O número de habeas corpus impetrados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) alcançou uma cifra impressionante: mais de um milhão de pedidos desde a criação da Corte em 1989.
Boa parte dessa escalada ocorreu nos últimos anos, o que acendeu um alerta entre juristas e operadores do Direito.
Embora o habeas corpus seja uma ferramenta essencial para proteger liberdades individuais, seu uso exagerado vem sendo associado à sobrecarga dos tribunais superiores e à fragilidade das instâncias inferiores do Judiciário.
O debate gira em torno de uma questão delicada: o instrumento está sendo utilizado como uma salvaguarda legítima ou virou uma porta de entrada para contornar os caminhos processuais tradicionais?
Uso de habeas corpus aumenta e números mostram crise na Justiça
Por definição, o habeas corpus é um mecanismo previsto na Constituição Federal que serve para impedir ou corrigir constrangimentos ilegais à liberdade de locomoção.
Em situações onde há prisão indevida, ameaça de coação sem respaldo legal ou falhas processuais graves, ele pode ser acionado a qualquer tempo e sem custos.
Porém, o que deveria ser um recurso excepcional tem se tornado rotineiro — muitas vezes apresentado como substituto de recursos ordinários previstos na legislação.
Esse aumento vertiginoso reflete problemas mais profundos no sistema de Justiça brasileiro. Um deles é a resistência de juízes de primeira e segunda instância em seguir entendimentos firmados pelos tribunais superiores.
Quando decisões contraditórias se multiplicam, a previsibilidade jurídica se dissolve, e os advogados passam a recorrer com mais frequência ao STJ, na esperança de obter uma decisão mais favorável.
Essa prática estimula uma espécie de loteria judicial, em que a solução de um caso depende mais da interpretação individual de quem julga do que de regras consolidadas.
Uso excessivo do habeas corpus reflete falhas na formação dos profissionais da área
Além disso, especialistas apontam que o uso excessivo do habeas corpus está ligado a falhas na formação de parte dos profissionais do Direito. Muitos pedidos são apresentados sem a devida fundamentação, em situações onde outros recursos seriam mais apropriados.
Também pesa a atuação do Ministério Público, que nem sempre observa os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência ao apresentar denúncias.
O cenário aponta para um sistema em desequilíbrio. O habeas corpus segue sendo uma ferramenta vital, mas seu uso distorcido denuncia um Judiciário que ainda luta para oferecer respostas eficazes, técnicas e justas dentro de sua própria estrutura.