A migração dos pássaros é uma das maiores façanhas da natureza. Todos os anos, cerca de 40% das espécies de aves realizam viagens épicas que atravessam continentes e oceanos. Essas jornadas podem ser longas e desafiadoras, levando milhões de pássaros de áreas de inverno para locais de reprodução e vice-versa.
Mas, em meio a essa impressionante capacidade de deslocamento, surge uma pergunta intrigante: como e onde os pássaros descansam durante voos tão longos, especialmente sobre vastos oceanos, onde não há terra ou árvores para pouso?
A migração avícola é um evento que ocorre duas vezes por ano, um processo essencial para muitas espécies que precisam viajar grandes distâncias para garantir a sobrevivência. No entanto, para aves que cruzam oceanos, como o Mar Mediterrâneo, um dos maiores desafios não é apenas a distância, mas também a ausência de locais de descanso convencionais. Como essas aves conseguem descansar e se recuperar durante as travessias marítimas?
Pássaros em alto-mar
Em uma pesquisa inovadora liderada por Maurizio Sarà, da Universidade de Palermo, foi descoberta uma prática inesperada. Durante uma expedição oceanográfica no Mediterrâneo, a equipe observou 13 espécies de aves pousando em embarcações de passageiros e mercantes.
Os cientistas constataram que os pássaros, quando não conseguiam encontrar terra firme, faziam uso de navios como pontos de descanso improvisados. Durante o estudo de 25 dias, os pesquisadores monitoraram esses pousos, observando que o tempo médio de descanso por ave foi de cerca de 42 minutos.
Embora o descanso a bordo fosse curto e os navios não oferecessem comida, esses locais serviram como escalas temporárias para as aves, que aproveitavam as embarcações em suas rotas migratórias. O estudo sugeriu que milhões de aves poderiam utilizar os navios como lugares de repouso ao cruzarem o Mediterrâneo, especialmente considerando que essa área é uma das rotas migratórias mais movimentadas do mundo.
Dormindo no voo
A teoria de que algumas aves poderiam dormir enquanto voam foi levantada por cientistas por décadas. Porém, até 2016, não havia evidências concretas que confirmassem essa hipótese.
Foi quando um estudo publicado na Nature Communications, liderado por Niels Rattenborg, trouxe uma descoberta fascinante: algumas aves, como a fragata-grande, realmente conseguem dormir durante o voo. A fragata-grande, por exemplo, pode permanecer no ar por até dois meses sem pousar, o que é um feito impressionante.
Os cientistas descobriram que a fragata-grande dorme em curtos períodos, com sessões de 10 segundos cada, somando cerca de 45 minutos de descanso por dia. Um comportamento peculiar, onde as aves alternam entre dormir com um hemisfério cerebral de cada vez ou até com ambos ao mesmo tempo, mantendo-se alertas para evitar colisões.
Esse tipo de sono é muito diferente do sono normal em terra, onde as aves descansam por até 12 horas. A pesquisa destacou que, mesmo com um sono mínimo, essas aves conseguem manter seu controle aerodinâmico e continuar a jornada sem comprometer sua habilidade de voar longas distâncias.
Energia das correntes de ar
Para enfrentar os desafios de uma viagem migratória sem fim, as aves não apenas descansam de maneira surpreendente, mas também possuem uma incrível capacidade de economizar energia.
Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Max Planck e da Universidade de Konstanz, na Alemanha, revelou que as aves migratórias são mestres na utilização das correntes de ar para otimizar seus voos. Elas se aproveitam de ventos favoráveis e correntes de ar ascendentes, como as conhecidas “elevações”, para reduzir o esforço de voo.
Essas correntes de ar ajudam aves como a águia-pesqueira e o falcão-peregrino a realizar travessias longas sobre o mar. Elas ajustam suas rotas para aproveitar as melhores condições atmosféricas, minimizando o gasto de energia. Além disso, essas aves evitam áreas com grande variabilidade climática, o que garante jornadas mais previsíveis e menos desgastantes.
Adaptação à natureza
As estratégias de descanso e voo dos pássaros durante suas migrações revelam uma adaptação impressionante ao ambiente natural. Ao longo das gerações, as aves desenvolveram maneiras engenhosas de enfrentar os desafios da migração, utilizando tanto recursos naturais como as correntes de ar, quanto soluções criativas, como utilizar navios como pontos de descanso.
Entretanto, essas estratégias também revelam a vulnerabilidade dessas espécies. Mudanças nos padrões climáticos globais podem afetar a disponibilidade das correntes de ar e, até mesmo, as rotas migratórias. Isso coloca em risco a sobrevivência de algumas aves migratórias, que dependem dessas condições para atravessar oceanos e continentes.
Ao compreender melhor como elas descansam e se mantêm ativas durante suas migrações, podemos apreciar ainda mais a magnitude de sua existência e os desafios que enfrentam para garantir a continuidade de suas espécies.