Um novo achado arqueológico na Espanha está desafiando antigas concepções sobre a mente e a cultura dos neandertais. Uma rocha de granito com um ponto vermelho pintado, descoberta no abrigo de pedra de San Lázaro, pode ser a evidência mais antiga de arte simbólica feita por essa espécie extinta.
O que inicialmente pareceu apenas uma formação rochosa curiosa acabou revelando uma complexidade surpreendente. A rocha, de cerca de 20 centímetros, exibe não só um formato que lembra um rosto humano, mas também uma pigmentação feita com ocre vermelho, um composto comum em práticas artísticas da pré-história.
O contexto da descoberta
O abrigo rochoso onde o artefato foi encontrado fica em Segóvia, no centro da Espanha, e é menor do que uma caverna convencional. A equipe arqueológica liderada por David Álvarez Alonso precisou de três anos de análise detalhada para compreender a natureza do objeto.
O ponto vermelho, estrategicamente posicionado em uma formação que pode remeter a olhos, nariz e boca, chamou a atenção dos pesquisadores desde o início. A rocha foi retirada do leito do rio Eresma e levada intencionalmente ao abrigo, reforçando a ideia de que houve uma seleção deliberada baseada em sua aparência.
A arte antes dos Homo sapiens
A datação do artefato é um dos elementos mais importantes da descoberta. Com aproximadamente 43 mil anos, a rocha foi manipulada antes da chegada dos Homo sapiens à Península Ibérica. Isso significa que foram os neandertais, e apenas eles, os responsáveis por sua manipulação e possível pintura.
Essa cronologia enfraquece a ideia de que os neandertais apenas imitavam os humanos modernos ou eram inspirados por eles. Em vez disso, sugere que possuíam, por conta própria, uma capacidade de simbolização e expressão artística.
A presença de uma mente simbólica
O estudo mostra que a mancha vermelha é composta de óxidos de ferro e minerais de argila, materiais naturais que, ao serem aplicados na pedra, ganham significado simbólico.
Além disso, foi identificada uma impressão digital vermelha na superfície do artefato, provavelmente pertencente a um homem adulto. Essa marca não só humaniza a descoberta, como também oferece um elo direto entre o criador e a criação.
O fato de que a rocha não possui sinais de uso como ferramenta reforça a hipótese de que seu valor era simbólico, não utilitário.
A pareidolia e a percepção artística
Um dos aspectos mais fascinantes da descoberta é a possibilidade de que os neandertais, assim como nós, fossem capazes de experimentar o fenômeno da pareidolia, a tendência de reconhecer rostos em objetos inanimados.
A escolha da rocha por sua semelhança com uma face humana indica que o neandertal que a manipulou foi capaz de identificar e valorizar esse aspecto visual. Esse tipo de reconhecimento exige um grau elevado de percepção visual e interpretação mental, associadas à cognição simbólica.
Um novo capítulo para os neandertais
Durante muito tempo, os neandertais foram retratados como seres rudimentares, menos sofisticados do que os Homo sapiens em termos de cultura e inteligência. Contudo, descobertas como esta desafiam essa visão reducionista.
A capacidade de identificar formas simbólicas, de selecionar materiais com base em critérios estéticos e de aplicar pigmento sobre uma superfície com intenção expressiva revelam um tipo de pensamento que vai além da simples sobrevivência.
A singularidade do objeto e seus mistérios
Os pesquisadores são cautelosos ao fazer afirmações definitivas sobre a função ou o significado exato do artefato. Ele é, até agora, uma peça única, sem paralelos diretos na arqueologia neandertal.
Isso dificulta a criação de um contexto mais amplo para a interpretação, ao contrário do que ocorre com a arte rupestre, por exemplo, onde múltiplos exemplos permitem comparações.
Mesmo assim, os estudiosos argumentam que este objeto reforça a tese de que os neandertais tinham uma mente simbólica tão avançada quanto a dos Homo sapiens.
Assim, diante dessa pequena pedra marcada por uma impressão digital há milênios, vemos mais do que vestígios do passado. Vemos o início da arte, da percepção e do pensamento simbólico. Vemos um reflexo remoto e tocante daquilo que nos torna humanos.