Embora muitas pessoas desconheçam, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece regras claras também para os pedestres.
Mesmo sendo considerados os usuários mais frágeis nas vias públicas, os que andam a pé têm deveres de circulação e podem ser penalizados por infrações específicas. O artigo 254 do CTB lista seis comportamentos que são considerados irregulares e, portanto, sujeitos à aplicação de multas.
As seis condutas que podem gerar multa para quem anda a pé
- Andar ou permanecer nas pistas de rolamento, exceto para atravessar em locais permitidos.
- Atravessar viadutos, pontes ou túneis fora das áreas designadas para pedestres.
- Cruzar a via fora das áreas de cruzamento quando houver sinalização específica determinando outro local.
- Formar agrupamentos ou praticar atividades na via pública que perturbem o trânsito, como jogos, desfiles ou esportes, sem autorização da autoridade de trânsito.
- Não utilizar a faixa de pedestres, passarelas ou passagens subterrâneas, se estiverem a até 50 metros de distância.
- Desobedecer à sinalização de trânsito voltada aos pedestres, como semáforos ou placas indicativas.
Na prática, aplicação da multa é quase inexistente
Apesar da previsão legal, a aplicação dessas multas é extremamente rara. Isso porque o processo exige a identificação completa do pedestre (como nome, CPF e endereço), o que só é possível mediante abordagem presencial de um agente de trânsito.
A Resolução 706 do Contran, de 2017, estabelecia procedimentos para essa autuação, mas foi revogada pela Resolução 772, em 2019. Desde então, não há regulamentação efetiva para tornar a penalidade aplicável no dia a dia.
Foco na educação em vez da punição
O próprio Conselho Nacional de Trânsito justificou a revogação da norma por entender que a abordagem correta seria investir primeiro em educação.
A prioridade, segundo o órgão, é promover campanhas de conscientização para prevenir acidentes e orientar todos os atores do trânsito, incluindo os pedestres, sobre comportamentos seguros e adequados.
Especialistas criticam medida e pedem melhorias urbanas
Diversas entidades e especialistas em mobilidade urbana e direito do trânsito se posicionaram contra a cobrança de multas a pedestres. A principal crítica é que o ambiente urbano brasileiro historicamente prioriza os veículos motorizados, deixando os pedestres em desvantagem.
Ruas largas, calçadas estreitas ou inexistentes, cruzamentos mal sinalizados e tempo insuficiente nos semáforos compõem um cenário hostil para quem anda a pé.
Multar o mais vulnerável reforça desigualdades no trânsito
Ativistas destacam que exigir cumprimento de regras rígidas por parte de pedestres e ciclistas, sem oferecer estrutura adequada, é uma forma de ampliar desigualdades. Segundo eles, o comportamento das pessoas nas vias está diretamente relacionado ao espaço urbano disponível.
É injusto responsabilizar o pedestre por não usar uma faixa de travessia que está longe ou de difícil acesso.
Direitos dos pedestres garantidos por lei
Além de prever deveres, o CTB assegura aos pedestres o direito de circular com prioridade nas calçadas e acostamentos. Onde não houver essas estruturas, a circulação pode ocorrer na pista, com preferência sobre os veículos, desde que em fila única e pelas bordas.
Já nas áreas rurais, o deslocamento deve ser feito em sentido contrário ao tráfego de veículos. O ciclista desmontado também passa a ter os mesmos direitos e deveres dos pedestres.
Uma nova lógica de mobilidade precisa ser construída
A discussão sobre multas a pedestres escancara a necessidade de repensar as cidades. A reestruturação do espaço urbano, com calçadas acessíveis, travessias seguras e sinalização eficiente, é o primeiro passo para exigir regras mais rígidas.
Sem isso, a responsabilização dos pedestres apenas escancara uma lógica desigual de mobilidade.
A mudança começa com campanhas de conscientização e políticas públicas que priorizem a vida, especialmente daqueles que estão mais expostos.