Ouro Preto, reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO desde 1980, enfrenta um dos maiores riscos à sua integridade histórica, cultural e ambiental em mais de três séculos de existência.
Projetos de mineração na região, especialmente nos arredores da comunidade de Botafogo, estão ameaçando não apenas bens materiais e naturais, mas também a própria essência do que Ouro Preto representa para o Brasil e para o mundo.
Botafogo
Localizada na entrada de Ouro Preto, a comunidade de Botafogo é o ponto mais sensível à expansão das atividades minerárias.
Fundada no final do século XVII, a localidade é um dos primeiros núcleos de ocupação da cidade e abriga a Capela de Santo Amaro, possivelmente a segunda mais antiga de Minas Gerais, além de caminhos históricos, muros de pedra, pontes, cemitérios, igrejas e tradições religiosas de séculos passados.
Apesar de ainda não possuir reconhecimento oficial por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os bens da região são inegavelmente valiosos. “Não é porque não está mapeado que o patrimônio não existe”, alerta Ana Paula de Assis, professora da UFOP.
Expansão minerária e pressões econômicas
Sete empreendimentos minerários operam ou estão em fase de licenciamento nos arredores de Botafogo. Empresas como RS Mineração, HG Mineração, CSN, BHP Billiton e outras avançam com projetos de exploração de ferro e manganês.
A atividade de empresas como RS Mineração já impacta diretamente a comunidade com o aumento do tráfego de caminhões, degradação ambiental e alterações nos corpos d’água locais.
Em um dos episódios mais emblemáticos, uma gruta foi soterrada por obra da LC Participações, o que gerou suspeitas de omissão de informações ambientais no processo de licenciamento.
Impacto ambiental
Os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e os Relatórios de Impacto Ambiental (RIMAs) apresentados pelas mineradoras têm sido considerados superficiais por pesquisadores.
Um exemplo gritante está no número de caminhões operando: a empresa declarou três por hora, mas pesquisadores registraram mais de 140 veículos, um número que compromete seriamente as estradas e a qualidade de vida da população.
Além disso, o Córrego do Funil, fonte de abastecimento hídrico para cerca de 15 mil pessoas, já apresenta sinais de contaminação. Estudos demonstram que o minério de ferro da região tem alta porosidade, essencial para a captação de águas pluviais e manutenção das nascentes. Sua extração pode provocar a extinção de diversas fontes hídricas.
Patrimônio natural ameaçado
- Esec Tripuí: Nela, vivem espécies ameaçadas de extinção, como o lobo-guará e o macaco sauá, e existe um importante aquífero subterrâneo, o Aquífero Cauê. Também é o habitat do Peripatus acacioi, um invertebrado raro considerado um fóssil vivo.
- Campos Rupestres Ferruginosos: As serras do Amolar, Siqueira e Veloso abrigam campos rupestres raros que, embora ocupem menos de 1% do território nacional, concentram até 25% da flora do Brasil. Muitas dessas espécies ainda não foram sequer descritas cientificamente.
- Cachoeira das Andorinhas e Serra de Ouro Preto: A APA Estadual Cachoeira das Andorinhas e a Serra de Ouro Preto, além do valor ecológico, guardam estradas coloniais do século XVIII, fundamentais para a economia do Ciclo do Ouro. Seu valor histórico é inestimável.
A falta de planejamento cumulativo
Um dos maiores entraves na preservação de Ouro Preto está na forma como os processos de licenciamento são conduzidos. A estratégia das mineradoras é fracionar seus pedidos de licenciamento ambiental, utilizando o modelo de “mini-minas”, para que possam operar sob licenciamento simplificado, o que exige apenas um relatório ambiental resumido.
O problema é que os impactos acumulativos das sete mineradoras na região não são avaliados de forma integrada. As análises, feitas individualmente, não capturam o efeito sinérgico das operações sobre o solo, a biodiversidade, a qualidade do ar, os recursos hídricos e o patrimônio histórico.
Permitir a degradação de Ouro Preto por interesses minerários é um retrocesso civilizacional e uma afronta à memória coletiva brasileira. O momento exige responsabilidade das autoridades, engajamento da sociedade civil e atenção internacional.