Recentemente, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) publicaram um estudo revelador que propõe uma nova perspectiva sobre o início da esquizofrenia.
De acordo com a pesquisa, uma proteína chamada hnRNP A1, que está envolvida na formação da bainha de mielina no cérebro, pode ter um papel crucial no desencadeamento da esquizofrenia, ainda durante a gestação, antes que os sintomas da doença apareçam.
Este estudo, publicado no Journal of Neurochemistry em janeiro deste ano, traz à tona novas possibilidades para o tratamento da esquizofrenia, uma condição neuropsiquiátrica crônica e debilitante.
O papel da proteína hnRNP A1
A proteína hnRNP A1 desempenha um papel essencial na formação da bainha de mielina, a estrutura que envolve e protege os axônios dos neurônios. Essa proteção é fundamental para a transmissão eficiente de impulsos nervosos entre os neurônios.
O estudo de Daniel Martins-de-Souza, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, revela que a disfunção dessa proteína pode prejudicar a integridade da mielina, desencadeando a esquizofrenia em estágios iniciais do desenvolvimento fetal.
Como a mielina afeta a transmissão nervosa
A mielina é uma substância que envolve os axônios, as extensões dos neurônios que transmitem sinais elétricos entre as células nervosas. Quando a mielina está comprometida, como ocorre na esquizofrenia, a transmissão de impulsos nervosos fica prejudicada, o que afeta diretamente a função cerebral.
Esse processo está relacionado à falha do oligodendrócito, uma célula glial responsável pela formação e manutenção da bainha de mielina.
Descoberta da conexão entre hnRNP A1 e a esquizofrenia
A pesquisa mostrou que a hnRNP A1, presente no oligodendrócito, é responsável por regular o processamento do RNA mensageiro, ajustando como a bainha de mielina é formada.
Isso implica que qualquer desregulação dessa proteína pode prejudicar a mielinização e, consequentemente, afetar o desenvolvimento cerebral de forma silenciosa, levando à esquizofrenia anos depois, na adolescência ou início da vida adulta, quando os sintomas começam a se manifestar.
Uma doença com múltiplos fatores
A esquizofrenia é uma doença complexa, e embora a genética desempenhe um papel importante, outros fatores, como influências ambientais, também são relevantes.
O estudo da Unicamp sugere que, no início do neurodesenvolvimento, alterações na proteína hnRNP A1 podem desencadear mudanças estruturais no cérebro, levando a defeitos na formação da mielina. Isso pode ser uma das principais causas do transtorno psicótico, que se manifesta com sintomas como alucinações, delírios e dificuldades cognitivas.
Possíveis implicações terapêuticas
Embora o estudo ainda esteja em fases iniciais, ele abre novas portas para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para a esquizofrenia. A descoberta de que a proteína hnRNP A1 é um alvo importante na esquizofrenia implica que, futuramente, novos medicamentos podem ser desenvolvidos para corrigir as falhas na mielinização ou para regular a ação dessa proteína de maneira precisa.
No entanto, o pesquisador Daniel Martins-de-Souza destaca que a cura da esquizofrenia ainda não é uma realidade. Os tratamentos atuais têm como objetivo apenas controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Muitos indivíduos com esquizofrenia não respondem adequadamente aos tratamentos, e os danos cognitivos e sociais persistem, mesmo em casos tratados.
Esquizofrenia durante o neurodesenvolvimento
O estudo fortalece a hipótese de que a esquizofrenia pode ter início ainda durante o neurodesenvolvimento no útero, com a disfunção da proteína hnRNP A1 afetando o desenvolvimento do cérebro do feto.
O neurodesenvolvimento, que se estende até os 20 anos de idade, é essencial para a formação das conexões neurais. Quando a mielinização não ocorre adequadamente, isso pode contribuir para o surgimento da esquizofrenia mais tarde, na adolescência ou início da vida adulta, período em que os sintomas típicos da doença costumam aparecer.
Como os cientistas chegaram a esses resultados
Os pesquisadores da Unicamp utilizaram modelos experimentais com camundongos para investigar o papel da proteína hnRNP A1. Eles induziram a desmielinização nos animais, replicando a perda da mielina observada na esquizofrenia.
Quando os camundongos foram expostos à substância cuprizona, que promove a desmielinização, os cientistas puderam estudar o impacto da perda de mielina no comportamento e no cérebro dos animais.
Ao reverter a desmielinização, os pesquisadores puderam observar a importância da hnRNP A1 na recuperação da mielina e a estabilização da transmissão nervosa.
Embora o trabalho da Unicamp ainda seja preliminar, ele oferece uma base importante para futuras pesquisas. Com o foco agora na mielinização e nas proteínas envolvidas nesse processo, os cientistas esperam desenvolver tratamentos mais eficazes que possam prevenir ou minimizar os danos causados pela esquizofrenia.
No entanto, como destacado pelos pesquisadores, é necessário mais tempo e estudo para que esses resultados sejam traduzidos em terapias clínicas.