A convite do Estadão, Antonio José Gonçalves, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), analisou como a baixa qualidade dos cursos no Brasil afeta o sistema de saúde e o atendimento à população. Ele alerta que a formação deficiente de novos médicos se tornou um problema crítico, já que muitas instituições priorizam o número de matrículas em vez da excelência no ensino.
Nos últimos dez anos, o país registrou um crescimento acelerado na abertura de faculdades de medicina, com 190 novos cursos – o mesmo total de escolas médicas criadas ao longo de dois séculos. Esse aumento desordenado resultou na proliferação de instituições que não cumprem requisitos essenciais, como hospitais de ensino, programas de residência, leitos do SUS e um corpo docente qualificado.
OAB da Medicina
Para enfrentar esse desafio, o Senado Federal aprovou, em dezembro de 2024, um projeto que institui o Exame Nacional de Proficiência Médica, apelidado de “OAB da Medicina”. Previsto no Projeto de Lei 2.294/2024, o exame será obrigatório para que médicos recém-formados possam se registrar nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) e atuar profissionalmente.
A avaliação ocorrerá pelo menos duas vezes ao ano em todas as unidades federativas, testando conhecimentos teóricos, habilidades clínicas e aspectos éticos da profissão. O Conselho Federal de Medicina (CFM), forte apoiador da medida, ficará responsável pela coordenação do exame, enquanto os CRMs conduzirão sua aplicação em cada estado. Os resultados serão enviados aos Ministérios da Educação e da Saúde, permitindo um acompanhamento mais rigoroso da qualidade da formação de médicos no país.
Muito médico e pouca estrutura
O Brasil possui cerca de 400 escolas médicas, a segunda maior quantidade do mundo, atrás apenas da Índia, que tem uma população seis vezes maior. Se esse crescimento continuar, estima-se que, até 2035, o país terá mais de um milhão de médicos. No entanto, isso não garante um melhor atendimento nem uma distribuição mais equilibrada dos profissionais, que seguirão concentrados nos grandes centros urbanos.
Além disso, a expansão do ensino médico agrava a falta de vagas para residência. Atualmente, formam-se 40 mil médicos por ano, mas apenas 20 mil conseguem ingressar na especialização. Muitos recém-formados entram diretamente no mercado de trabalho, pressionados por dívidas do financiamento estudantil, o que pode comprometer a qualidade do atendimento e aumentar custos para pacientes e para o sistema de saúde.