O tenente-coronel Mauro Cid, figura-chave nos bastidores do governo Jair Bolsonaro e delator central nas investigações sobre a tentativa de golpe em 2022, está no centro de uma nova polêmica.
Segundo reportagem da revista Veja, Cid teria mentido ao Supremo Tribunal Federal (STF) durante interrogatório recente, além de ter descumprido regras impostas pelo ministro Alexandre de Moraes, como a proibição de se comunicar sobre os temas investigados.
Quebra de confiança no acordo de delação
Como delator premiado, Mauro Cid está legalmente obrigado a colaborar com a Justiça de maneira íntegra, fornecendo informações verídicas, sem omissões ou distorções.
A revelação de que ele pode ter repassado versões contraditórias dos fatos, uma nos autos da investigação e outra em mensagens privadas, coloca sua colaboração em risco. Se confirmadas as suspeitas, o militar pode perder todos os benefícios acordados, incluindo a redução de pena.
O interrogatório no STF e a resposta desconcertante
Durante o depoimento ao STF nesta semana, quando questionado pelo advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, sobre o uso de redes sociais durante o período em que estava sob medidas cautelares, Cid negou. Disse não ter usado nenhum perfil e alegou que todos os seus aparelhos haviam sido apreendidos.
Mas a publicação da Veja apresenta indícios de que ele teria, sim, utilizado um perfil no Instagram, sob o nome “Gabriela R”, para manter contato com aliados do ex-presidente e compartilhar informações sensíveis.
Mensagens contraditórias e acusações graves
De acordo com os prints publicados, o perfil atribuído a Cid expõe bastidores das investigações e críticas pesadas à conduta da Polícia Federal e do próprio ministro Alexandre de Moraes.
Em uma das mensagens, ele sugere que o STF já teria decidido condenar alguns réus antes mesmo do julgamento. Também relata tentativas dos investigadores de manipular seu depoimento e revela bastidores de audiências confidenciais.
Se essas mensagens forem comprovadas como legítimas, não apenas revelam a quebra de confiança no acordo de delação, como também apontam para um jogo duplo perigoso: enquanto colaborava com as autoridades, Cid poderia estar informando aliados do que era dito e planejado nos bastidores do inquérito.
Implicações para Bolsonaro e militares
O impacto dessas revelações vai além de Mauro Cid. Em seu depoimento oficial, ele mencionou reuniões entre Bolsonaro e militares, nas quais se discutiu impedir a posse de Lula.
Ele também afirmou que o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria colocado tropas à disposição do ex-presidente. São acusações que sustentam, junto com documentos e outros depoimentos, a tese do Ministério Público de que houve tentativa de golpe.
Caso fique provado que Cid mentiu em pontos-chave ou tentou proteger figuras influentes, como Bolsonaro, a narrativa da delação poderá ser contestada, e a credibilidade das informações por ele fornecidas será enfraquecida.
A reação da defesa
Em nota à CNN, a defesa de Mauro Cid nega a veracidade das mensagens. Os advogados alegam que os prints não identificam data nem hora e sustentam que o estilo de escrita não condiz com o do militar.
Afirmam ainda que as imagens podem ter sido manipuladas, o que abriria um novo capítulo no caso, desta vez sobre a autenticidade das provas.
As cláusulas rígidas da delação premiada
O acordo firmado por Mauro Cid com a Justiça exige conduta absolutamente transparente. Ele não pode:
- Mentir ou omitir informações;
- Compartilhar dados sigilosos com terceiros;
- Contradizer versões apresentadas em depoimentos oficiais;
- Tentar desviar a investigação ou proteger pessoas envolvidas.
Se violar qualquer uma dessas cláusulas, o delator perde automaticamente os benefícios, podendo voltar à prisão e ser responsabilizado por novos crimes, como obstrução da Justiça ou falsidade ideológica.
Pressões políticas
Nas conversas reveladas pela Veja, Cid também aparece manifestando pessimismo em relação à Justiça. Diz que “o STF está todo comprometido” e que apenas figuras do Congresso, como Rodrigo Pacheco ou Arthur Lira, poderiam salvar os envolvidos.
Fala ainda em penas de até 30 anos para coronéis da Polícia Militar e afirma que “já perdemos”. Essas declarações revelam o clima de tensão e desesperança no núcleo duro do bolsonarismo diante das investigações em curso.
O Brasil aguarda agora a análise técnica das provas e a resposta do STF às novas denúncias. Mais uma vez, o nome de Mauro Cid se torna central em uma trama que mistura poder, lealdade e possíveis crimes contra a democracia.