Nos últimos dias, uma nova resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) gerou um grande debate no setor da saúde brasileiro.
A norma, publicada no Diário Oficial em 17 de março de 2025, autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos, incluindo aqueles que exigem receita médica, a partir do mês que vem. A decisão gerou uma onda de críticas de associações médicas e especialistas da área, que questionam a legalidade e os riscos dessa medida.
O que diz a nova resolução do CFF?
A resolução 5 de 2025 do CFF autoriza farmacêuticos, com o devido Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica, a prescrever medicamentos, incluindo os que precisam de receita.
Além disso, esses profissionais poderão renovar prescrições previamente emitidas por outros profissionais de saúde, fazer exames físicos, solicitar e interpretar exames para avaliar a eficácia do tratamento, entre outras atividades.
A ideia por trás da medida, segundo o CFF, é regulamentar a função do farmacêutico de traçar o perfil farmacoterapêutico do paciente, ou seja, avaliar a interação entre os medicamentos que ele já toma, alertando sobre possíveis incompatibilidades e efeitos adversos.
Porém, a resolução permite que o farmacêutico vá além, assumindo um papel semelhante ao de um médico, sem, no entanto, a formação necessária para diagnóstico médico.
A reação das associações médicas
A decisão do CFF gerou indignação por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM), que considera a resolução “absolutamente ilegal”. O CFM argumenta que a prescrição de medicamentos é uma competência exclusiva dos médicos, conforme a Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013).
A prescrição envolve não apenas a escolha do medicamento, mas também a investigação, o diagnóstico e a definição do tratamento, habilidades que, segundo os médicos, não são da alçada do farmacêutico.
Em nota, a Associação Paulista de Medicina (APM) também expressou preocupação, afirmando que o farmacêutico não possui a formação necessária para realizar diagnósticos e prescrever medicamentos.
A APM enfatizou que a prescrição médica exige um extenso processo de formação, que inclui seis anos de graduação, além de três a seis anos de residência médica. Para a associação, permitir que farmacêuticos prescrevam medicamentos coloca em risco a segurança dos pacientes, já que eles não têm a capacidade de realizar um diagnóstico adequado e avaliar a eficácia de um tratamento com base em exames clínicos.
O argumento do CFF
Por outro lado, o CFF defende que a prescrição terapêutica não é exclusiva dos médicos. A resolução do CFF foi baseada em uma interpretação de que os farmacêuticos já têm a competência legal para atuar na área da farmacoterapia, conforme estabelecido pela Lei nº 13.021 de 2014.
O CFF argumenta que a nova resolução apenas regulamenta e amplia essa competência, permitindo que o farmacêutico possa prescrever e monitorar tratamentos dentro de sua área de especialização.
O Conselho ainda refutou as críticas afirmando que farmacêuticos com especialização em Farmácia Clínica têm o treinamento necessário para realizar prescrição de medicamentos, e que a medida é fundamentada na legislação e nas diretrizes curriculares do curso de farmácia.
Além disso, o CFF lembrou que já existe uma autorização para farmacêuticos prescreverem profilaxias no caso do HIV (PrEP e PEP), uma prática regulamentada por conselhos de classe e que, segundo o Ministério da Saúde, contribui para a eliminação do HIV como problema de saúde pública.
O que está em jogo
A principal preocupação das entidades médicas é com a segurança do paciente. A prescrição de medicamentos envolve uma série de decisões clínicas que, se mal conduzidas, podem resultar em danos significativos à saúde.
Médicos, com sua formação e experiência, são capacitados para diagnosticar doenças, solicitar exames e prescrever tratamentos adequados. Para muitos, o farmacêutico, apesar de ser um especialista em medicamentos, não tem as habilidades necessárias para substituir um médico nesse papel.
Contudo, alguns especialistas defendem que a medida do CFF responde a uma necessidade crescente de melhorar o atendimento e o acesso à saúde, especialmente em um país com tantas disparidades no sistema de saúde.
A disputa judicial e as lacunas legais
A nova resolução vem pouco tempo após a decisão da Justiça Federal, que em 2024 declarou ilegal uma norma anterior do CFF sobre o mesmo tema. Na ocasião, a Justiça considerou que a permissão para farmacêuticos receitarem medicamentos era incompatível com a legislação vigente, que atribui aos médicos a responsabilidade pela prescrição.
Especialistas em direito, como o advogado Henderson Furst, criticam a medida, afirmando que ela cria lacunas legais e coloca em risco a saúde dos pacientes. Furst explica que o farmacêutico pode avaliar interações medicamentosas, mas isso não lhe dá o direito de prescrever tratamentos completos, uma tarefa que exige um diagnóstico médico.
A possibilidade de uma nova batalha judicial sobre a legalidade da resolução é forte, especialmente após a decisão anterior da Justiça.