Recentemente, o Ministério Público de Rondônia (MP-RO) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para suspender uma nova lei que visa regularizar as ocupações irregulares na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e, de acordo com seus críticos, “perdoar” crimes ambientais cometidos na região.
A lei, aprovada pela Assembleia Legislativa de Rondônia e sancionada pelo Governo do Estado, tem gerado polêmica, sendo defendida por alguns como uma medida de regularização e desenvolvimento, enquanto outros, como o MP-RO, a consideram uma ameaça ao meio ambiente e às comunidades tradicionais que realmente respeitam as normas ambientais.
A Lei e seus efeitos
A Lei que foi sancionada, com origem no projeto do deputado Dr. Luis do Hospital (MDB), visa permitir a regularização de ocupações dentro da Resex Jaci-Paraná, com a possibilidade de anistiar multas por crimes ambientais cometidos por quem ocupa ou trabalha de forma irregular na área.
Segundo o MP-RO, essa medida cria um cenário de impunidade, enfraquecendo a proteção ambiental na região e no país como um todo, já que a regularização das áreas degradadas e a recuperação da vegetação nativa não são contempladas pela norma.
A reserva, que é uma unidade de preservação ambiental, deve ser protegida de acordo com a legislação federal e, na visão do MP, essa lei contradiz os princípios constitucionais de proteção ambiental.
Reserva extrativista Jaci-Paraná
Criada em 1996, a Resex Jaci-Paraná ocupa uma vasta área de 200 mil hectares, situada entre os municípios de Porto Velho e Nova Mamoré.
A Resex foi instituída com o propósito de proteger e promover a sustentabilidade das comunidades tradicionais, que vivem da extração de recursos naturais de forma sustentável, como o látex, castanha e açaí.
Contudo, o que deveria ser um exemplo de conservação ambiental tem enfrentado crescentes ameaças de ocupações ilegais e atividades de exploração desenfreada, como o desmatamento para a agropecuária.
Dados de monitoramento ambiental apontam um aumento expressivo da ocupação de áreas por atividades agropecuárias dentro da reserva, com um crescimento de 239% entre 2012 e 2022.
Nesse período, a área de floresta na Resex foi drasticamente reduzida, diminuindo mais de dois terços de sua cobertura original. Essa situação é um reflexo da falta de fiscalização e do incentivo à regularização de atividades ilegais, algo que a lei em questão pode vir a perpetuar.
Argumentos do Ministério Público de Rondônia
O MP-RO defende que a nova lei é inconstitucional por diversas razões. Primeiramente, a norma entra em conflito com a Lei Federal nº 9.985/2000, que determina que as reservas extrativistas devem ser destinadas exclusivamente às populações tradicionais, proibindo ocupações irregulares e atividades econômicas com fins comerciais.
A aprovação da lei, portanto, contraria essa diretriz, permitindo a legalização de atividades que violam as normas de uso sustentável da terra e que, no caso específico da Resex Jaci-Paraná, não respeitam os limites da unidade de conservação.
Outro ponto importante levantado pelo MP é que a norma estabelece a possibilidade de “perdão” das multas por crimes ambientais, criando um ambiente de impunidade.
Ao permitir o cancelamento de processos judiciais relacionados à ocupação irregular da reserva, a lei pode gerar insegurança jurídica, desestimulando a proteção ambiental e a adoção de boas práticas de uso da terra.
Além disso, o MP aponta que a falta de critérios claros para a recuperação das áreas degradadas pela ocupação irregular agrava ainda mais a situação ambiental da Resex.
Não há diretrizes específicas sobre como as áreas desmatadas serão restauradas, nem sobre os prazos ou ações concretas para reverter os danos ambientais causados nas últimas décadas.
Impactos para as comunidades tradicionais
Outro problema fundamental é a ausência de consulta às comunidades tradicionais da Resex Jaci-Paraná na formulação e implementação dessa lei. A medida foi criada sem a participação das populações que realmente dependem da reserva para sua sobrevivência e que vivem de maneira regular dentro da unidade de conservação.
Ao não considerar as necessidades e os modos de vida dessas comunidades, a lei pode acabar prejudicando ainda mais quem já respeita os limites da área e contribui para a preservação ambiental.
A medida também pode gerar conflitos entre as comunidades tradicionais e os novos ocupantes regulares, que podem passar a disputar o uso da terra, criando um ambiente de insegurança para quem vive dentro da Resex de forma legítima.
Fragilização da fiscalização ambiental
A lei também enfraquece os instrumentos de fiscalização e punição que são essenciais para a proteção de unidades de conservação como a Resex Jaci-Paraná.
A falta de fiscalização eficaz e o incentivo à regularização de ocupações ilegais podem resultar em novas invasões e em um aumento da exploração predatória dos recursos naturais.
Essa fragilização do controle sobre o uso da terra dentro da reserva representa uma ameaça à preservação ambiental, além de dificultar a convivência pacífica entre os diferentes grupos que habitam a área.
Pedido de suspensão imediata
Diante dos argumentos apresentados, o MP-RO solicita ao Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) que suspenda imediatamente a lei até que o mérito da ação seja julgado. Caso a medida cautelar seja acatada, o Tribunal avaliará a inconstitucionalidade da norma em uma decisão definitiva.
O MP-RO espera que a justiça se pronuncie sobre a necessidade de preservar o meio ambiente e os direitos das comunidades tradicionais, garantindo que a Resex Jaci-Paraná cumpra sua função de proteção e sustentabilidade.