Na última quarta-feira (19), o Senado Federal aprovou um projeto que susta o decreto do governo federal, que reintroduziria a exigência de visto para turistas dos Estados Unidos, Canadá e Austrália a partir de abril.
A medida ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados antes de ser sancionada, mas representa uma vitória para os defensores da isenção de vistos, uma política que vigora desde 2019. A decisão contraria a postura do Ministério das Relações Exteriores, que defendia a exigência de vistos como um reflexo de reciprocidade diplomática.
O que está em jogo?
A proposta do governo federal, que assinalaria o retorno da exigência de visto para cidadãos dos EUA, Canadá e Austrália a partir de abril de 2024, gerou grande controvérsia.
O decreto presidencial, assinado em maio de 2023, visava restaurar a obrigatoriedade do visto para essas nacionalidades, uma medida baseada no princípio da reciprocidade. A ideia era que, como esses países impõem requisitos de visto rigorosos para brasileiros, o Brasil também deveria exigir visto para seus cidadãos.
No entanto, o Senado não concordou com essa lógica e aprovou um projeto de decreto legislativo (PDL 206/2023) que visa manter a isenção. Para os senadores, essa exigência prejudicaria o fluxo turístico e teria consequências econômicas significativas, além de representar uma burocracia desnecessária.
Argumento do Senado
Os senadores favoráveis à isenção de vistos, incluindo o autor do projeto, senador Carlos Portinho (PL-RJ), e o relator, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), destacaram o impacto positivo do turismo para a economia brasileira. O turismo é uma das principais fontes de geração de receitas para o Brasil, com setores como hotelaria, transporte e alimentação recebendo injeção de bilhões de reais graças aos visitantes estrangeiros.
Em 2024, o Brasil recebeu 6,7 milhões de turistas estrangeiros, um aumento de 14,6% em relação ao ano anterior. Entre esses turistas, 728 mil vieram dos EUA, Canadá e Austrália, um crescimento de 8% em comparação a 2022. A exigência de visto, segundo os senadores, poderia criar barreiras para esse fluxo crescente de turistas e afetar negativamente a recuperação econômica do país, especialmente em estados e municípios que dependem do turismo.
Diferenças políticas e diplomáticas
Apesar do apoio majoritário à medida, a decisão do Senado gerou um debate acirrado no plenário. O Ministério das Relações Exteriores, liderado por assessores do Itamaraty, se opôs fortemente à isenção. Para o governo, a exigência de visto seria uma forma de manter a política de reciprocidade, alinhada aos princípios da igualdade de tratamento nas relações internacionais.
A justificativa oficial do governo é que, sem a exigência de visto para os países mencionados, o Brasil estaria “abrindo mão” de uma importante ferramenta diplomática.
O Itamaraty argumenta ainda que a isenção não resultou em aumento significativo de turistas, como mostrado pelos dados da Polícia Federal, que indicam que os cidadãos dos EUA, Canadá e Austrália representaram 8,8% do total de turistas estrangeiros em 2019, uma porcentagem que praticamente não variou em 2024 (8,4%).
Outro ponto levantado pelos opositores à isenção foi a preocupação com os reembolsos aos turistas que já haviam pago pelos vistos antes da mudança. A revogação da exigência geraria custos extras para o Estado brasileiro, além de possíveis disputas judiciais de turistas que buscariam reembolso pelo pagamento do visto.
Desafio para o Governo Lula
O governo Lula, por sua vez, defendia a exigência de vistos com base no princípio da reciprocidade, que é uma das diretrizes da política migratória brasileira. O ministro das Relações Exteriores, por exemplo, apontava que a política de isenção de vistos poderia ser vista como uma “submissão” aos interesses externos e criticava a ideia de que os brasileiros deveriam ser tratados de maneira desigual em relação aos turistas estrangeiros.
Dentre os senadores da oposição ao projeto, alguns como Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Jaques Wagner (PT-BA), destacaram que o Japão já havia retirado a exigência de visto para brasileiros, o que poderia justificar uma postura diferente em relação aos EUA, Canadá e Austrália.
Já o senador Fabiano Contarato (PT-ES) comparou a isenção a um “complexo de vira-latas”, argumentando que brasileiros enfrentam processos humilhantes para obter vistos nos EUA.
Caminho a seguir: O Futuro da Isenção de Vistos
Agora, a decisão do Senado segue para a Câmara dos Deputados, onde a medida será analisada e votada. Caso a Câmara aprove o projeto, a isenção de vistos será mantida e turistas dos EUA, Canadá e Austrália continuarão a entrar no Brasil sem a necessidade de visto. No entanto, se os deputados rejeitarem a proposta, a exigência de visto voltará a ser aplicada a partir de 10 de abril, conforme estabelecido pelo decreto de Lula.
Essa decisão também pode ser contestada judicialmente, já que a política de vistos é uma competência tradicionalmente atribuída ao Poder Executivo. A continuidade da isenção dependerá, portanto, do desenrolar dessa disputa política e jurídica, com repercussões importantes para o turismo e para as relações internacionais do Brasil.
O desfecho dessa disputa será fundamental para o futuro do turismo no Brasil, assim como para a dinâmica das relações diplomáticas entre o Brasil e as principais potências turísticas do mundo.