O caso de um juiz aposentado de São Paulo que atuou por mais de duas décadas usando uma identidade falsa tem gerado perplexidade e inquietação entre juristas e cidadãos.
Diante da revelação, muitos brasileiros se perguntam: as milhares de sentenças proferidas por ele ainda têm validade?
A situação, inédita no Judiciário brasileiro, levanta questões jurídicas complexas que agora começam a ser discutidas em diferentes instâncias.
Juiz com nome falso terá suas decisões anuladas?
O protagonista da polêmica é um homem que durante 44 anos se apresentou como Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, nome que mais parece saído de um romance inglês.
Com essa identidade, ele se formou em Direito, passou em concurso público e exerceu a função de juiz cível por 23 anos.
Entretanto, a investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) revelou que seu nome verdadeiro é José Eduardo Franco dos Reis, nascido em Águas da Prata, no interior paulista.
O escândalo veio à tona em outubro de 2024, quando Reis tentou emitir uma nova via de RG com o nome falso em um posto do Poupatempo.
O sistema de identificação digital da Polícia Civil detectou a duplicidade, levando à abertura de inquérito. Com base nas digitais, ficou comprovado que Edward e José são a mesma pessoa.
Questionado, o juiz alegou que o nome Wickfield seria de um irmão gêmeo adotado, mas não conseguiu explicar por que usou suas próprias impressões digitais para obter documentos com esse nome.
Decisões do juiz com nome falso serão anuladas?
A legalidade das decisões proferidas durante sua carreira está em debate. Especialistas destacam que, apesar da fraude documental, o juiz cumpria os requisitos técnicos para o cargo: tinha formação jurídica e passou por concurso público.
Para a professora de direito penal Raquel Scalcon, da FGV-SP, o conteúdo das sentenças não está comprometido. No entanto, ela reconhece que a nomeação pode ser contestada, especialmente se a USP decidir anular seu diploma por falsidade ideológica.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público abrange apenas os crimes recentes, já que os anteriores prescreveram. Por ora, o juiz responde por uso de documento falso e falsidade ideológica.
Ele está aposentado desde 2018, mas o impacto de sua conduta ainda será analisado pelo Judiciário e pode abrir precedentes importantes sobre a integridade funcional e os limites da legalidade administrativa.