exatos, os resultados desse estudo são significativos. A vacina contra herpes zoster já é recomendada para idosos como medida de prevenção contra o herpes zoster, uma condição extremamente dolorosa e debilitante.
Com essa nova descoberta, há um argumento adicional para que os idosos continuem a receber essa vacina, não apenas para prevenir a dor do herpes zoster, mas também para possivelmente reduzir o risco de demência.
Em muitos países, incluindo o Brasil, a vacina contra herpes zoster já está disponível para a população idosa, e os resultados deste estudo britânico podem incentivar ainda mais sua adoção e aumentar a conscientização sobre seus benefícios.
Com o aumento da longevidade da população, iniciativas como essa representam uma esperança real para melhorar a qualidade de vida das pessoas na terceira idade e prevenir doenças devastadoras como a Doença de Alzheimer.