A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou ontem, terça-feira (27), de uma audiência pública na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado Federal.
Convidada a prestar esclarecimentos sobre a proposta de criação de unidades de conservação marinha na região Norte do Brasil, Marina, que é uma das ambientalistas mais respeitadas do mundo, enfrentou um ambiente hostil.
A sessão, que teve início com o propósito de debater políticas ambientais, acabou marcada por acusações, interrupções constantes e comentários considerados ofensivos e misóginos, levando a ministra a se retirar do plenário após mais de três horas de discussões tensas.
Marina Silva deixa audiência após embate com senadores
O convite para Marina Silva partiu do senador Lucas Barreto (PSD-AP), que expressou preocupações em relação ao impacto que a criação dessas áreas protegidas poderia ter sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, especialmente no estado do Amapá.
O parlamentar criticou a decisão do governo federal de instituir quatro novas unidades de conservação na região, abrangendo cerca de 1,3 milhão de hectares.
Segundo ele, o estado já possui 74% de seu território sob algum tipo de proteção ambiental, o que limitaria severamente as possibilidades de crescimento econômico local.
“O Amapá não aceita mais reservas. Queremos explorar nossas riquezas, inclusive na costa”, declarou.
Senador que revelou vontade de “enforcar” Marina Silva disse que não a respeitava como ministra
À medida que a audiência avançava, o ambiente se tornava cada vez mais conflituoso. A tensão atingiu seu ápice quando o senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que respeitava Marina como mulher, mas não como ministra.
“Respeito a mulher, não a ministra”, disse, desencadeando a reação imediata de Marina Silva, que exigiu um pedido de desculpas.
Valério recusou-se a fazê-lo, o que levou Marina a tomar a decisão de deixar a audiência. Antes de sair, afirmou: “Fui convidada como ministra e, nessa condição, mereço respeito”.
Vale lembrar que este mesmo senador já havia feito discurso misógino e de ódio contra Marina Silva em março, quando afirmou em um discurso: “Imaginem o que é ficar com a Marina seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la.“
Presidente da comissão mandou ministra “se pôr no seu lugar” e cortava o microfone
Outro momento de tensão ocorreu entre Marina e o senador Marcos Rogério (PL-RO), presidente da Comissão.
Durante uma tentativa de responder às acusações, Marina teve seu microfone cortado pelo presidente mais de uma vez e foi repreendida por supostamente ultrapassar o tempo destinado à sua fala.
O senador chegou a dizer que a ministra deveria “se pôr no seu lugar“, provocando indignação de colegas como a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que questionou o tom da abordagem. “Que desrespeito é esse com a ministra?”, protestou.
Também participou do embate o senador Omar Aziz (PSD-AM), que defendeu a pavimentação da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho.
A ministra Marina Silva afirmou que qualquer projeto de infraestrutura deve passar por avaliação ambiental estratégica, o que Aziz interpretou como um empecilho ao progresso.
“A senhora atrapalha o desenvolvimento do país com essa conversa de governança, nhem-nhem-nhem”, disse o parlamentar.
Mesmo tentando responder de forma técnica, Marina foi interrompida, o que agravou ainda mais o clima da audiência.
Mesmo com ofensas, Marina Silva explicou proposta de criação das unidades de conservação ambiental
Apesar do ambiente hostil, Marina Silva utilizou parte do tempo para explicar os fundamentos técnicos por trás da proposta de criação das unidades de conservação.
Segundo a ministra, a medida não impede, por si só, a realização de estudos ou mesmo a exploração de petróleo em águas profundas da Margem Equatorial.
Ela ressaltou que a preservação ambiental é compatível com o desenvolvimento, desde que obedeça aos critérios legais e científicos exigidos.
“Essas unidades não incidem sobre blocos petrolíferos e são resultado de um processo iniciado em 2005, com participação popular e envolvimento dos governos locais”, explicou.
A ministra ainda rebateu as críticas de que estaria inviabilizando projetos econômicos, afirmando que o papel do Ministério do Meio Ambiente é assegurar que qualquer atividade ocorra com base em estudos técnicos e em consonância com a legislação ambiental.
Ela destacou que mais da metade das licenças ambientais emitidas entre 2023 e 2025 foram destinadas à Petrobras, incluindo autorizações na Margem Equatorial.
“O Ibama não impede nem facilita. Ele cumpre a lei”, declarou.
Marina Silva diz que não vai aceitar intimidação, e recebe apoio de Lula
Após o encerramento da sessão, Marina classificou o episódio como uma tentativa de intimidação. Em entrevista à imprensa, ela reforçou que sua atuação se baseia em princípios e que sua trajetória não será desviada por ofensas.
“Meu lugar é onde eu defendo o que acredito. Não vou aceitar que me digam qual é o meu lugar”, concluiu.
A repercussão levou outros membros do governo a se manifestarem em solidariedade à ministra, reforçando o compromisso com o respeito no debate público e com a agenda ambiental.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que na formação do governo convidou a ambientalista para participar desse mandato na condição de ministra do Meio Ambiente, ligou para Marina Silva e disse que apoiava a decisão dela de deixar a comissão no Senado após as ofensas.