O desperdício de medicamentos, especialmente antibióticos e anestésicos, é uma questão alarmante e silenciosa dentro de hospitais. Embora frequentemente despercebido, esse problema traz consequências para a saúde pública, os custos hospitalares e o meio ambiente.
A boa notícia é que a inteligência artificial (IA) tem se mostrado uma aliada poderosa para reduzir esse desperdício, tornando o uso desses medicamentos mais preciso, seguro e sustentável. Neste contexto, o Brasil tem se destacado com iniciativas inovadoras, como o projeto CEPID ARIES, da Fapesp, que está liderando estudos importantes sobre o uso racional de medicamentos.
Impacto do desperdício de medicamentos
O desperdício de medicamentos nos hospitais tem várias causas, muitas das quais envolvem fatores humanos, como o erro na dosagem, administração inadequada, vencimento de estoques e o descarte de frascos abertos.
Esses fatores são especialmente visíveis em unidades de terapia intensiva (UTIs) e centros de urgência, onde a pressão e a urgência aumentam o risco de falhas. Além disso, o impacto ambiental do descarte incorreto de substâncias farmacológicas é significativo, contribuindo para a poluição e o comprometimento dos ecossistemas.
Estudos internacionais apontam que o desperdício de medicamentos pode aumentar em até 50% os custos com anestésicos e antibióticos, o que sobrecarrega ainda mais o sistema de saúde. Com a resistência bacteriana em ascensão, esse desperdício não só é um problema econômico, mas também um fator que agrava a luta contra doenças infecciosas.
Como a Inteligência Artificial está transformando a situação
A IA já está sendo aplicada com sucesso em diversos hospitais ao redor do mundo para minimizar o desperdício de medicamentos. Em hospitais na Europa e na Ásia, algoritmos de IA ajudaram a otimizar o uso de anestésicos, como o propofol, resultando em uma redução de até 50% no volume de medicamentos descartados.
Além disso, em hospitais pediátricos na China, a IA tem sido utilizada para controlar o uso de antibióticos, com robôs que fracionam e compartilham a medicação de forma segura. Isso tem contribuído para evitar desperdícios de até 60%, garantindo que os antibióticos sejam usados somente quando necessário e na dosagem correta.
Uma das maiores contribuições da IA para a gestão de medicamentos é a previsão de demanda. Algoritmos de IA são capazes de analisar grandes volumes de dados para prever com maior precisão a quantidade de medicamentos necessária para o tratamento de pacientes.
Essa previsão permite que os hospitais evitem o excesso de estoques e o vencimento de medicamentos, otimizando suas compras e reduzindo a quantidade de produtos descartados por erro ou por expiração.
A automação também tem sido um ponto chave na utilização de IA para reduzir o desperdício. Equipamentos automatizados, como bombas de infusão controladas por IA, permitem a administração precisa e contínua de medicamentos, sem as variações humanas que muitas vezes levam ao desperdício.
A automação torna o processo mais eficiente, aumentando a precisão e reduzindo os erros.
O papel do Brasil na inovação em saúde
O Brasil tem se destacado no campo da inteligência artificial aplicada à saúde, com projetos como o CEPID ARIES, da Fapesp, que visa a integração de tecnologias avançadas para o controle de infecções hospitalares e o uso racional de antibióticos.
O projeto, que envolve pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), utiliza análises preditivas baseadas em dados clínicos para mapear padrões de resistência bacteriana e otimizar o uso de antibióticos.
Arnaldo Colombo, coordenador do projeto ARIES, enfatiza a importância da utilização de dados bem tratados e da tecnologia aplicada para tomar decisões mais assertivas no uso de antibióticos e anestésicos.
Segundo ele, esse tipo de abordagem pode ajudar a evitar tanto o desperdício quanto a subutilização de medicamentos, resultando em tratamentos mais eficazes e econômicos.
Resistência bacteriana
A resistência bacteriana é uma das maiores ameaças à saúde pública mundial. Atualmente, cerca de 1,2 milhão de mortes são atribuídas à resistência bacteriana anualmente, e as previsões indicam que, nas próximas décadas, essa causa de óbitos pode superar o câncer em letalidade.
A utilização excessiva e inadequada de antibióticos é um dos principais fatores que contribuem para o desenvolvimento dessa resistência.
A IA, ao permitir uma administração mais precisa e eficiente de antibióticos, representa uma ferramenta essencial para conter esse avanço. A tecnologia não só ajuda a evitar o desperdício, mas também contribui para o controle e tratamento mais eficaz das infecções, reduzindo a pressão sobre o desenvolvimento de resistência.
A necessidade de ação imediata
A incorporação de tecnologias como a IA nos protocolos hospitalares não é apenas uma aposta no futuro, mas uma necessidade urgente.
Com o aumento da resistência bacteriana e os crescentes custos no setor de saúde, é crucial que o Brasil e outros países adotem tecnologias inovadoras para combater o desperdício de medicamentos. Iniciativas como o ARIES mostram que é possível implementar soluções eficazes e sustentáveis, não só em hospitais, mas também em políticas públicas de saúde.
Reduzir o desperdício de medicamentos não é apenas uma questão de economia financeira, mas uma estratégia de salvar vidas e proteger o meio ambiente. A inteligência artificial, com seu potencial de melhorar tratamentos e reduzir erros, é uma solução viável e necessária para enfrentar os desafios do sistema de saúde.
O Brasil, com iniciativas como o projeto ARIES, tem mostrado que está na vanguarda dessa transformação tecnológica, e é essencial que os profissionais de saúde, pesquisadores e gestores se unam para aproveitar todo o potencial da IA na prática.