A cena clássica de “Frankenstein” (1931), dirigida por James Whale, apresenta o icônico momento em que o Dr. Henry Frankenstein grita triunfante: “Está vivo! ESTÁ VIVO!”.
Neste momento, com relâmpagos cortando o céu, o monstro, um cadáver reanimado pela eletricidade, ganha vida diante dos olhos do cientista. Embora o conceito de trazer algo à vida por meio da eletricidade seja fictício, esse tipo de energia tem sido apontado por cientistas como uma das possíveis responsáveis pelo surgimento da vida na Terra, ocorrendo de maneira menos espetacular, mas igualmente fascinante.
Terra primitiva e a sopa primordial
A Terra tem aproximadamente 4,5 bilhões de anos e as evidências mais antigas de vida datam de cerca de 3,5 bilhões de anos, com os primeiros organismos microscópicos, como estromatólitos, sendo encontrados em rochas antigas. Contudo, a grande questão que persiste é: de onde vieram os blocos de construção dessa vida?
A teoria da abiogênese sugere que a vida teria surgido a partir de moléculas orgânicas não vivas em um ambiente primordial. Esses compostos, frequentemente chamados de “sopa primordial”, podem ter sido formados em oceanos primitivos, onde, sob condições específicas, reações químicas complexas poderiam ocorrer. Mas de onde vêm essas moléculas orgânicas?
A hipótese dos raios e a formação de moléculas orgânicas
Décadas atrás, cientistas como Stanley Miller e Harold Urey demonstraram que os raios poderiam ter provocado reações químicas nos oceanos da Terra primitiva, criando aminoácidos essenciais para a vida. Este foi um marco na compreensão da origem da vida e um suporte à hipótese de que a vida poderia surgir de matéria não viva.
Mais recentemente, um estudo de 14 de março de 2025, publicado na Science Advances, trouxe uma nova perspectiva. Pesquisadores propuseram que descargas de “micro-raios”, que ocorrem entre gotículas de névoa carregadas eletricamente, poderiam ter fornecido a energia necessária para sintetizar aminoácidos, os blocos básicos das proteínas.
Estes micro-raios, gerados por gotículas de água, seriam capazes de quebrar as ligações moleculares do nitrogênio e do carbono, criando as condições ideais para a formação de moléculas orgânicas.
A energia dos micro-raios
Os micro-raios são descargas de energia elétrica em uma escala muito menor do que os raios visíveis, mas com potência suficiente para desencadear reações químicas.
Ao comparar o processo com os experimentos de Miller-Urey (1953), os cientistas observaram que as pequenas gotículas de água carregadas, quando interagem, geram uma centelha que pode resultar na formação de moléculas orgânicas, como aminoácidos.
Este estudo inova ao sugerir que essas microdescargas, comuns na natureza, poderiam ter sido cruciais para o desenvolvimento das moléculas que deram início à vida. Diferente de raios esporádicos, as microdescargas poderiam ocorrer constantemente, criando um ambiente propício para a formação das primeiras moléculas biológicas em locais como poças ou lagos rasos.
A água e o papel essencial nas reações químicas
A água, elemento essencial para a vida tal como conhecemos, também se apresenta como um ingrediente chave para as reações químicas que podem ter levado ao surgimento da vida.
No estudo de 2025, o uso de névoa de água misturada com amônia, dióxido de carbono, metano e nitrogênio, gerou moléculas orgânicas quando as microdescargas ocorreram. A presença de água líquida em abundância é, assim, vista como fundamental para a evolução das primeiras moléculas, levando à formação de estruturas mais complexas, eventualmente resultando nas formas de vida primitiva.
O impacto da água sobre a formação da vida é tão grande que a Terra é chamada de “Mármore Azul” quando vista do espaço, devido ao seu vasto volume de água. O estudo sugere que a água poderia desempenhar um papel ainda mais importante do que se imaginava no processo de criação das moléculas essenciais à vida.
Desafios e outras hipóteses
Embora o estudo de micro-raios apresente uma nova possibilidade, ainda existem muitas incógnitas sobre a origem da vida. Algumas teorias defendem que a vida começou ao redor de fontes hidrotermais no fundo do mar, onde águas quentes e ricas em minerais reagiam sob alta pressão, criando as condições ideais para a formação de aminoácidos e outras moléculas orgânicas.
Outra hipótese, conhecida como panspermia, sugere que as moléculas orgânicas essenciais à vida não surgiram na Terra, mas foram trazidas do espaço por cometas ou fragmentos de asteroides.
Ainda assim, a teoria da abiogênese, que propõe a formação espontânea de vida a partir de matéria não viva, continua sendo uma das mais aceitas. O estudo dos micro-raios e das interações químicas entre água e moléculas gasosas pode ajudar a aproximar os cientistas de uma explicação mais precisa sobre o que ocorreu há bilhões de anos, quando a vida deu seus primeiros passos na Terra.
No final, seja por raios visíveis ou micro-raios invisíveis, a eletricidade pode ter sido a chave para acender a faísca que deu origem à vida na Terra.