A partir deste ano, uma importante mudança será implementada no Sistema Único de Saúde (SUS), que pode impactar a forma como o câncer do colo do útero é diagnosticado.
O tradicional teste de Papanicolau, conhecido também como exame citopatológico, será gradualmente substituído pelo exame molecular de DNA-HPV. Essa transformação está inserida dentro de uma nova estratégia de prevenção e diagnóstico do câncer do colo do útero, que visa melhorar a precisão do rastreamento e a eficácia na detecção precoce da doença.
Câncer de colo de útero e o papel do HPV
O câncer do colo do útero é uma das principais causas de morte entre as mulheres brasileiras, com cerca de 17 mil novos casos registrados anualmente. A principal causa da doença é a infecção persistente pelo Papilomavírus Humano (HPV), que está presente em mais de 99% dos casos.
Embora a maioria das infecções por HPV seja de curta duração e não evolua para câncer, algumas variantes do vírus, especialmente os tipos 16 e 18, têm maior potencial oncogênico e podem levar ao desenvolvimento de lesões que resultam em câncer.
Com a popularização da vacinação contra o HPV e a implementação de programas de rastreio, os especialistas acreditam que o câncer do colo do útero pode ser erradicado em cerca de 20 anos.
No entanto, para que esse objetivo seja alcançado, é fundamental aprimorar as estratégias de diagnóstico e garantir que as mulheres tenham acesso a métodos mais eficazes de detecção precoce.
O que está mudando
A partir das novas diretrizes do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que foram aprovadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS e pela Comissão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (Conitec), o Papanicolau será gradualmente substituído pelo exame molecular de DNA-HPV.
Essa mudança já foi adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2021, que recomendou o teste molecular como a primeira escolha para rastrear a infecção pelo HPV.
O exame molecular de DNA-HPV é mais sensível e eficaz na detecção do vírus, permitindo identificar os tipos de HPV que têm maior risco de causar lesões precursoras de câncer.
Com esse método, as mulheres que tiverem um resultado negativo para o vírus poderão aguardar um período de cinco anos até o próximo exame, uma vez que o teste de DNA-HPV possui um alto valor preditivo negativo. Isso significa que, se o resultado for negativo, a chance de desenvolver câncer do colo do útero nos próximos anos é extremamente baixa.
Como funciona o novo exame e o rastreamento organizado?
Uma das grandes vantagens do exame molecular é a sua sensibilidade aprimorada, que torna o rastreamento mais eficaz na identificação das infecções de risco. No caso de um resultado positivo para HPV, o exame moleculares permite identificar o subtipo do vírus, e somente as variantes oncogênicas, como os tipos 16 e 18, são as que representam um risco real de evoluir para câncer.
Assim, a paciente com resultado positivo será encaminhada para uma colposcopia, um exame que permite observar o colo do útero mais detalhadamente e, se necessário, realizar biópsias para confirmar a presença de lesões.
Se o exame não detectar o HPV ou detectar uma infecção de baixo risco, a paciente não precisará realizar um novo exame por cinco anos, o que pode diminuir a sobrecarga no sistema de saúde e permitir um atendimento mais focado nas mulheres com risco real de desenvolver a doença.
Além disso, as novas diretrizes sugerem a implementação de um rastreamento organizado, em que o sistema de saúde buscará ativamente as mulheres, em vez de esperar que elas procurem pelos serviços.
Isso é especialmente importante em regiões onde a adesão ao exame é baixa ou onde a população tem dificuldade de acessar os serviços de saúde. O rastreamento organizado inclui a convocação ativa das mulheres para a realização do exame, e a garantia de que, caso necessário, elas terão acesso a tratamentos e diagnósticos confirmatórios em tempo adequado.
Desafios no Brasil
Embora as novas diretrizes representem um avanço significativo, existem desafios a serem enfrentados. O Papanicolau, que tem sido o principal método de rastreamento do câncer do colo do útero, não alcançou uma cobertura ideal em muitas regiões do Brasil.
Entre 2021 e 2023, apenas três estados conseguiram alcançar uma cobertura próxima de 50% da população-alvo, o que é preocupante, considerando a alta taxa de incidência do câncer.
Além disso, em estados como Acre, Maranhão e Mato Grosso, os resultados dos exames demoraram mais de 30 dias para serem entregues, o que dificulta o início do tratamento dentro dos 60 dias recomendados pela legislação. Esse atraso pode impactar negativamente as chances de sucesso do tratamento e a qualidade de vida das pacientes.
O novo modelo proposto, com o rastreamento organizado, visa reduzir esses problemas, mas exige que o sistema de saúde esteja bem estruturado para identificar as mulheres que precisam do exame, realizar a coleta de forma eficiente e garantir que todas tenham acesso a acompanhamento médico adequado caso o teste apresente resultados positivos.
Inovações no diagnóstico
Além da substituição do Papanicolau pelo exame molecular de DNA-HPV, as novas diretrizes incluem duas inovações importantes:
- Autocoleta: Para facilitar o acesso de populações de difícil alcance, como mulheres em áreas rurais ou aquelas resistentes ao exame realizado por profissionais de saúde, a autocoleta do material para o teste será disponibilizada. Isso permitirá que as mulheres realizem a coleta de forma mais conveniente e sem precisar se deslocar para uma unidade de saúde.
- Inclusão de populações especiais: As novas orientações também incluem medidas específicas para o atendimento de pessoas transgênero, não binárias e intersexuais. Essas populações, muitas vezes marginalizadas nos sistemas de saúde, terão acesso a um atendimento mais inclusivo e adequado às suas necessidades.
A combinação de novas tecnologias, como a autocoleta e o foco nas populações vulneráveis, é um passo importante para melhorar a saúde das mulheres e, potencialmente, erradicar o câncer de colo do útero nas próximas décadas.